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Encontrar o amor, via online, depois dos 60

Fotos: DR

No Felizes.pt, a descrição da pessoa é obrigatória, a fotografia não

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Sites e aplicações, dúvidas, medos, preconceitos à mistura. O namoro nas plataformas eletrónicas é cada vez mais comum. Por motivos diversos, por razões que o coração conhece. A pandemia aumentou a solidão e a tecnologia mostrou outras formas de comunicar.

Marlene Castro tem 64 anos, é viúva há oito, mora em Sintra. Era professora, reformou-se, sentia-se cada vez mais só, decidiu que estava na hora de reencontrar o amor. Não foi fácil. “Tive muitas dificuldades em conhecer pessoas novas”, admite. Inscreveu-se num site de encontros e namoros pela primeira vez, não contou a ninguém, receava que não corresse bem. “E tive medo de que me julgassem de forma negativa”, revela.

Conversou com alguns homens até que encontrou Roberto. “Começámos a falar diariamente e passado algum tempo combinámos um café. Sentia-me tão sozinha e a minha vida mudou. A minha família perguntava-me porque andava tão feliz e acabei por contar. Felizmente, todos me apoiaram e gostam imenso dele.” Uma história com final feliz que começou num site. “Correu muito bem, vivia uma vida solitária e agora tenho um companheiro maravilhoso sempre ao meu lado.” Uma relação que começou há dois anos.

Carlos Sueco, 66 anos, aposentado da função pública, de Aveiro, também se sentia sozinho e tinha vontade de ter um relacionamento. “É mais fácil travar novas amizades quando se é mais novo e ativo, mas, com os anos, as oportunidades tornam-se mais escassas. Por isso, procurei na Internet formas de conhecer alguém”, adianta. No início de 2020, inscreveu-se num site que lhe inspirava confiança. Um mês depois, sentiu empatia e desejo de conhecer alguém com quem conversava online. “A partir daí nunca mais deixámos de escrever um ao outro e foram apenas alguns dias até ao nosso encontro.” Correu bem. “Ambos pensamos de maneira muito semelhante e estou certo de que nesse dia encontrei o meu amor e a minha companhia para a vida. Pensei nunca vir a encontrar.” Inscreveu-se no site, confessa, sem grande expectativa. “E agora estamos juntos e felizes.”

O amor não escolhe meios. Júlio Machado Vaz, psiquiatra e sexólogo, reconhece que o online é e será cada vez mais uma forma de conhecer pessoas, do Facebook ao Instagram, passando pelos sites de encontros amorosos. “Utilizar o online tornou-se vulgar e deixou de ser ‘olhado de través’”, comenta, chamando a atenção de “como o Tinder passou de uma imagem de ‘covil de predadores’ à de ponto de encontro e escolha encarado com a maior das naturalidades.”

Na Suíça, por exemplo, há dados que apontam que cerca de 25 a 30% das relações começaram online. “Acima de tudo, é reconfortante ver que o preconceito sobre os mais velhos diminui e que eles próprios contra ele se revoltam, reivindicando o direito de, se assim o entenderem, continuarem um trajeto amoroso.” O que se nota também no vocabulário do dia a dia. “Há 20 anos, jamais ouviria alguém com 60 ou 70 anos dizer-me que arranjou namorado(a). E agora ouço”, acrescenta Júlio Machado Vaz.

De facto, a forma como as pessoas comunicam e se conhecem mudou nos últimos anos. A tecnologia está para ficar, não há como fugir dos novos modelos de comunicação. Nem os mais novos, nem os mais velhos. Constatações que, segundo Catarina Lucas, psicóloga e terapeuta de casal, levam a “alterações nos padrões relacionais e na forma como se vivem as relações amorosas”. As plataformas online, sublinha, “acabam por ser um mecanismo rápido e acessível”.

