Como reduzir a pegada ecológica dos presentes

Oferecer prendas caseiras, usar jornais e revistas para os embrulhos, recorrer a elementos naturais para as decorações, apostar em produtos locais quando estiver a fazer compras para a ceia. Estratégias e dicas para quem quer reduzir a pegada ecológica das festividades.

Há uns quantos anos – nem a própria sabe exatamente, se tivesse que fazer uma estimativa apontaria para uns 15, mas na verdade isso não é o mais importante nesta história -, uma tia de Ana Milhazes, conhecida por ser a fundadora do Movimento Lixo Zero Portugal, avançou com uma sugestão sui generis. Pelo menos, naquele momento. Acabar com o velho hábito de todos darem prendas de Natal a todos (logo na família de Ana, em que são mais de 20 pessoas) e passarem a destinar os presentes apenas aos cachopos. Primeiro estranhou-se, depois entranhou-se. Anos depois, estávamos em 2011, aí sabe melhor porque foi a altura em que decidiu mergulhar fundo no minimalismo, foi a vez de Ana dar o passo. Firme, irreversível, radical, dir-se-á. Pediu a todos que simplesmente deixassem de lhe oferecer prendas. Tanto no Natal como nos anos. A preocupação com o ambiente e a necessidade compulsiva de evitar todos os excessos de uma sociedade ultraconsumista a isso a impeliram. O pedido não só foi respeitado como acabaria por inspirar uma outra decisão, mais drástica ainda: o fim das prendas. “Dentro da família nuclear pode haver, mas quando nos juntamos não, deixou de haver esse momento da troca de presentes.” O que tem tudo que ver com a filosofia natalícia desta socióloga, autora do livro “Vida Lixo Zero”. “Aproveitarmos para estar com as pessoas é que é o Natal. A presença é o melhor presente que podemos oferecer.”

A lógica minimal e amiga do ambiente aplica-se a tudo o resto. À árvore que tem em casa, por exemplo. “Há alguns anos que a minha árvore de Natal é feita de livros. Depois ponho umas luzinhas à volta e qualquer coisa no topo que já tenha, como uma matrioska, por exemplo.” Em 2018, a autora do blogue “Ana, Go Slowly” lançou mesmo o primeiro e-book, atualizado este ano, sobre desperdício zero na quadra festiva. “Por um Natal mais sustentável”, anuncia-se na primeira página. Dele, constam dezenas de dicas para reduzir o desperdício em tempo de festa. Da decoração à ceia de Natal, das prendas aos embrulhos. Dicas também partilhadas com a “Notícias Magazine”.

Mensalidades e prendas passadas

Começando pelos presentes. Sabendo que para Ana o ideal seria não dar presentes de todo, oferece, no entanto, sugestões mais comedidas para quem queira viver a quadra com consciência ambiental. “Há muitas opções. Desde logo, oferecer algo feito por nós. Comidas, bebidas. Até porque vai ter muito mais valor.” Ou sal aromatizado. Ou ingredientes secos para fazer um bolo. Ou sais de banho. Ou, se nenhuma destas opções o cativar, experiências. Concertos, por exemplo. “Ou se sabemos que a pessoa gosta de ouvir música no Spotify, de ver séries na Netflix, oferecer uma mensalidade. Há imensas coisas em que podemos ser criativos. Essencial é ter o cuidado de oferecer algo que sabemos que vai ser útil para a pessoa. Não é comprarmos qualquer coisa porque queremos despachar a lista de presentes.”

Catarina Matos, arquiteta que em 2017 fundou o “Mind the Trash”, uma loja online que aposta em produtos sustentáveis e amigos do ambiente, partilha da filosofia de Ana Milhazes. “Já pararam para pensar na quantidade de lixo que fazemos na época natalícia? Desde o consumismo exagerado até aos simples embrulhos de presentes e inúmeras embalagens de produtos, estamos tão preocupados em fazer o próximo mais feliz que nem sequer nos lembramos na tristeza que trazemos ao meio ambiente”, aponta. Também ela chegou a ter os Natais clássicos, 20 pessoas numa casa, uma prenda para cada um, 400 prendas numa só família e um rasto de desperdício a perder de vista. Até que optaram por dar só às crianças, uma “redução de cerca de 90%”.

Sobre a forma de reduzir a pegada ecológica no Natal, sem deixar os nossos entes queridos de mãos a abanar, pede atenção e cuidados. “Devemos optar por materiais naturais, biodegradáveis ou compostáveis, de plástico reciclado ou até mesmo em segunda mão.”

Tiago Matos, criador do projeto de educação ambiental “Green Tribe”, sublinha que a premissa fundamental é mesmo “ressignificar” a questão das prendas
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Tiago Matos, criador do projeto de educação ambiental “Green Tribe”, acrescenta outras opções, vincando que a premissa fundamental é mesmo “ressignificar” a questão das prendas. “Podemos dar presentes que possam ajudar as pessoas a iniciar um estilo de vida mais saudável, oferecer um livro sobre desperdício zero, por exemplo, oferecer cosméticos mais sustentáveis, champôs sólidos, sabonetes, é uma forma de as incentivarmos a experimentar.” Ou oferecer em segunda mão. “Mesmo uma prenda que nos tenham oferecido e que já não esteja a ter utilidade.” Estaremos mesmo preparados para isso? “Talvez não, ainda há algum preconceito em relação a isso. Se pensarmos nisto numa lógica das crianças, de oferecer coisas que já não usam, está tudo bem. Em relação a nós, já não está.”

