De castelo degradado a château com história

O passado da propriedade não é certo

Empresa portuense remodela propriedade na Riviera Francesa numa conjugação de tempos e culturas, tecnologia e arte contemporânea.

A obra teve início em 2015, mas as ideias começaram dois anos antes, com a visita da dupla de arquitetos da Oitoemponto à propriedade. Artur Miranda e Jacques Bec, que já eram conhecidos do proprietário por outros trabalhos desenvolvidos, foram escolhidos porque viram na obra um “desafio” sem necessidade de “destruir tudo”.

A reabilitação do “château” de Saint-Maur, localizado na Riviera Francesa, durou quatro anos e impactou arquitetura e interiores. Entre casa principal, capela, piscina, cavalariças e discoteca, a intervenção abrangeu uma superfície de cerca de seis mil metros quadrados. “Um projeto grande, mas não o maior projeto” da empresa de arquitetura e interiores que conta com uma vasta carreira internacional, sublinha à NM Artur Miranda.

As dificuldades foram muitas numa propriedade que “estava muito mal aproveitada e trabalhada” e onde foram realizadas obras que “não respeitaram a segurança da casa”, acrescenta. Os materiais e técnicas antigos, com cimento e ferro, atrasaram a reconstrução. As condições impostas eram a impossibilidade de mexer na superfície das vinhas e na “configuração aérea da propriedade”, ou seja, na forma dos telhados. Asseguradas as premissas, a reconstrução foi total, com o interior “esventrado” e o exterior reconstruído.

Uma das curiosidades da intervenção prende-se com o formato da sala. No decorrer da obra, na tentativa de demolir as paredes, os trabalhadores depararam-se com a “tarefa impossível de deitar abaixo os cantos da divisão”, devido ao forte betão utilizado, conta Artur Miranda. Este contratempo obrigaria os designers a adotar o formato octogonal para a sala, com os cantos fortificados a manterem-se.

O passado da propriedade não é certo. O arquiteto refere a existência de uma torre que data do século XVI que, supõe, pertenceria a um castelo ali localizado. Esteve alguns anos ao abandono e passou por mais dois proprietários, famílias abastadas, até chegar ao atual. Com as obras, os designers confirmam a existência de uma longa história, dado que detetaram três distintos métodos de construção no edifício.

Inspiração veneziana

O mote do projeto foi transformar uma bastide, uma casa provençal, num château , “dar um ar de castelo”, salienta o arquiteto. A inspiração foi a localização do espaço e a paixão do proprietário por Itália, que levaram à escolha do vermelho veneziano para o exterior da casa. Artur Miranda reforça a utilização de uma técnica antiga, “de cal e pigmento”, aplicada por pintores vindos de Itália. O objetivo era obter “um vermelho que muda com o sol e a chuva, que envelhece com o tempo e conta uma história”, especifica. A par da inspiração veneziana, foram mantidos pormenores já existentes, como arcos e portas, para conservar “a alma” da propriedade.

“A casa é de hoje em dia, mas com um ar e espírito vividos”, numa mistura de épocas e culturas, bastante pautada pela tecnologia, realça. As linhas imponentes que vêm do passado do edifício e o traço mediterrânico, conjugados com a arte contemporânea, os apontamentos de mobiliário de diversas partes do Mundo e da tecnologia incorporada na casa, fazem um projeto completo. O fio condutor é uma casa de família, “que parece que foi sempre assim”, define o arquiteto. “Não queríamos o ar de algo acabado de fazer.”

Rodeada de 170 hectares de vinha, passa a ter, com a remodelação, também a função de promover a produção vinícola. Os vinhos de Saint-Maur, predominantemente rosé, ganham um espaço remodelado para eventos e negócios, explica o designer.

Artur Miranda e Jacques Bec lançaram-se na Oitoemponto em 1993 e contam hoje com “um mercado certo” e uma equipa “a aumentar”. O projeto na Riviera Francesa foi vertido num livro, que não é o primeiro da dupla de arquitetos. Há ainda convite para uma terceira obra que poderá estar a caminho. Reconhecimentos que Artur Miranda vê como gratificantes e que “ficarão gravados no tempo com os livros”.

O proprietário do castelo remodelado é também dono da Quinta do Pessegueiro, no Pinhão, onde a Oitoemponto interveio na casa e na adega. O estúdio de arquitetos tem diversos trabalhos em propriedades privadas em vários pontos do Mundo, desde o Porto a Ibiza, de Luanda a São Paulo. E em lojas e restaurantes em Portugal e em França. Pautam-se por um mercado de luxo e têm uma presença forte na Arábia Saudita, pormenoriza o designer.

Editado pela Flammarion, “A château on the French Riviera: modern interiors by OITOEMPONTO” é a história da remodelação desde os esboços iniciais à conceção do projeto. Tinha lançamento com programa de assinaturas agendado para outubro passado. Planos que a pandemia obrigou a adiar. As sessões de apresentação estavam planeadas para Paris, Londres, Nova Iorque, Porto e Lisboa e poderão ainda ser remarcadas para abril. Este é o segundo livro com marca do trabalho dos arquitetos Artur Miranda e Jacques Bec.