É uma doença inflamatória crónica que afeta mais pessoas jovens. A espondilite anquilosante melhora com a atividade diária, piora durante a noite. Não tem cura mas há tratamento.
É mais uma tarde de calor junto à sede da Associação Nacional de Espondilite Anquilosante (ANEA), localizada em São Domingos de Rana, Cascais. Susana Carreira Rodrigues, 42 anos, comparece a mais uma sessão de fisioterapia, uma rotina que segue há anos. Foi por volta dos 20 que começou a ter as primeiras queixas desta doença de nome difícil de pronunciar e desafiante de lidar, tais são as dores envolvidas e as dificuldades associadas. Começou por sentir alguma dor ao nível da região lombar e nas nádegas, que irradiava pelas coxas, dificuldade em levantar-se e de locomoção, edema nas articulações periféricas e um cansaço atípico.
Apesar de ser conhecida história familiar da doença, Susana não foi suficientemente ouvida pelo primeiro médico, optando por procurar uma segunda opinião. Com algumas análises específicas ao sangue e uma ressonância magnética (RM) à coluna lombar, o diagnóstico chegou num curto espaço de tempo. “Desde então, passei a ser mais cuidadosa com o meu corpo, nunca me desleixando para que a doença não progrida livremente.”
No caso de Isaac Lopes Pereira, 21 anos, as queixas começaram aos dez anos, sobretudo com dor na região lombar. Vivia no Brasil e veio para Portugal com a mãe aos 14 anos. Seguiram-se tempos em que se sentiu perdido entre médicos. Com a doença a progredir e sem diagnóstico, começou a ter outros problemas nos joelhos e na coluna. “Aos 17, 18 anos, comecei a desenvolver problemas musculares, inflamação, dores nas articulações e piorei.” Foram precisos 11 anos e várias especialidades médicas para que Isaac soubesse o nome do mal que o afligia: espondilite anquilosante ou espondilartrite axial. “Agora, é mais fácil manter a esperança de que posso melhorar e, talvez, vir a ter uma vida relativamente normal”, confessa.
Atualmente, Isaac vive aquela que caracteriza como a “pior fase até agora”, uma vez que tem extrema rigidez nas articulações ao acordar e na região cervical e dor severa em todo o corpo, durante o dia. Tomar banho, lavar a loiça, cozinhar e limpar a casa, entre outras atividades necessárias no dia a dia, são um autêntico sacrifício. A estes sintomas juntam-se a dificuldade em dormir e a baixa qualidade de sono. “Não houve um dia, este ano, em que tenha acordado a sentir que tinha descansado”, garante.
Dificuldades de diagnóstico
Os desafios no diagnóstico não são um exagero por parte dos doentes, os médicos também os identificam, até porque existem vários fatores a considerar. “O primeiro será o atraso no reconhecimento dos sintomas característicos, que é muitas vezes causado pelo desconhecimento que existe em torno desta doença. Por outro lado, há que ter em conta que, nas fases iniciais, estão ausentes os achados objetivos típicos desta entidade, isto é, a perda de mobilidade da coluna e as alterações evidentes na radiografia convencional”, explica Pedro Carvalho, reumatologista do Hospital de Faro.
É preciso estar atento a manifestações mais subtis e recorrer a uma RM para identificar achados inflamatórios que caracterizam a doença numa fase inicial. “É um exame caro e nem sempre disponível”, sublinha o clínico. É ainda necessário que seja detetada a presença do gene HLA-B27.
Foi esta dificuldade de diagnóstico que levou ao lançamento da campanha “Controlar o monstro”, uma iniciativa conjunta da ANEA, da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas e da Novartis que pretende alertar a comunidade médica e a população para a existência da espondilartrite axial e para o seu impacto na vida do doente. “A sensibilização para o reconhecimento atempado dos sintomas associados a esta doença permitirá melhorar a identificação mais precoce destes doentes, potenciando assim o efeito benéfico das terapêuticas disponíveis”, refere Pedro Carvalho.
Um sinal de alerta pode ser uma lombalgia que tenha começado antes dos 45 anos ou que dure mais de três meses. Também o ritmo da dor é relevante. “Está presente logo de manhã, ainda antes de existir qualquer esforço físico, podendo despertar o doente durante a noite, não melhorando com o repouso e, surpreendentemente, podendo melhorar com os movimentos”, especifica Pedro Carvalho. A rigidez matinal prolongada também é característica.
Apesar de não ter cura, “ter um acompanhamento médico multidisciplinar entre a reumatologia e a medicina física e de reabilitação, a adesão à farmacologia e manter um programa de reabilitação adequado permite aos doentes terem uma boa qualidade de vida”, destaca Tomás Stuve de Barros, diretor clínico da ANEA e fisiatra. “Felizmente, é possível controlar uma porção significativa dos doentes com fármacos anti-inflamatórios, que já demonstraram ter efeito benéfico na progressão da doença. No entanto, alguns deles não melhoram de forma satisfatória, são intolerantes ou apresentam contraindicação a estes fármacos. Nesses casos, estão disponíveis fármacos biotecnológicos que são uma opção que poderá mudar significativamente a evolução da doença, melhorando sobremaneira a qualidade de vida destes doentes”, salienta Pedro Carvalho.
Repouso? Não. Atividade? Sim.
Susana Rodrigues é acompanhada em consulta de seis em seis meses e faz terapia oral com anti-inflamatórios não esteroides uma vez por dia. Conta ainda com um SOS, se necessário. “Na ANEA, faço fisioterapia todas as semanas e hidrocinesioterapia duas vezes por semana, que me ajudam na reabilitação e correção postural.” Sempre que pode, faz caminhadas e já praticou pilates. No caso de Isaac Pereira, além de um relaxante muscular e de analgésicos, aguarda pacientemente para iniciar a terapia imunossupressora que foi atrasada devido à pandemia. “Comecei recentemente fisioterapia e ‘classe AE’ [alongamentos e exercícios específicos para pacientes de espondilite anquilosante], duas vezes por semana.”
As limitações da doença nem sempre são físicas, pois afetam também a autoestima. Susana Rodrigues sente-se apoiada pela família e pelos amigos. Lojista há 25 anos, já teve de mudar de emprego porque a sua doença era desvalorizada em alturas de crise. “Cheguei a sofrer duras críticas ao meu desempenho.” Apesar dos desafios, não abandona o sorriso que a caracteriza e encara a doença com positivismo. “Temos de nos habituar às limitações que a doença nos vai trazendo, mas nunca desistindo de nós. Tento sempre pensar que amanhã vou ter menos dor.”
Isaac Pereira é técnico de eletrónica e teve de adiar todos os projetos profissionais. Nem sempre é fácil lidar com os contornos invisíveis da doença. Teve de desistir dos escuteiros e do sonho de se candidatar à Força Aérea porque tinha consciência de que nunca seria aprovado nos exames médicos. Sentiu discriminação durante a adolescência, sobretudo no Secundário por não conseguir acompanhar o ritmo dos colegas nas aulas de Educação Física. Desde o último inverno, encontra-se de baixa médica. “Sou eternamente grato ao meu chefe que está sempre disponível para ajudar em tudo o que possa e é extremamente flexível.” Susana também conta com a atual chefia e vai adaptando a logística diária à sua condição.
Apesar das dores e da incapacidade que provoca, a espondilartrite axial anda de mãos dadas com a produtividade laboral. “O tratamento precoce e adequado permite que a grande maioria dos doentes tenha melhoria significativa da sua capacidade funcional. A retoma de uma vida semelhante à que existia antes do início da doença é felizmente a regra, não a exceção”, realça o reumatologista.