O tema está longe de ser consensual e vai além da questão de género. Importante é não ficar refém da organização e estar bem numa casa que existe para ser vivida.
Namoram há dois anos e vivem juntos há um. Joana Vieira, 32 anos, e Gonçalo Tomás, de 31, decidiram juntar as escovas de dentes três semanas antes de disparar a pandemia de covid-19. “Parece que estávamos a adivinhar”, diz ela. Começava assim a aventura de partilhar casa numa fase tão desafiante como esta. Joana considera que a questão da arrumação/organização é uma preocupação maioritariamente do sexo feminino. “Não sei se é inato ou se está relacionado com uma perspetiva cultural, com os valores que nos foram transmitidos ao longo dos tempos.” Ou seja, a educação dada pelos pais pode condicionar comportamentos futuros a este nível. Gosta de ter as coisas orientadas, mas não se define como “um suprassumo da arrumação”. Anda ali no meio. “De vez em quando, acumulam-se umas peças de roupa por cima do cesto da roupa suja, algum calçado à entrada, chávenas de café que transitam de um dia para o outro na secretária… Faço a gestão possível, julgo que piorou desde que estou em teletrabalho.”
Gostava de ter mais tempo e uma melhor coordenação de tarefas. “O Gonçalo não tem tanto essa iniciativa e, muitas vezes, sinto que tenho de pensar e agir por ele no que respeita às lides domésticas”, afirma, sublinhando a necessidade que ambos têm de ter momentos individualizados. “Deem-lhe uma PlayStation e uma televisão e ele é feliz. Mas eu também gosto de ter tempo de qualidade e de descontrair com um copo de vinho na mão, portanto, diria que gostava que as tarefas fossem mais equitativas.”
Tal como Joana, Gonçalo acha que está numa situação intermédia: “Não penso encaixar-me em nenhuma das descrições. Sinto que gosto de ter um sistema que me permita encontrar o que quero, o mais rápido possível”. E não concorda que esta seja uma questão de género. “Já conheci extremos de arrumação e desarrumação em ambos os géneros e penso que está mais relacionado com a personalidade de cada um e a maneira como se relaciona com o espaço à sua volta.” O ritmo de vida atual não é compatível com a arrumação, defende. “Isto vai resumir-se sempre ao facto de termos ou não tempo para aplicar algumas tarefas, e quão importantes são em relação a outras atividades que tenhamos de descurar para as realizar.”
Viver bem no meio do caos
Vanessa Rolim, 29 anos, gosta de saber precisamente onde está o que precisa mesmo que seja no meio do caos. E assume-o com um sorriso. E não se refere às limpezas. Mas o facto de não abdicar de viver num espaço limpo, não significa que tenha de estar arrumado. “Gosto de sentir que a minha casa é um local vivido.” Com uma descontração natural, sorri e identifica-se como sendo um espírito livre. “Gosto que as coisas assumam lugares estranhos e descontrolados. O meu namorado é mais ‘by the book’, é capaz de colocar o computador sempre na mesma posição e o bloco a determinados centímetros, tudo ordenado. Eu vivo bem com a minha desarrumação.” Enquanto olha para Nuno Cruz, da mesma idade, com quem partilha casa há seis anos, pergunta: “Incomoda-te que eu seja assim?”. Nuno responde de imediato que não e que a relação de ambos não é prejudicada com a personalidade de cada um.
No caso de Joana e Gonçalo, ela acredita que deve haver mais tempo dedicado e, sobretudo, melhor coordenação de tarefas; enquanto ele é de opinião que o equilíbrio entre o casal já foi encontrado a este nível. Já Nuno Cruz confessa que lhe custa ver “as coisas fora do sítio delas”. Vanessa sorri e contrapõe: “Por mim, podemos aguardar. Posso deixar tudo espalhado, ir fazer as minhas coisas e organizar depois,… mas ele acaba por fazê-lo antes.” Seria uma espécie de pausa que se daria aos objetos, às roupas e a vários utensílios, mas o namorado, mais organizado, não lhe dá tempo e antecipa-se. “A Vanessa é mais dinâmica e ativa. Eu sou mais calmo e ponderado e, talvez por isso, seja mais arrumado”, sintetiza.
