Projetar a voz, não comer frases e sílabas, atenção à linguagem corporal, à preparação e ao improviso. A comunicação é como o ar que se respira. Sem ela, nada acontece. As subtilezas e os truques da oratória para que a mensagem passe e fique.
João Teixeira Lopes é sociólogo, é professor universitário, é político e comentador televisivo. Falar em público é prática diária em diferentes circunstâncias e para diversas plateias. Uma palestra é uma palestra, uma aula é uma aula, uma intervenção política é uma intervenção política. “São papéis sociais diferentes. Tenho um repertório distinto de referências e de competências linguísticas”, assinala. Adapta-se, portanto, à plateia que tem à frente. “É muito importante, em qualquer contexto, quando estamos a falar em público, face a face, ter em conta que a linguagem é muito mais do que o verbal. A linguagem é complexa, é um conjunto de signos verbais e não verbais.”
Está habituado a preparar-se para qualquer ocasião. Não faz exercícios específicos de voz, sabe que é importante colocá-la, bebe bastante água. Leva um guião apenas como rede, não fica preso às notas escritas, faz questão de não ler, prefere o improviso. Solta as mãos, corrige quando se engana, não fixa o olhar numa única pessoa, olha para várias, e quando está de pé, não fica no mesmo sítio, anda pela sala. “Mudo de posição para ter uma perspetiva diferente da audiência, para ver como está a reagir.”
Paulo Lourenço é professor do Departamento de Engenharia Civil da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, codiretor do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Engenharia de Estruturas, já esteve em mais de 60 países em trabalho, antes da pandemia, passava 35% do ano em reuniões e palestras em todo o Mundo. Falar em público é uma prática que interiorizou e que faz de forma natural em português, inglês e espanhol, com a mente formatada nessas línguas. O nervosismo é coisa do passado. “A comunicação está entranhada e o único ritual que tenho é rever as minhas notas ou o auxílio visual antes da intervenção (quando possível). Seria incapaz de entrar numa sala de aula sem rever o conteúdo, nem que seja por dez ou 15 minutos”, adianta. Subscreve a frase “génio é 1% inspiração e 99% transpiração.”
“Comunicar é um ato complexo na medida que implica levar em consideração três variáveis que devem ser acauteladas: conteúdo, forma e processo. Comunicar em público, sendo um processo em que a predisposição das pessoas é diferencial, implica, pelos problemas e prejuízos que uma má comunicação pode gerar, que seja adequadamente preparada”, observa João Leite Ribeiro, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, doutorado em Ciências Empresariais. É preciso planear o que se quer comunicar, definir objetivos a atingir, delinear estratégias, organizar a comunicação, conhecer os recursos e utilizá-los da melhor forma, manter uma atitude de avaliação para perceber se há desvios para corrigi-los atempadamente. E tudo fazer para prender a atenção da plateia. “Planear as fases da comunicação de maneira a motivar e estimular o público durante todo o processo”, acrescenta.
“Se não soubermos comunicar, não existimos”, repara Nuno Miguel Henriques, especialista em Protocolo e Comunicação Oral, licenciado em Ciências Sociais e Psicologia Social, autor de diversos livros técnicos sobre comunicação política e falar em público, diretor da Embaixada do Conhecimento, que dá formações em Lisboa, Porto e Coimbra. Ensina técnicas específicas de dicção, respiração, colocação e projeção de voz, organização de ideias e sua transmissão oral a políticos, professores, juízes, gestores, jornalistas, dirigentes associativos, entre outras profissões.
A oratória tem os seus caminhos. “É necessário ter uma respiração diafragmática correta.” Ou seja, usar o diafragma como deve ser. “Respirar mais fundo, não estar sempre a respirar, para não haver aquelas pausas desagradáveis”, especifica. “É o aperfeiçoamento vocal, fazer exercícios, é como se fosse um treino. Não comer palavras, não comer sílabas, dizer tudo muito bem dito.” É a arte de bem dizer, é falar para que todos percebam. Nuno Miguel Henriques fala ainda das pronúncias. “Tentar que o sotaque não seja um ruído na comunicação.”
A voz é um instrumento que tem de ser cuidado. “As cordas vocais são do tamanho de um cabelo, são muito sensíveis.” Por isso, evitar bebidas muito quentes ou demasiado frias e o tabaco. O pigarrear constante é um obstáculo, interfere, causa nervosismo, pode arruinar uma comunicação. “Se há frases cortadas, a mensagem sai deturpada.” O corpo também fala e a postura é fundamental. Nada de mãos atrás das costas, pés tortos, mãos a tremer, joelhos a falhar, olhos colados ao chão.
As frases e os silêncios. As mãos, os pés, o olhar
“É tão importante o que digo, quanto o que silencio. É tão importante a frase quanto a postura corporal. É a própria voz que comunica pelo ritmo, entoação, pronúncia”, define João Teixeira Lopes. São subtilezas de comunicar em público. “Quando estamos em público, temos uma audiência de acordo com a nossa postura, se queremos que essa audiência participe mais ou participe menos.” Essa sintonia depende de quem fala, de quem conduz as conversas, de quem dá o corpo ao manifesto. Para o sociólogo, o entusiasmo também é importante. Se o orador não está motivado, a plateia não se entusiasma, é o chamado efeito espelho. “Devemos mostrar uma certa alegria quando comunicamos.”
