Jorge Manuel Lopes

Era uma vez em Copacabana


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Não é um mero alarme sanitário global que pára The Rolling Stones. Desde a declaração de pandemia da covid-19, o grupo participou, em abril de 2020, na maratona musical de beneficência online “One World: Together at Home”; publicou, no mesmo mês, o single “Living in a ghost town”, escrito muito antes do confinamento mas cuja temática (com alguns versos atualizados para a ocasião) e som, rock clássico e expectante injetado de silêncio, aliado a um vídeo que acumula espaços urbanos desertificados, não podia ser mais do momento; e viu em setembro a edição revista e aumentada de “Goats head soup”, o álbum de 1973 que nem costuma aparecer na sua lista de obras de referências, alcançar o primeiro lugar do top britânico, feito raro para reedições.

Agora aterra “A bigger bang – Live on Copacabana Beach”, que capta o capítulo brasileiro da digressão mundial de 147 datas que promoveu “A bigger bang”, lançado em 2005 e, por enquanto, ainda o mais recente álbum de originais da banda de Mick Jagger e Keith Richards (o último longa-duração de estúdio, “Blue & lonesome”, saído há cinco anos, é integralmente preenchido por versões). O concerto no Rio de Janeiro, gratuito, aconteceu a 18 de fevereiro de 2006, com os quatro quilómetros de areal de Copacabana a receber algo entre um milhão e meio e dois milhões de pessoas. Um oceano humano que, no testemunho de Richards e de Charlie Watts recolhido no livreto desta edição, transbordava morro acima e água adentro.

A escala desta empreitada é inescapável, sendo naturalmente mais sentida na rodela com o DVD do concerto do que nos dois CD que completam “A bigger bang – Live on Copacabana Beach”. A eficiência dos Stones (ou, em rigor, de qualquer entidade musical) em palcos de grande magnitude terá sempre uma costela de linha de montagem, mas a banda parece particularmente enérgica e de dentes cerrados nesta prestação. Não menos eficiente e rigorosa é a produção televisiva, a cargo da TV Globo – e por uma vez o baixista Darryl Jones, que ali anda há já 27 anos, não é tratado pela realização como o homem invisível. De novo Watts: “Foi como a final da Taça de Inglaterra, mas durou o dia todo”.