De resto, perceber a quem e como compramos também é relevante. Catarina Matos justifica. “A empresa [a quem compramos o produto] também tem alguma preocupação ambiental? Como trata os funcionários? De onde vem a matéria-prima? Têm alguma certificação? Qual a sua missão e valores? O produto vem com excesso de embalamento?” As perguntas sucedem-se. E depois é o como. Tentar reduzir ao máximo o número de deslocações às lojas, aproveitar uma deslocação para várias tarefas, comprar online e pedir que as prendas sejam entregues num ponto pick-up perto de casa, onde nos possamos deslocar a pé. “Estas rotas já estão em uso pelas transportadoras e não vão adicionar mais emissões de CO2”, salienta a arquiteta.

Papel de embrulho espalhado? Guarde tudo

Outra dica importante para um Natal mais sustentável relaciona-se com os embrulhos. Catarina Matos frisa que o primeiro passo é recusar toda a parafernália que nos dão nas lojas. Papel de embrulho, laços, cartões. Em vez disso, sugere, recorrer ao que temos em casa. Revistas e jornais que não queiramos guardar. Um saco de papel que possa ser aproveitado. Um ramo de alfazema em vez de um laço. Escrever o nome do visado diretamente no papel, em vez de recorrer às etiquetas. E se a aposta recair mesmo no papel de embrulho, a mentora da “Mind The Trash” deixa um pedido, em causa própria também. “Recolham todo o papel e caixas de prendas, guardem e entreguem na nossa sede ou enviem-nos email para agendarmos a recolha dos mesmos. No ano passado, a quantidade de ‘lixo’ que recebemos permitiu-nos enviar encomendas com papel de embrulho três meses seguidos.”

Catarina Matos fundou em 2017 o “Mind the Trash”, uma loja online que aposta em produtos sustentáveis e amigos do ambiente. Na foto, exibe um cabaz original, provando como é fácil fazer prendas ecológicas
(Foto: Eduardo Resendes/Global Imagens)

Mas há mais a fazer. Também a forma como decoramos a casa tem que se lhe diga. Para Ana Milhazes, prevalece um princípio fundamental: menos é mais. “Menos tempo a tratar das decorações e mais tempo para fazer aquilo que gostamos. Menos tempo a limpar a casa e a arrumar as decorações, mais tempo livre. Menos decorações, menos dinheiro gasto em coisas que, afinal, só usamos uma vez por ano”, destaca no e-book que assina. O que não quer dizer que não haja lugar para as decorações. O segredo está em usá-las simples e naturais. Começando por uma árvore de natal sem plástico. Em alternativa, podemos usar ramos e colocar numa jarra ou frasco, usar madeira, rolhas, rolos de papel higiénico. Ou livros, como Ana faz. Sugere ainda, em termos de decoração, a utilização de pequenos ramos de árvores que encontremos caídos no jardim, cordel que tenhamos em casa para pendurar a decoração na árvore, velas ecológicas, decorações em papel ou cartão. E até pedir a ajuda das crianças para pintar e desenhar.

De resto, até a ceia pode ser o cenário perfeito para começarmos a poupar o ambiente. “Comprar local, gerir o que vamos comprar. Nestas alturas exagera-se sempre muito, sobretudo nos doces. Sei que é difícil, porque esta coisa de ter comida com fartura é muito típica dos portugueses, mas temos de ter esse cuidado. E se sobrar garantir que vamos ter a quem dar, que não se estraga.” Outras dicas passam por preferir produtos biológicos, optar por produtos a granel, levar os nossos próprios recipientes para comprar comida, apostar em comida simples com poucos ingredientes ou ingredientes fáceis de encontrar em locais perto de casa ou mesmo fazer compostagem com aquilo que pode ser reaproveitado. Já para não falar em evitar tudo o que seja material descartável durante a refeição. E se possível usar guardanapos de pano. Ana sugere até que passemos a beber água da torneira.

Mas estaremos nós já sensibilizados para começar a pôr em prática todas estas mudanças? Tem a palavra Tiago Matos, da “Green Tribe”. “Espero que sim, mas costumo dizer que vivo numa bolha, porque tenho a minha própria comunidade no Instagram e aí vejo pessoas muito empenhadas nisto. Sinto que de facto as pessoas estão cada vez mais preocupadas com estes assuntos e cada vez mais críticas em relação às coisas. Mas basta olhar à volta, para a minha família e para os meus amigos, para perceber que estão num processo mais lento.” Por isso, dá-se por contente por já ter obtido uma pequena vitória: convencer os familiares a reutilizar todos os embrulhos do ano passado.