Há pessoas, como Marlene e Carlos, com mais de 60 anos, que provam que não existe idade para encontrar o amor. Sara Ferreira, psicóloga clínica e psicoterapeuta, fala de situações como a viuvez ou o fim de uma relação ou o desejo de dar a volta quando se tem mais de 60. “Nesta fase da vida, o relacionamento tem nuances especiais. O mais importante não é o sexo, é a atenção, o carinho, a companhia. Muitos acabam por se tornar pessoas mais felizes, procuram realizar um maior número de atividades e aumentam o ambiente de convívio. Às vezes, o amor nestas idades não está necessariamente associado a morarem juntos. É a companhia para ir a um baile, fazer um passeio, ter um grupo de amigos”, refere.

Um ecrã, o desconhecido, o medo de más interpretações

Do outro lado do Atlântico, no Brasil, Acássia, seu nickname, de 61 anos, professora universitária com formação em enfermagem, passou de uma rotina agitada e frenética para o isolamento imposto pela pandemia. Dedicou-se às tarefas domésticas nas primeiras duas semanas, organizou todas as gavetas e mudou móveis de lugar. “Na terceira semana, veio um vazio, uma vontade enorme de sair, de conversar, de ir ao cinema, ao restaurante, mas nada disso era possível”, recorda. A solidão começou a rondar.

Divorciada há 27 anos, investiu na carreira profissional e académica, curso, mestrado, doutoramento, pós-doutoramento, viagens, círculo de amigos, sem relacionamentos amorosos. Queria liberdade plena, sentia-se feliz. A pandemia deu-lhe tempo para olhar para si, para dentro. Estar só nunca tinha significado solidão, mas, de repente, tudo mudou. “Havia em mim uma ‘brecha’ que não estava muito clara, uma desorganização emocional que não conseguia determinar.”

Decidiu pesquisar no Google sites e apps de relacionamentos, inscreveu-se num português, cheia de dúvidas e alguns preconceitos, escolheu o nickname Acássia, construiu um texto de apresentação, selecionou fotografias, observou o que ali acontecia. “Tentava decifrar virtudes, comportamentos, perspetivas, o que diziam e como diziam. Alguns dos textos de apresentação eram vazios, com poucos significados e não me despertaram interesse”, conta.

Três dias depois, leu um texto longo de um homem que lhe parecia interessante, ficou curiosa, queria entender o que estava por dizer, mandou uma mensagem com um “olá”, apenas. “Não sabia o que dizer, nem tão-pouco no que iria resultar. Tive medo de ser mal interpretada. Receei que me fosse atribuído o rótulo de ‘mulher em perigo.’” Por outro lado, desejava alguém sensível e inteligente.” A resposta foi um texto bonito, simpático. Respondeu no mesmo tom, trocaram contactos telefónicos com um oceano pelo meio. “Precisei romper meus próprios limites e preconceitos. Por várias vezes, questionei se este era o caminho correto, se precisava ter um ‘namorado virtual’, como as pessoas me olhariam apaixonada aos 60 anos, entre muitas outras coisas.”

Já lá vão 14 meses intensos. “Hoje sei que o amor fica sempre à espreita, pronto para florescer quando menos se espera. Não sei o que isso significa para o futuro. Só sei que não serei a mesma, porque a idade e o que vivemos, em especial, revelam muitas coisas sobre nós. Hoje dizemos que o nosso relacionamento é produto de um investimento. Investimos nele todos os dias. Responsabilizamo-nos pelo nosso amor.”

O encontro foi adiado três vezes por causa da pandemia, já com bilhetes de avião comprados. Os planos estão agora centrados em outubro, ambos já vacinados, ainda assim tudo dependerá da situação epidemiológica e do controlo definido em cada país. “Vamos continuar a exercitar a resiliência.”

Marlene, Carlos e Acássia registaram-se no Felizes.pt, um dos sites de encontro e namoro para uma faixa etária acima dos 40, a média anda pelos 41. É um site português que surgiu há seis anos e meio, que tem cerca de 350 mil registos, aumento de procura, mais homens do que mulheres até à pandemia que equilibrou a balança com 50% para cada lado. A procura concentra-se nos centros urbanos: Lisboa, Porto e Setúbal, por esta ordem.

