Epilepsia. O que fazer quando a medicação falha?

As manifestações são geralmente de curta duração e variam em função das regiões cerebrais e redes neuronais envolvidas

Esta descarga elétrica anormal das redes de neurónios afeta um em cada 200 portugueses, segundo as mais recentes estimativas. Todos os anos, surgem, em média, cerca de dois a cinco mil novos casos. O Dia Internacional da Epilepsia assinala-se a 8 de fevereiro.

A epilepsia é uma doença que parte de uma perturbação do funcionamento do cérebro que se desenvolve no sistema nervoso, devido a uma descarga anormal de alguns ou da quase totalidade dos neurónios cerebrais. Mas não é tudo. Há efeitos colaterais: problemas neurológicos e cognitivos, distúrbios de sono, sequelas associadas à medicação, impactos na saúde mental.

Trata-se de uma patologia que pode levar à regressão no desenvolvimento neurodegenerativo e afetar a memória verbal, não verbal e funções de execução. É uma doença que implica perceber a abordagem terapêutica a adotar para cada doente, adaptar respostas ao tipo de crises, sendo possível registar, ao longo da vida de um doente, as ondas cerebrais e compreender melhor as crises epiléticas e como atuar.

“O ponto de partida desta doença é uma perturbação do funcionamento do cérebro que predispõe à ocorrência de crises epiléticas. Estas acontecem devido a uma descarga elétrica anormal de redes de neurónios”, explica Ricardo Rego, coordenador da Unidade de Monitorização de Epilepsia do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, e do Centro de Referência de Epilepsia Refratária, em Lisboa.

Formigueiros, alucinações visuais ou auditivas, perda de consciência ou movimentos involuntários, são algumas das manifestações da epilepsia

As manifestações são geralmente de curta duração e variam em função das regiões cerebrais e redes neuronais envolvidas. “O reportório inclui sensações ‘estranhas’ (formigueiros, alucinações visuais ou auditivas), perda de consciência ou movimentos involuntários. A altura de ocorrência das crises é imprevisível e estas podem resultar em quedas e ferimentos”, adianta o especialista.

Todos os anos, surgem, em média, cerca de dois a cinco mil novos casos de epilepsia, que se juntam aos 40 a 70 mil portugueses que já sofrem da doença. Dos novos afetados, cerca de 10% serão refratários face aos tratamentos médicos, ou seja, resistentes à medicação. Ricardo Rego refere que em doentes com epilepsia refratária há frequentemente perturbações cognitivas e psicológicas, depressão e ansiedade, que contribuem para a perda de qualidade de vida. “Durante o período de confinamento devido à pandemia da covid-19, o isolamento social pode agravar ainda mais estas comorbilidades psiquiátricas”, alerta.

“A epilepsia refratária é particularmente grave no caso das crianças, uma vez que pode prejudicar negativamente o seu desenvolvimento cerebral.” Por isso, é importante saber reconhecer de forma precoce esta doença e como agir.

A epilepsia pode surgir em qualquer idade, sendo o pico de incidência nas crianças e nos idosos

É preciso atenção a vários fatores. A epilepsia pode surgir em qualquer idade, sendo o pico de incidência nas crianças e nos idosos. As causas podem ser múltiplas: genéticas, estruturais, infeciosas, metabólicas ou autoimunes (ou uma combinação). O diagnóstico é clínico e habitualmente feito por um neurologista ou neuropediatra. Se não houver resposta ao tratamento antiepilético (epilepsia refratária), a referenciação é feita a centros especializados em epilepsia refratária.

“Quando há efetivamente um diagnóstico de epilepsia refratária, nada está perdido! De facto, nas últimas décadas o tratamento das epilepsias tem evoluído muito, tanto a nível farmacológico como não farmacológico, incluindo cirurgia e neuroestimulação”, revela Ricardo Rego. Os doentes candidatos a estes tratamentos devem passar por um processo de avaliação exaustiva e detalhada, procurando assegurar, em primeiro lugar, a sua segurança. “Genericamente, a cirurgia é empregue quando se consegue delinear com precisão uma região cerebral geradora de crises, cuja remoção não resulte em défices.”

As causas podem ser múltiplas: genéticas, estruturais, infeciosas, metabólicas ou autoimunes (ou uma combinação)

Nos últimos anos, têm sido aperfeiçoadas novas técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, que reduzem os efeitos colaterais e a morbilidade cirúrgica. “A neuroestimulação é aplicável em casos em que as crises são geradas em regiões muito extensas ou há múltiplas regiões epileptogénicas simultâneas.” Na Europa, há duas técnicas disponíveis: estimulação do nervo vago e estimulação cerebral profunda. Segundo Ricardo Rego, “ambas utilizam impulsos elétricos de baixa intensidade para modular e reduzir o número de crises.” “Um dos avanços mais promissores e recentes nesta área é a possibilidade de ajustar os impulsos elétricos em função de sinais biológicos do próprio doente, individualizando assim o tratamento”, acrescenta.

Há, no entanto, uma grande discrepância entre as pessoas que podem ser tratadas e as que realmente o são. Nesse sentido, é essencial que a referenciação a centros especializados em epilepsia seja feita o mais precocemente possível. Em Portugal, existem centros de referência de epilepsia refratária no Norte, no Centro Hospitalar Universitário de São João e Centro Hospitalar Universitário do Porto; no Centro, no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra; e no Sul, no Centro Hospitalar Lisboa Norte e Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.