Quando as crianças e os adolescentes são muito reprimidos, porque os pais são muito conservadores e protetores, tendem a fazer o oposto quando chegam a adultos e vivem nas suas casas, sustenta a psicóloga clínica Maria Farinha. “As regras são importantes para condicionar a arrumação. Se não há um padrão e se não são traçados limites, passa a ser permitido desarrumar ou ter 15 anos e ter a mãe a arrumar a mochila do filho”, diz. Vanessa assume que, em pequena, a mãe gostava que ela arrumasse os brinquedos, o que a leva a crer que deixará os filhos brincarem livremente em casa mesmo que isso implique desarrumar. “Acho que só assim é que as crianças podem ser livres e desenvolver a sua criatividade.” Nesse aspeto, Nuno anui e considera até que fará parte de crescimento.
Criatividade e traços de personalidade
Maria Farinha ressalva que “somos o reflexo daquilo que pensamos”. E, se para pessoas solteiras, a questão da arrumação pode ser menos relevante, “quando se vive com alguém, o comportamento de um tem impacto na vida do outro. Tem de haver algo com que ambos se identifiquem. Por vezes, é difícil haver um meio-termo”.
Quanto à ideia de que as pessoas mais desarrumadas são mais criativas, a psicóloga clínica responde que “a criatividade está mais ligada ao facto de o hemisfério direito do cérebro ser o mais dominante”. Por outro lado, e ainda que não conheça estudos científicos que o comprovem, Maria Farinha dá exemplos concretos entre determinadas características de personalidade à questão da arrumação. “Pessoas mais curiosas e ambivalentes têm maior tendência a ser desarrumadas. Por outro lado, pessoas mais competitivas e introvertidas costumam ser mais arrumadas.”
Mais do que a questão de género, ser arrumado ou não depende muito das referências de cada um. “Hoje, temos muitos homens a viver sozinhos e que gostam de ter o espaço mais organizado, se compararmos com as gerações anteriores. Se vivemos numa família em que tendencialmente alguém arruma as coisas por nós, levamos esse hábito para a vida conjugal, tanto homens como mulheres.” E conclui: “Arrisco a dizer que, atualmente, os homens tendem a ser mais arrumados do que as mulheres”.
Para quem se está a questionar como pode ser mais arrumado, Manuela Correia, 45 anos, autora do blogue “A Maria da Organização”, começa por dar uma resposta tão simples quanto esta: “Basta tirar do sítio e voltar a colocar lá. É uma questão de hábito”. No entanto, tem noção que este é um tema muito sensível. Numa altura em que ficou desempregada, há cerca de dois anos, o hobby que começou por um blogue de partilhas e dicas deu lugar a uma vocação e, atualmente, concilia a profissão de organizadora profissional, em part-time, com um trabalho administrativo.
Hoje, tanto trabalha em casa de pessoas solteiras e famílias, como ao nível de empresas, hostels ou cabeleireiros, e ainda dá apoio ao luto. Quem pede mais ajuda a Manuela Correia são as mulheres, a nível residencial. Os homens que a procuram são sobretudo por questões relacionadas com negócios.
Apesar de trabalhar nesta área, Manuela salienta que “a organização deve ser levada como tranquilidade, “porque nós não temos de ser escravos da nossa casa”. No final, o mais importante é sentirmo-nos bem.
Dicas para ser mais organizado
Manuela Correia, autora do blogue “A Maria da Organização”, dá dicas essenciais para quem quer tornar-se mais arrumado.
• No começo do processo, é preciso descartar e desfazer-se do que já não precisa.
• Categorize os objetos que já não usa em três caixas distintas: uma caixa para o que quer colocar no lixo, outra para o que pretende doar e/ou vender e uma terceira com um ponto de interrogação para ter tempo para pensar.
• Se não utilizar os produtos que colocou na terceira caixa, é um sinal de que pode deitar fora, dar ou vender.
• Comece por partes e espaço a espaço. Não tente mudar tudo num só dia.