A procura do Felizes.pt aumentou 20% durante o confinamento, segundo Rui Sousa, um dos fundadores do site que está nos primeiros lugares nos principais motores de pesquisa, e que tem uma web app que é instalada se a visita ao site for feita com um telemóvel Android. “É difícil conseguir medir o resultado, mas temos relatos e emails que nos chegam todos os dias. Temos histórias de pessoas que se conhecem, que se casam, que têm filhos. Antes de apagarem a conta, convidámos a darem um testemunho breve que guardamos no site.”

No Felizes.pt, a descrição da pessoa é obrigatória, a fotografia não. “Quando começámos havia muitas aplicações e verificámos que as propostas não se adequavam à realidade portuguesa e ao que queríamos que fosse”, explica. O site é para um público-alvo mais velho que dá importância a determinados detalhes, como “falar um pouco antes de partilhar a fotografia”. Ou falar de gostos pessoais.

Sem pressas, sem superficialidades

Um estudo, realizado em 2016, indicava que pessoas entre os 50 e os 75 anos já passavam mais tempo frente a um computador do que a ver televisão. Há imagens que vão sendo desconstruídas. “Sem eliminar o convívio direto, uma das principais vantagens do acesso à Internet é o combate à solidão, a possibilidade de voltar a experienciar o amor com a simples inscrição em sites de encontros”, assinala Sara Ferreira. O amor, como se sabe, tende a reduzir problemas de saúde e, sublinha a psicóloga, “resgatar inclusive uma vaidade saudável que, muitas vezes, se perdeu ao longo da vida”.

Procurar alguém online para namorar deixou de ser sinal de timidez ou introversão. “Hoje em dia, tentar encontrar alguém na Internet é uma forma simples, implica menos investimento emocional e de tempo e, no fundo, há várias oportunidades, pois há centenas de pessoas inscritas nessas plataformas”, lembra Catarina Lucas. Além disso, em tempos de pandemia, com eventos sociais e oportunidades de conhecer pessoas em suspenso, as apps tornaram-se aliadas de extrema importância.

O confinamento potenciou os convívios online, amorosos também. Para Júlio Machado Vaz há, naturalmente, aspetos a ter em conta. “Desde logo, os sociais, não conheço muita gente desfavorecida a utilizar as redes sociais; mas também etários, os mais velhos são, em geral, menos versados na tecnologia, verificámos isso no processo de vacinação na pandemia.” Há vantagens e perigos. “O teclado permite ‘tatear’ o outro com calma e formar uma opinião acerca dele antes de decidir o eventual encontro ao vivo e a cores, mas a tecnologia também permite todo o tipo de manipulação, a começar pela criação de perfis falsos.”

Catarina Lucas concorda. “Os perigos estão sempre relacionados com o desconhecimento em relação a quem está do outro lado, devendo sempre existir cautela na marcação de encontros e envio de conteúdos de cariz íntimo.”

O entretenimento online tem aumentado, durante a pandemia ainda mais. Sara Ferreira, nas suas consultas, já ouviu comentários do género: “A pessoa é ótima virtualmente e péssima pessoalmente.” A impessoalidade do computador permite libertar “facetas mais ousadas e inexploradas”. A psicóloga clínica deixa alguns conselhos: não estereotipar a perceção das pessoas, não avaliar situações com pressa e superficialidade, não esquecer que há outras dimensões, intenções e situações para lá do que surge num ecrã. “As aplicações de encontros são uma ferramenta que, quando bem utilizada, auxilia muitas pessoas a encontrarem os seus amores e prazeres, sem que isso tenha de lhes provocar algum tipo de dano pessoal.” Independentemente da idade, “os laços afetivos são uma necessidade humana essencial, que podem começar com uma amizade e até evoluir para a paixão e para o amor. Porque é que isso seria diferente quando ficamos mais velhos?”, adiciona.

O amor não escolhe idades e o desejo de partilhar a vida com alguém é uma variável com bastante significado. Os meios é que se alteram consoante as sociedades mudam. Catarina Lucas termina o assunto com uma questão. “Se as tecnologias forem uma forma de encontrar o amor e ser feliz, porque não?”