Empresas que inovam há mais de cem anos

Laboratório no interior da Farmácia Barral, em Lisboa, onde nasceu o creme gordo original

São empresas centenárias cujos produtos beneficiam do capital de confiança que a longevidade ajuda a sedimentar. Mas o segredo do sucesso não passa apenas pelas raízes históricas. Investem na inovação e fazem da qualidade a marca de água.

Nasceram no início do século passado ou até antes. Sobreviveram a guerras mundiais, suportaram a ditadura, comemoraram a liberdade e a entrada na Comunidade Económica Europeia. Sofreram crises várias até chegarem à atual pandemia. Marcos históricos que ajudaram a construir a relação de confiança que as marcas centenárias têm com os consumidores. A par da longevidade, a inovação e a qualidade são os pilares destas marcas com mais de cem anos.

“Pela sua longevidade, as marcas têm aceitação e credibilidade por parte do consumidor”, garante o diretor de Comunicação da Sociedade Central de Cervejas, atual detentora das águas Luso e Castello. São marcas centenárias e têm uma responsabilidade para com as famílias portuguesas, que confiam na qualidade contínua, sublinha Nuno Pinto Magalhães.

A Luso tem origem na Sociedade para o Melhoramento dos Banhos de Luso, criada em 1852. Passados 42 anos, é vendida a primeira Água Termal de Luso. A Castello aparece e m 1899. São águas naturais, sem manipulação, cuja qualidade assenta na preservação dos ecossistemas das fontes de água – fundamental também para manter a confiança dos consumidores.

Para a Claus Porto, a longevidade significa ter “a confiança de uma marca com solidez histórica, para dar força aos mais jovens que estão na empresa”, nota Francisco Neto. A qualidade, destacada por todas as marcas centenárias, é o pilar da Claus Porto, conta o diretor executivo da Ach.Brito. “É a segurança de saber que se compra um produto superior, fiável com as expectativas.”

A Claus nasce em 1887, no Porto, pela mão de dois alemães que, na I Guerra Mundial, decidem sair de Portugal. O contabilista da empresa, Achiles de Brito, decide criar o seu próprio negócio, a Ach.Brito, e compra a Claus, fundindo as duas marcas em 1918. A Claus tem um caráter mais internacional e a Ach.Brito uma componente nacional, sendo responsável por clássicos como o sabonete Patti ou Musgo, produtos que dispensam o rótulo da marca. Além de se focar na excelência dos produtos, a Claus procura inovação constante. “Não podemos ter produtos excecionais que são sempre os mesmos”, elucida Francisco Neto.

Pioneira nas conservas de atum

A Ramirez, nascida em 1853 no Algarve, orgulha-se da história de inovação que traçou, tendo sido a primeira fábrica de atum em lata a nível mundial. As embalagens de conserva retangulares típicas de Portugal, que por todo o Globo costumam ser redondas, são criação da conserveira localizada hoje em Lavra, Matosinhos). O bacalhau enlatado é outro exemplo de inovação. “Temos uma fiabilidade única no Mundo junto dos nossos clientes”, salienta Manuel Marques Ramirez, atualmente na administração, lembrando que a primeira lata fabricada tinha apenas logótipo, sem nome, e conquistou o seu espaço e fama no mercado, apenas com a confiança no produto.

A Barral assenta a sua posição no mercado nas mesmas premissas. “Conseguimos captar a confiança dos portugueses pela qualidade e agora mantemo-lo com inovação”, resume Renata Pontes. A gestora de produto da empresa assegura que a eficácia é a chave para a qualidade, pois “se a marca não entregar os resultados que promete, nunca será de confiança”, esclarece.

Fórmula do creme original inalterada

A marca de cremes nasceu numa farmácia, em Lisboa, em 1835, pela mão dos irmãos Barral. Em 2002, foi adquirida à família originalmente proprietária pela Angelini Pharma. Apesar de agora pertencer a uma empresa italiana, a Barral continua a ser portuguesa, pois o fabrico dos produtos mantém-se em território nacional. A importância das raízes está assente na formulação do seu produto original, ainda o principal da gama, e que se mantém, depois de 186 anos, inalterada.

“O segredo da confiança é não enganar os clientes”, vinca Henrique Barros, da Valadares, empresa nascida em 1921 em Vila Nova de Gaia, onde ainda hoje se situa. Ter uma história de grande experiência e conhecimento na arte em que se insere é, para o diretor executivo da Valadares, a grande mais-valia. Apesar de ao longo dos anos ter passado por diversas mãos, a marca manteve o foco nas cerâmicas e especializou-se em sanitário de média a alta gama. Qualidade, excecionalidade e conhecimento são os pilares da Valares, enumera Henrique Barros.

Apesar de as raízes serem uma das chaves apontadas por todas as marcas, apenas a Ramirez está nas mãos originais, ao fim de 168 anos. Para a conserveira, as origens tornam a marca especial. “Cada geração aporta novas valências e conhecimento, mantendo a base e os valores”, realça Manuel Marques Ramirez. No caso da Ach.Brito, apesar de o leme da empresa não estar na família original, Aquiles de Brito, bisneto do fundador, é administrador não executivo e “faz a ligação à essência”, frisa Francisco Neto.

Uma das primeiras linhas de produção da Claus Porto, criada na Invicta em 1887
Fachada da empresa e frota automóvel da Água de Luso em 1965
Fábrica das conservas Ramirez em Olhão, entretanto fechada, nos anos 1920
Fábrica da Valadares, em Gaia, já especializada na produção de sanitário, entre 1960 e 1970