Epilepsia, há mais vida para lá das crises

As manifestações são geralmente de curta duração e variam em função das regiões cerebrais e redes neuronais envolvidas

Doença neurológica e crónica provoca diferentes manifestações e afeta a qualidade de vida dos pacientes. "Epilepsia é mais do que ter crises" é o mote da campanha internacional no ano em que a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia faz meio século de vida.

A epilepsia é uma patologia neurológica crónica e manifesta-se pela recorrência de crises epiléticas não provocadas que levam a alteração da consciência e sintomas motores, sensitivos ou psíquicos. Uma crise pode ocorrer na sequência de agressões do sistema nervoso central (como as infeções e o traumatismo crânio-encefálico), hipoglicémias e exposição a tóxicos ou drogas. Na infância, infeções banais podem levar a convulsões febris. E estas crises sintomáticas agudas podem ocorrer ao longo da vida de uma em cada 20 pessoas. A Semana da Epilepsia decorre de 8 a 13 de março e a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia faz 50 anos. Uma semana assinalada com webinars e workshops para discutir a doença.

“De uma forma prática, as crises epiléticas podem manifestar-se através de movimentos das extremidades mais ou menos rítmicos e com alteração da consciência, crises convulsivas; ou como alteração das sensibilidades, dos sentidos, do pensamento, crises não convulsivas”, explica Cristina Pereira, neuropediatra e neurofisiologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).

O que fazer? “Durante uma crise epilética convulsiva, deve colocar-se a pessoa em decúbito lateral de segurança e prevenir eventuais traumatismos, colocando, por exemplo, uma peça de roupa por baixo da cabeça e não restringir os movimentos. Não se deve colocar nada na boca de um doente que está em convulsão”, refere Cristina Pereira. Porque, ao fazê-lo, há o risco de um fragmento desse objeto se partir e inadvertidamente obstruir as vias aéreas, levando à sufocação ou a lesões da mucosa oral ou fratura de dentes. Ao colocar a pessoa de lado, pela ação da gravidade, a língua cai para a frente e não para trás.

“Durante uma crise epilética não convulsiva com interrupção da consciência ou confusão, é preciso evitar que a pessoa se magoe. Para tal, deve-se falar de forma clara e tranquilizadora, orientá-la gentilmente para evitar a deslocação para sítios perigosos e esperar que a pessoa esteja novamente bem orientada e referir-lhe, no final, que teve uma crise epilética”, acrescenta a especialista.

Ao colocar a pessoa de lado, pela ação da gravidade, a língua cai para a frente e não para trás

A imprevisível possibilidade de uma nova crise é sempre uma grande angústia. E não basta ter o diagnóstico de epilepsia. Desde a primeira crise, o médico deve ter a preocupação em determinar a causa da epilepsia. Em 2017, a Liga Internacional Contra a Epilepsia definiu seis grupos etiológicos: epilepsia estrutural, genética, infecciosa, metabólica, imune ou desconhecida. Para o estudo, é necessário fazer um eletroencefalograma, frequentemente uma ressonância magnética cerebral e, eventualmente, estudos genéticos e metabólicos.

O desafio do diagnóstico e tratamento duma epilepsia em idade pediátrica, que se desenvolve durante o período fundamental do desenvolvimento cerebral, é não só tratar as crises, mas minimizar potencias problemas associados. Crianças com epilepsia apresentam mais frequentemente dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, perturbação de hiperatividade e défice de atenção, autismo e patologia psiquiátrica. Nestes casos, sublinha, “são necessárias equipas multidisciplinares para promoção de atempado apoio técnico-pedagógico e melhoria da integração da criança na escola e na comunidade”.

Estima-se que, em Portugal, existam entre 50 a 70 mil pessoas com epilepsia

O tratamento da epilepsia engloba uma vertente medicamentosa e outra não medicamentosa. “O tratamento farmacológico assenta essencialmente no uso de medicamentos antiepiléticos. Das mais de duas dezenas de fármacos antiepiléticos disponíveis, a maioria foi desenvolvida nas últimas duas décadas”, lembra a neuropediatra. Ainda assim, cerca de um terço das epilepsias são resistentes ao tratamento farmacológico. Essas pessoas devem ser observadas em centros de referência de Epilepsia Refratária (CRER) que poderão proporcionar tratamento não medicamentoso, que engloba a dieta cetogénica, a cirurgia da epilepsia e a neuroestimulação (estimulador do nervo vago e estimulação cerebral profunda).

A dieta cetogénica é uma dieta à base de gorduras, apresenta propriedades anticonvulsivantes e deve ser orientada por equipas médicas experientes com nutricionista. Tem benefícios comprovados em vários tipos de epilepsia pediátrica e de adultos. “A cirurgia pode ser a terapêutica curativa nas situações em que a epilepsia é devido à existência de um tumor: a sua remoção pode curar a doença. Por isso, as epilepsias devidas a qualquer lesão cerebral devem ser sempre avaliadas em CRER.”

Outra possibilidade terapêutica, segundo a especialista, é o canabidiol, derivado da canábis ainda não comercializado com esta indicação em Portugal. “Esta substância apresenta evidência mais robusta na redução da frequência das crises em crianças com síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut, formas raras de epilepsia”, adianta Cristina Pereira.