Esquizofrenia, os delírios e as alucinações, o estigma e a esperança

A esquizofrenia tem um grande impacto na vida dos doentes e na sua imagem social

É uma doença crónica que provoca alterações de perceção, sensações e emoções. A vida torna-se um desafio, mas é possível continuar a ter objetivos e ambições. O Dia Mundial da Esquizofrenia assinala-se a 24 de maio.

É crónica, não tem cura, aparece sem avisar, não tem uma causa específica associada, o prognóstico é incerto. Delírios, alucinações, discurso desorganizado, alterações do comportamento são alguns dos sintomas. A doença provoca alterações na perceção, nas sensações e emoções. A 24 de maio, assinala-se o Dia Mundial da Esquizofrenia.

A esquizofrenia é uma patologia mental grave, incluída no grupo das psicoses. Geralmente, os primeiros sinais surgem durante a adolescência ou no início da idade adulta. Nos homens, os sintomas tendem a surgir um pouco mais cedo do que nas mulheres. A maioria dos doentes (68%) é do sexo masculino e tem entre os 30 e os 50 anos de idade.

Os sintomas são conhecidos. Alucinações, mais frequentemente as auditivas, em que se ouvem sons, ruídos ou vozes que não existem. Delírios caracterizados pelas crenças absolutas e convictas que o doente tem em factos não verdadeiros e não compreensíveis. Estes são os chamados sintomas negativos. Já a apatia, a diminuição ou perda de vontade e de iniciativa, as dificuldades de concentração são designados sintomas negativos. A tristeza e a depressão também são característicos desta doença crónica.

Em Portugal, segundo estudos recentes, existem cerca de 48 mil doentes, o que representa cerca de 0,6% da população com mais de 15 anos

“Trata-se de uma doença multifatorial e, portanto, não é conhecida uma causa etiológica única que desencadeie a esquizofrenia. Pensa-se que diferentes fatores influenciem, de maneira variável, o aparecimento e a evolução da doença, como acontece com outras doenças crónicas”, explica Dulce Maia, médica psiquiatra, diretora do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e docente convidada da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e da Universidade do Porto.

Há fatores genéticos. “Trata-se de uma das patologias mentais que aparecem mais vezes nas mesmas famílias e, portanto, com transmissibilidade genética, mas ainda não completamente conhecida.” Há fatores ambientais com destaque para o uso de substâncias ilícitas. “Sabemos que estes consumos vão aumentar a dopamina cerebral, facto que em muitas situações funciona como gatilho para o espoletar da sintomatologia psicótica.” “Em termos biológicos, existem alterações cerebrais e bioquímicas com modificação da funcionalidade de vários neurotransmissores cerebrais, o principal dos quais a dopamina”, acrescenta a especialista.

A esquizofrenia tem fases em que os sintomas são exuberantes, mas há períodos durante os quais um doente consegue ter uma vida aproximada do normal

O diagnóstico é clínico, fundamenta-se na avaliação correta dos sinais e sintomas, da forma como surgiram e da sua evolução, da sua repercussão na funcionalidade do doente, e de outros aspetos que os profissionais de saúde mental têm em conta. Há ainda exames auxiliares do diagnóstico, sobretudo analíticos e de neuroimagem, que podem ser necessários para exclusão de outros diagnósticos diferenciais.

Dulce Maia recorda que o primeiro fármaco com propriedades antipsicóticas surgiu entre 1940-50 e representou um marco na história da Psiquiatria. “Desde então, surgiram vários outros antipsicóticos e, desde daí, os fármacos têm vindo a passar por um processo evolutivo, desde os mais antigos, geralmente com mais efeitos secundários, até aos mais recentes, com muito menos efeitos indesejáveis, muito melhor tolerabilidade e que atuam também sobre os sintomas negativos, contribuindo muito para a facilitação do regresso à vida ativa e funcional destes pacientes”, refere.

A prática clínica e os estudos científicos mostram que as recaídas são mais prováveis quando os medicamentos antipsicóticos são interrompidos ou tomados de forma irregular. Os fármacos injetáveis de longa duração têm, portanto, um papel muito relevante ao garantir o cumprimento do plano terapêutico traçado, potenciando a estabilidade clínica. “Estas características ganham ainda mais relevância quando recordamos que se trata de uma patologia crónica com necessidade de tratamento continuado”, sublinha, a propósito, a médica psiquiatra.

Quanto mais tempo o paciente estiver sem tratamento, mais difícil será a sua recuperação e pior o seu prognóstico

A esquizofrenia tem um grande impacto na vida dos doentes e na sua imagem social. Dulce Maia acompanha vários doentes e sabe que assim é. “Os sintomas negativos são os principais responsáveis pelas dificuldades de relação social e dificultam muito a sua integração familiar, social e laboral”, adianta. E os doentes sofrem um grande estigma, de várias proveniências, que, em grande parte, dificulta a sua recuperação.

Segundo a médica psiquiatra, estudos recentes, realizados em Portugal, estimam que a esquizofrenia tenha um impacto indireto na ordem dos 340 milhões de euros e custos diretos avaliados em 96 milhões de euros por ano. “Sabemos ainda que cerca de 80% dos pacientes não têm emprego e, destes, 70% dependem financeiramente de pais e familiares. Quanto menor a adesão à terapêutica, menor a capacidade de recuperação do doente e maiores estes custos”, comenta.

“A sociedade em geral tem ainda muito para evoluir, aumentando a sua abertura e a sua contribuição para a integração destes pacientes no mundo laboral.” E fica o conselho: “É importante garantir que as pessoas com esquizofrenia cumprem o tratamento, de forma a poder interagir familiar e socialmente, manter o seu emprego e ter um nível de funcionalidade o melhor possível”.