Paulo Lourenço concorda, é necessário “inspirar confiança e sorrir.” Mas não só. “O primeiro aspeto essencial é a preparação, o que implica um guião do que se pretende comunicar. O improviso integral representa, de facto, um enorme desleixo do orador. Mas isto não implica ler um texto, o que não funciona em discursos longos.” O professor catedrático destaca outros fatores. “O importante é ser natural, comunicar como se a audiência estivesse repleta de amigos e dar algum espaço à espontaneidade. Um segundo aspeto importante é a necessidade de adequar o discurso e a linguagem aos recetores.” Se a mensagem não passa, a responsabilidade é de quem comunica.
No mestrado internacional, em que Paulo Lourenço leciona há mais de cinco anos, é oferecido um curso rápido de comunicação em público aos alunos que têm de fazer um discurso de três minutos com auxílio visual ou escrito, que é cronometrado e avaliado no conteúdo e na imagem. Discutem-se aspetos como a empatia, a síntese, a concretização, a atitude, a voz, a linguagem corporal. O professor aborda outros pontos. Evitar falar sentado, repetir a mensagem principal e usar a voz moldando o seu volume, velocidade e entoação conforme os objetivos. “Não ter receio de gerir o silêncio e olhar a plateia nos olhos, envolver a audiência, por exemplo, com humor, histórias pessoais, perguntas retóricas, o uso da forma plural ou afirmações com alguma controvérsia.”
Onde colocar as mãos é sempre uma incógnita. David Mourão, licenciado em Relação Internacionais, especialista em Comunicação da Ciência na parte da Retórica e diretor da Speak and Lead, empresa especializada em cursos de comunicação, falar em público, estilos de liderança, garante que gesticular naturalmente é uma forma de acompanhar a mensagem. “Uma apresentação com gesticulação é mais relembrada. Os gestos complementam a mensagem, ajudam a lidar com o nervosismo e a aliviar a tensão da comunicação.” Há regras, porém, as mãos devem estar à altura do umbigo, nunca bloqueadas, nunca com os dedos entrelaçados. “Quanto mais natural acontecer, mais complementa a comunicação.”
Acelerar, abrandar, o ritmo. Os tópicos e os destaques
Quanto à voz, diminuir o ritmo em mensagens que se querem assertivas e de liderança, acelerar o ritmo quando o objetivo é persuadir. “Manter sempre a clareza da comunicação, dedicar tempo à preparação, destacar os pontos mais importantes da mensagem, nunca decorar um discurso inteiro porque vai ficar robotizado.”
Para David Mourão, o conteúdo é essencial e, por isso, tem de ser “à prova de bala.” Só depois, prossegue, vem a forma de transmitir a mensagem. Captar a atenção e manter o foco não são detalhes. O nervosismo pode atacar e a preparação faz toda a diferença. David Mourão chama a atenção para os dez minutos antes da apresentação. “Controlar o nervosismo ajuda a que a intervenção seja relembrada.” Técnicas de respiração, colocar a voz, verificar as condições do espaço, ver se está tudo bem, estudar posturas confortáveis para que os músculos não fiquem tensos, evitar pés juntos, ou um pé à frente do outro. Tudo isso importa. “É uma boa postura que dá estabilidade”, sublinha. Entrar em modo de sobrevivência não é, de todo, aconselhável.
João Leite Ribeiro aconselha a ter um guião mental, tópicos como pilares da comunicação, o que implica treino e preparação. “Os improvisos assentam em muita planificação e preparação. E os melhores estão bem escritos e bem preparados.” O foco é, acima de tudo, “fazer uma comunicação competente, genuína e com alma”. O medo e a ansiedade são sentimentos normais, sentir borboletas no estômago também. “É necessário lidar da forma mais natural que se conseguir. Não é o fim do Mundo.”
Nuno Miguel Henriques lembra os tempos que já lá vão, as récitas de João Villaret e de Mário Viegas que mostravam essa arte da oratória, de dizer bem todas as palavras, e que caíram em desuso. Falar em público é uma disciplina que, em seu entender, deveria fazer parte das atividades de enriquecimento curricular das escolas do 1.º Ciclo, uma vez por semana. Até porque, sustenta, a maioria dos jovens não tem postura para comunicar em público e entra em pânico com frequência. “É uma disciplina para a vida. A comunicação, hoje, é essencial.”
Não comunicar é impossível e a arte da oratória tem vindo a ser valorizada, tanto a nível individual como organizacional. Só que, muitas vezes, é pouco preparada, salienta João Leite Ribeiro. “Nos tempos atuais, é tão importante ter uma ideia como saber transmiti-la da forma mais adequada e isso é passível de aprendizagem e de treino.” É um investimento, não é um custo.
Dicas e conselhos
- Conhecer o público, as suas expectativas, interesses, motivações. Adequar a apresentação à natureza da audiência.
- Dominar o assunto que se apresenta, construir uma mensagem clara, objetiva, inteligível. Saber iniciar e fechar a comunicação.
- Adequar a linguagem verbal e não verbal ao conteúdo e ao público. Atenção aos gestos, timbre e tom de voz, contacto ocular. Evitar exageros.
- Respiração diafragmática correta, respirar fundo para evitar pausas constantes. Fazer exercícios de voz para não comer palavras, não comer sílabas.
- Dedicar bastante tempo ao conteúdo. Preparar previamente a apresentação.
- Gerir silêncios, olhar nos olhos da plateia, envolver a audiência.
- Atenção aos feedbacks, durante a intervenção, e aproveitá-los para ajustes imediatos.
- Não decorar discursos inteiros.
- Controlar e gerir bem o tempo.
- Indumentária ajustada ao acontecimento.
- Chegar com antecedência, ambientar-se ao local, perceber o público, garantir que os recursos estão disponíveis. Verificar que o telemóvel está desligado.