Jorge Manuel Lopes

De Filadélfia, com amor


Crítica de música, por Jorge Manuel Lopes.

Há meio século, a dupla de produtores e compositores Kenneth Gamble e Leon Huff, com a ajuda essencial de Thom Bell, deu à sua cidade uma editora e uma sonoridade que se transformou numa cultura global. A Philadelphia International Recordings formou um núcleo de músicos e artistas locais e procedeu a uma atualização sumptuosa da Soul, do R&B e do Funk. Geraram um estilo, a Philly Soul, abriram o caminho para o disco e colecionaram êxitos nos anos 1970 e 80. A sua influência na música negra e de dança não se esbateu até hoje.

A caixa “Get on board the soul train: The sound of Philadelphia International Records volume 1” junta os primeiros oito álbuns lançados pela editora entre 1971 e 73, mais uns brindes, prometendo assim inaugurar um projeto de reedição integral. Tudo começou, e começa, com Billy Paul, aqui com três discos a meio caminho entre uma Soul com fortes reflexos da década anterior e as primeiras, ambiciosas, agitações rítmicas e orquestrais dos novos tempos. Harold Melvin & the Blue Notes estreiam-se em longa-duração através de “I miss you”. Há romantismo requintado e admirável apuro no canto, e um Teddy Pendergrass já em destaque. Contém “If you don’t know me by now”, êxito à época e de novo em 1989 pelos Simply Red. O salto registado em “Back stabbers”, do trio O’Jays, é notório e nele vislumbra-se enfim, de forma nítida, a estética da editora: Funk e Soul numa síntese orquestral luxuosa e dinâmica, versos de observação social e celebração da dança, um hedonismo utópico, comunitário. O único álbum do havaiano Dick Jensen para esta etiqueta, homónimo, é o menos alinhado nos carris sonoros da casa, pop melodramática reminiscente de um Tom Jones ou Scott Walker do Pacífico. The Intruders foram das primeiras escolhas de Gamble e Huff para a nova editora e em “Save the children” toda a doçura soul em manta instrumental requintada está presente. O trabalho com mais sementes plantadas é a estreia homónima dos MFSB, ajuntamento fluido de músicos da casa que lança os alicerces multiculturais, multissensoriais e virtuosos do disco. “MFSB” (iniciais de “mother father sister brother”) é uma obra-prima visionária; tem salsa, jazz, tem visão. Bem-vindos ao big bang, em direto de Filadélfia.