Aos 54 anos, o ator de novelas, teatro e cinema Marcantonio Del Carlo assumiu o papel de pai a tempo inteiro. A pandemia fechou-o em casa com a mulher e a bebé Simone. Mas também trouxe a “dádiva” do tempo. Que eles aproveitam para festejar 24 horas por dia.
Poucas horas antes de Simone nascer, Marcantonio Del Carlo estava calmo, “muito calmo”. Quem o visse na galhofa com a equipa médica, disparando fotos a torto e a direito, nunca o reconheceria no velho cliché do pai ansioso e desnorteado. “Nem o sangue, nem a barriga aberta da mãe”, nada, mesmo nada abalou a tranquilidade de um homem confiante de que a felicidade estaria a poucos centímetros de distância. Mas, assim que entregaram a filha para que a segurasse nos braços, tudo mudou. “Fiquei em pânico!” Foram uns bons dez minutos congelado “com o pavor” de a deixar cair. Voltaria a sentir esse medo sempre que a teve ao colo nas horas e dias seguintes. “Hoje, pego nela pelos braços, pelos pés, deixo-a dar cambalhotas sobre mim, é uma alegria.”
Passaram-se quase sete meses, desde o dia 27 de julho de 2020, e o ator – que também é encenador, realizador e argumentista – estreou-se, aos 54 anos, como pai a tempo inteiro. Está agora pronto para contar à “Notícias Magazine” a grande balbúrdia que a Simone provocou lá em casa. Preparem-se, por isso, para noites em branco, brinquedos por todo o lado, correrias para consultas médicas, primeiras risadas, fraldas, choros de fome e birras de sono. No Dia do Pai, que se celebra esta semana, deve haver por aí muitos papás a reverem-se neste rebuliço de emoções que Marcantonio Del Carlo e Iolanda Laranjeiro – ambos atores – atravessam minuto a minuto.
Alguns terão ainda a memória fresca dos filhos bebés, outros sentirão porventura uma pontada de nostalgia desses dias mais longínquos. Mas apenas os que, como eles, saíram da maternidade diretamente para o confinamento saberão de que são feitos os dias preenchidos de deslumbre permanente: “Se estivesse a fazer novelas, teatro ou a dar aulas, como faço habitualmente, estaria com ela só ao final da noite”.
Uma dádiva vinda com a pandemia
Em teletrabalho e a preparar os projetos para os próximos meses, é Simone que se sobrepõe a tudo e a todos. Em segundo plano, ficaram os compromissos adiados por causa de um biberão que é preciso dar, de uma fralda que é preciso trocar ou de “um miminho que se tornou urgente”. O tempo ganho com a pandemia é a “dádiva” inesperada para ver de perto as mudanças a acontecerem a cada instante. “Todos os momentos são de pequenas grandes descobertas para ela e para nós”, confidencia Marcantonio.
Com o teatro, a televisão, o cinema ou as aulas de representação suspensos, o casal assumiu o papel de “pais galinhas”, não precisando de “briefings diários” para saber o que cada um tem de fazer. É ele a assumir o comando se a mamã passou a noite em claro. E ela faz o mesmo se o turno da madrugada foi atribulado para o pai. Ambos agarram o leme sem distinção de tarefas. Exceção só na hora das refeições – Iolanda é a chef, mas somente por ter sido uma aluna “mais atenta” nas aulas de nutrição.
De resto, ambos sabem o que têm a fazer e não se perdem em teorias: “Se há uma fralda para mudar, um banho para dar ou uma sesta para fazer, quem está livre faz, sem precisar de perguntar ao outro”. Há uma certa dose de pragmatismo que se instalou no dia a dia de Marcantonio. Mas nada disso lhe é inato. Falta ainda inventar um botão para converter qualquer homem despreparado em papá instantâneo. Até lá, terão todos de passar pelo primeiro dia em que deixam a maternidade e chegam a casa com uma recém-nascida no berço: “É um bocado assustador”, recorda o ator da novela “Terra Brava”, recentemente transmitida na SIC.
O filme de terror ao chegar a casa
Para trás ficaram os enfermeiros e os médicos, ajudando em tudo e sabendo sempre o que fazer. “E agora? – pensou ele, antes de destrancar a porta de casa, em Lisboa – Conseguiremos fazer tudo sozinhos?” Qualquer pai, que já passou pela primeira viagem, deve conhecer a sensação. Haverá, provavelmente, uma aparentada semelhança com um filme de terror. Um suor frio, que todos os papás também terão sentido semanas antes de o bebé nascer. “Há ali uma fase intensa no último mês, em que estamos a torcer para que tudo corra bem com a mãe e com a filha.” É como uma grande nuvem cinzenta, que só desaparece na última consulta antes do parto. Finalmente, “respira-se de alívio” ao saber que todos os medos não passam de fantasmas enterrados no passado.
