Eduarda e a luta contra os seus cancros. A vida antes e depois

A 4 de fevereiro assinala-se o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro

Muitos exames, vários cancros e cirurgias, tratamentos de quimioterapia. Eduarda Paulino conta como a sua vida mudou aos 31 anos. Hoje, 4 de fevereiro, é o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro. A Sociedade Portuguesa de Oncologia acaba de lançar uma campanha digital para alertar para o que é importante.

Tinha 31 anos, sentiu um nódulo na mama direita, e ficou imediatamente preocupada. Seria benigno, um quisto sem importância, disse-lhe o médico de família. Não sossegou, consultou um especialista, fez uma biópsia. Cancro da mama. “Fiquei muito triste, chorei muito, uma semana depois estava a ser operada, removeram a mama por completo”, recorda Eduarda Noronha Paulino, advogada, hoje com 60 anos e associada da MOG – Associação Movimento Oncológico Ginecológico.

Os gânglios foram para análise, os resultados foram excelentes, não precisava fazer quimioterapia. Havia dor, no entanto. “Tinha ficado sem a mama, é uma operação muito traumatizante para uma mulher.” Na altura, a reconstrução mamária estava a dar os primeiros passos. Lentamente, foi-se adaptando. “Vivi sempre com este fantasma do cancro porque isto nunca passa”, confessa.

Dos 32 aos 50 anos, esteve bem, sem doença, o cancro da mama não reincidiu, os habituais exames de vigilância. Aos 50, uma das análises detetou o marcador tumoral aumentado, no limite máximo. Rastreio geral, TAC, exames diversos. Tudo negativo. “Quando fiz uma mera ecografia pélvica com sonda vaginal, a médica disse-me que estava ali uma massa num dos ovários e que isso tinha de ser visto com urgência.” Cancro nos dois ovários. Bloco operatório, hemorragia depois da cirurgia devido ao corte de uma artéria, outra vez na mesa das operações, cuidados intensivos. Tirou ovários, útero, tudo. Tratamentos de quimioterapia, seis ciclos, menopausa precoce, afrontamentos e mal-estar.

“O meu organismo não consegue combater as células malignas no campo ginecológico”
Eduarda Paulino

Fez um teste genético, era portadora de uma mutação genética associada aos seus problemas de saúde. “O meu organismo não consegue combater as células malignas no campo ginecológico”, conta. Aos 54 anos, recidiva do tumor do ovário, 18 sessões de quimioterapia. Sempre a trabalhar para dar conta das despesas de casa. E mais uma operação para limpar tudo o que pudesse ser nocivo e estivesse a mais. Não voltou à quimioterapia.

Um ano depois, problema na cúpula da vagina. Quimioterapia, três ciclos, um exame e está tudo bem, uma biópsia e um falso negativo. “Andava sempre desconfiada, com a pulga atrás da orelha”, recorda. Durante alguns meses, tudo parecia estar bem, mas não estava. Uma ecografia, o tumor tinha crescido, estava o dobro, era preciso ir imediatamente para a sala de operações.

Mais uma cirurgia, uma hemorragia, novamente operada no dia seguinte. Duas semanas depois, uma rutura na bexiga. Estava na rua, começou a sentir um líquido pelas pernas abaixo, na casa de banho confirmou que era xixi. A bexiga tinha rompido, outra operação, um mês de algália. E mais tratamentos de quimioterapia.

A medicação também fez das suas. Com 16 comprimidos por dia, oito de manhã e oito à noite, o corpo deu sinal, baixa de glóbulos vermelhos, anemia, descobriu-se uma toxicidade dos medicamentos na sua medula. Eduarda Paulino levou várias transfusões de sangue, os médicos afinaram a medicação. Aos 60 anos, Eduarda Paulino está estável, toma agora oito comprimidos por dia. É vigiada em permanência.

“Depois de um cancro, a vida muda completamente. Há vida antes e há vida depois”
Eduarda Paulino

O stress, o divórcio, a mudança de emprego, as viagens de mais de 100 quilómetros por dia com um filho pequeno. Tudo contribuiu, em sua opinião, para as doenças que foi atravessando de forma solitária. “O stress emocional, as mágoas, a dor psicológica, os pensamentos”, descreve. “Depois de um cancro, a vida muda completamente. Há vida antes e há vida depois”, diz. É preciso paz e é difícil pacificar. “É preciso muita força, muita coragem, e perdoar. O auto perdão e o perdão em relação aos outros”, adianta Eduarda Paulino.

A 4 de fevereiro assinala-se o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro e a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) acaba de lançar uma campanha digital para alertar os portugueses para a importância de fazer os exames de rotina e rastreios, que permitem detetar precocemente o cancro, e para a necessidade dos doentes oncológicos continuarem a fazer os tratamentos e cirurgias necessárias. “O cancro não espera em casa” é o nome da campanha que decorrerá nas páginas de Facebook da Sociedade Portuguesa de Oncologia e da Associação Movimento Oncológico Ginecológico.

Mais de mil cancros da mama, do colo do útero, colorretal, e de outros tipos, ficaram por diagnosticar em 2020, devido à redução dos rastreios por causa da covid-19

A SPO revela que o impacto da pandemia causou uma quebra de 60 a 80% dos novos diagnósticos de cancro. No início do confinamento, em março de 2020, o Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa anunciou a suspensão das cirurgias programadas não oncológicas e as oncológicas não urgentes e sem implicações na vida ou progressão da doença, como forma de controlar a transmissão do novo coronavírus. Também foram adiadas as consultas de acompanhamento não urgentes. Em maio de 2020, já se tinham registado menos 2 500 cirurgias oncológicas entre janeiro e abril deste ano, face ao mesmo período homólogo do ano anterior.

No que diz respeito ao diagnóstico, mais de mil cancros da mama, do colo do útero, colorretal, e de outros tipos ficaram por diagnosticar em 2020 devido à redução dos rastreios por causa da covid-19, de acordo com estimativas da Liga Portuguesa Contra o Cancro.

“Os diagnósticos que não são feitos em tempo útil serão feitos mais tarde e em fase mais avançada de doença, portanto, com menor potencial de cura e tratamentos mais complicados”, avisa Ana Raimundo, oncologista e presidente da SPO, em comunicado. “Podemos prever que havendo tumores diagnosticados em fases mais avançadas, vá haver dentro de três, quatro ou cinco anos um aumento da taxa de mortalidade por cancro”, acrescenta. Por isso, a importância de aderir aos rastreios e, em caso de doença, não deixar de fazer os tratamentos.