ELA, a doença que corrói os neurónios motores

A evolução para o imobilismo é uma constante

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma patologia neurodegenerativa, com uma esperança média de vida, após o diagnóstico, de apenas três anos. Entre 20% a 50% dos doentes sofrem alterações cognitivas. A pandemia agravou o acompanhamento médicos destes pacientes.

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, progressiva e rara, que afeta os neurónios motores, os que comandam os movimentos corporais. Desta forma, verifica-se uma instalação insidiosa de fraqueza muscular e consequente perda de mobilidade. A idade média de início de sintomas é muito variável, mas predominante entre os 55 e os 65 anos nos casos esporádicos e entre os 40 e os 55 anos nas formas familiares, cuja frequência varia entre 5% e 23% de todos os casos de ELA. “A doença é mais prevalente em homens (numa proporção de 1,6 homens por cada mulher), existindo casos familiares com predisposição hereditária (já foram identificados dez genes ligados a esta doença)”, adianta Eduarda Afonso, médica fisiatra no Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA).

“A apresentação clínica é muito variável, consoante o envolvimento predominante de músculos bulbares, apendiculares (membros), axiais (ráquis) ou respiratórios. A sobrevida média é de cerca de três anos, existindo formas com evolução mais lenta e sobrevida mais longa (superior a dez anos)”, refere.

Na mais comum, a espinhal, começa por uma fraqueza progressiva dos músculos apendiculares e axiais e é frequentemente acompanhada de cãibras. Instala-se gradualmente uma atrofia muscular e pode também ocorrer contraturas. A bulbar, que representa 20% dos casos, inicia-se por uma fraqueza progressiva dos músculos bulbares, com dificuldades de deglutição, perturbações da fala, deficiente controlo da saliva. A respiratória, com cerca de 3% a 5%, começa com debilidade progressiva dos músculos respiratórios, com insuficiência respiratória gradual e fadiga progressiva, frequentemente acompanhadas por dificuldades na tosse e na eliminação de secreções respiratórias.

Podem ocorrer alterações cognitivas em aproximadamente 20% a 50% dos casos (5% a 15% desenvolvem demência, geralmente do tipo frontotemporal)

“Receber este diagnóstico é assustador, gera angústia no doente e nos seus familiares e/ou potenciais cuidadores. Ansiedade, depressão e perturbações do sono são frequentes e necessitam de uma abordagem adequada, pois podem acelerar a deterioração funcional”, adianta Eduarda Afonso. “À medida que as dificuldades motoras se acentuam nos membros superiores, a destreza manual e a escrita vão ficando também mais comprometidas, podendo implicar incapacidade na comunicação em doentes com associadas limitações na motricidade dos órgãos envolvidos na fala”, acrescenta.

A evolução para o imobilismo é uma constante. Gradualmente, surgem alterações motoras, limitações nas atividades de vida diária, conduzindo à dependência de terceiros na alimentação, no vestir e despir, na higiene, na locomoção. Em fases avançadas, o doente fica como que preso no seu próprio corpo. “A principal causa de morte na ELA deve-se a complicações respiratórias, sobretudo pela insuficiência respiratória, em combinação com o risco acrescido de aspiração e intercorrente infeção respiratória”, refere a médica fisiatra.

A ELA não tem cura. Atualmente, há um único fármaco que demonstrou atrasar a sua progressão, podendo prolongar a sobrevida entre seis e 21 meses. Devido à deterioração neurológica motora progressiva, com repercussões estruturais e funcionais que se vão somando ao longo do tempo, é uma patologia inerente à Medicina Física e de Reabilitação. É necessário envolver médicos de várias áreas e requer uma abordagem multidisciplinar.

A abordagem terapêutica deve envolver os cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, cuidados continuados e os cuidados paliativos

“Mesmo que o curso das doenças do neurónio motor não possa ser alterado por intervenções das diferentes terapias, a qualidade de vida pode ser melhorada através de programas terapêuticos que permitem aos doentes alcançar a sua plena função física, psicológica e social e a máxima independência ao longo de cada um dos estadios da doença.”

A pandemia teve repercussões importantes na vida dos doentes com ELA, seus familiares e cuidadores. Eduarda Afonso fala em atrasos e cancelamentos de consultas, de exames complementares de diagnóstico, com demoras significativas no diagnóstico da doença, com implicações diretas no “início do tratamento modificador da evolução da doença (riluzol), bem como do tratamento de sintomas e de reabilitação dirigidos”, repara.

Há ainda outras consequências. Há receios de deslocações, tempos alargados entre consultas, menos reuniões das equipas multiprofissionais para discussão e planeamento de estratégias de intervenção terapêutica para cada doente, alterações no funcionamento da medicina física de reabilitação, o doente ficou privado do contacto direto com grupos de suporte, mais isolado. “Interditou a adequada execução de programas de reabilitação por ter ocorrido suspensão duradoura de tratamentos presenciais de fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala”, sublinha a especialista.

“Agravou o prognóstico vital nos doentes com ELA, pela exacerbação do risco respiratório, devido às dificuldades na monitorização da função respiratória, geradas pelo cancelamento e adiamento de provas de função respiratória (não passíveis de serem efetuadas por via telemática ou indireta), cruciais à manutenção da vigilância e otimização ventilatória dos doentes com ELA, com elevado risco de hipoventilação e consequente rápido agravamento da doença”, sustenta.

Consultas foram adiadas e realizaram-se menos reuniões das equipas multiprofissionais para planear estratégias de intervenção terapêutica para cada doente

A telessaúde revelou-se uma ferramenta essencial na manutenção de cuidados, sobretudo em tempos de pandemia. A telerreabilitação também permitiu aos profissionais de reabilitação interagir com doentes à distância através de tecnologia de informação e comunicação, de forma a providenciar serviços de reabilitação, permitindo consultas telefónicas, mensagens de texto, videoconferências. “As teleconsultas podem contribuir para o combate às listas de espera, reduzindo riscos infecciosos, abstinência laboral e deslocações (sobretudo quando geograficamente mais afastados).”

A Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) reconhece que a ausência de referenciação foi um dos principais obstáculos nesta pandemia. Os novos diagnósticos não tiveram resposta imediata para uma primeira consulta, nem foram redirecionados para a respetiva equipa multidisciplinar, tendo a esmagadora maioria dos casos aguardado meses pelo início deste acompanhamento.

A vacinação covid-19 é importante para doentes com Esclerose Lateral Amiotrófica. O doente deverá falar com o seu neurologista para definir o melhor período para a vacinação consoante a terapêutica que está a realizar. Sempre que possível, a vacinação deve ser feita antes de iniciar o tratamento modificador de doença e, no caso de surto, tal como para outras vacinas, pode ser indicado adiar a vacinação algumas semanas.