Nestas primeiras aventuras da paternidade, ninguém está imune às inseguranças. Porém, quem se prepara para essa aventura pode, ao menos, aprender com quem já fez uma parte deste caminho. Neste capítulo, em particular, Marcantonio Del Carlo tem a melhor sugestão que lhe poderiam ter feito – aulas parentais. Mas, atenção, só resulta se o profissional for escolhido a dedo, adverte o ator. Será o caso da “enfermeira Célia”, esse anjo saído das maravilhas das novas tecnologias e que, nas sessões online, ensinou tudo para sobreviver aos primeiros 15 dias em casa: “Ganhámos conhecimentos fundamentais e concretos, que nos deixaram muito mais tranquilos”.
A orientação especializada “faz toda a diferença”, não apenas para acabar com os “mitos patetas”, como para evitar também que os papás fiquem soterrados na avalanche de dicas e conselhos vindos dos quatro pontos cardeais. “Toda a gente sabe o que deves fazer com o teu filho, menos os pais, que ficam sem norte com tanta informação.” É mais a desajuda que a ajuda, em boa parte dos casos, a não ser que já se esteja devidamente preparado para o que aí vem. E se há regras básicas que, em abstrato, se aplicam a todos os bebés, a verdade é que cada criança é diferente da outra. Essa foi a melhor lição retirada das aulas parentais, explica Marcantonio: “O primeiro passo é não entrar em pânico nas situações complicadas. Adaptar as regras em função das reações deles é o segundo”.
A ligeireza dos 55 anos
Tudo o que vier a seguir passará por saber lidar com os medos, que nunca desaparecem – quando se ultrapassa um, vêm logo outros para tomar o seu lugar. “A partir de agora, sou responsável por uma pessoa que fará parte de mim para toda a vida.” E, por fim, é ter paciência, muita, para deixar a Simone desenvolver-se e crescer com os seus ritmos e necessidades. Há 20 ou 30 anos, seria bem diferente. Nessas fases da vida, é mais que sabido, há uma certa tendência de querer tudo de uma só vez. “Os anos tornaram-me tolerante”, conclui o ator. Isso é o mais importante quando em casa há uma bebé a exigir tudo dos pais. Esta “bela e nobre” idade, aliás, não assusta, diz Marcantonio. Sobretudo porque os 55 anos atuais não lhe pesam: “Quer dizer, pesam ao fim de duas horas e meia a jogar ténis, mas ainda aguento com a Simone ao colo um dia inteiro”.
Não será preciso carregá-la nos braços o tempo todo, principalmente porque, no jardim, o cuidado do pai é deixá-la “livre q.b.” para tocar nas plantas, surpreender-se com patos e passarinhos ou esquecer tudo à volta para perseguir formiguinhas e insetos andarilhos. Nesse aspeto, Marcantonio sairá muito à mãe, revendo-se nessa vontade dela de que o filho ganhasse asas para lá dos limites do horizonte e alcançasse o quase impossível. Será inevitável transpor “aquilo que somos e de onde viemos” para os filhos, reconhece. Com os anos chegará, por isso, o momento em que passará também para a Simone “um bocadinho do ceticismo crónico” herdado do pai – o tal “sentido crítico” de quem só acredita no que os olhos veem continuará a correr nos genes da família.
A festa de todos os dias
São vestígios que se perpetuam, muitas vezes, por gerações, mas nada disso impedirá Simone de ser “o que quiser e como quiser” quando ganhar pernas para caminhar sozinha. Terá sempre um “pai atento”, assegura Marcantonio, sem “impor” a sua vontade: “Acima de tudo, quero que ela nunca deixe de falar comigo”. Falta ainda tempo para a implacável adolescência, mas qual é o pai que não se prepara para o futuro? “Se quiser fazer parte do mundo dela, terei de manter a mente recetiva e o canal de comunicação sempre aberto.”
A porta não poderá fechar-se nunca, avisa o ator, mas, até lá, muita fralda há ainda para mudar. E, já agora, o primeiro Dia do Pai que é preciso preparar. A estreia não será muito diferente das rotinas de sempre: “Banhos, papinhas, brincadeiras e torcer para que durma três ou, com sorte, quatro horas seguidas durante a noite”. Agora a sério, um dia igual aos outros? “Aqui em casa, festejamos a toda a hora desde que ela nasceu”, justifica. A qualquer instante surge um bom motivo para bater palminhas. “Ou é porque ela comeu bem, ou porque já está a fazer cocó ou porque fez um som novo ou, então, porque abriu um sorriso que nos deixou aparvalhados.” Todos os dias são uma festa. O Dia do Pai também será.