É um ser cheio de si, nariz empinado e ego inflamado, que se olha como único e especial. Desvaloriza e menospreza os outros, esconde inseguranças e vulnerabilidades dentro de si. O que fazer? Bater o pé ou virar as costas?
Espelho meu, espelho meu, haverá alguém tão maravilhoso e importante quanto eu? Parece que não. A pergunta é uma mera questão retórica porque a resposta é mais do que óbvia para um narcisista. Um ser vaidoso e pretensioso que reclama admiração constante, ego nos píncaros, inchado e inflacionado, empatia zero. Exige muito dos outros, dá pouco de si. Este é um mundo muito próprio, uma maneira de ser particular. Como lidar com tudo isto?
“O narcisista considera-se o mais bonito, o mais inteligente, o mais importante, como tal requer tratamento especial”, observa Catarina Mexia, psicóloga clínica e terapeuta familiar. Menospreza para diminuir e manipular, sobretudo quando há uma relação emocional forte. Zanga-se quando não tem tratamento especial, facilmente se sente desprezado, tem dificuldade em regular emoções e adaptar-se às mudanças. Deprime quando não atinge a perfeição, abafa sentimentos de insegurança e vulnerabilidade.
Nuno Mendes Duarte, psicólogo clínico e psicoterapeuta, junta mais alguns traços narcísicos do ponto de vista do diagnóstico. “Um padrão invasivo de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração e falta de empatia, que começa no início da idade adulta e está presente numa variedade de contextos.” Um narcisista move-se num determinado circuito que considera estar ao seu nível de valor e importância. “Sentir que não é suficientemente reconhecido pela maioria das pessoas é realmente intolerável. Por isso, tenta ainda mais explicitamente demonstrar ou tornar claro aos outros aquele que acredita ser o seu real valor. Procura sistematicamente que as pessoas o reconheçam, apreciem e valorizem”, pormenoriza. O que nem sempre acontece. Onde um narcisista vê superioridade, os outros, muitas vezes, veem “um comportamento altivo, arrogante”, alguém “incapaz de amparar as suas vulnerabilidades sem criticar”, define Nuno Mendes Duarte.
Narcisismo, na psicologia, refere-se a um conjunto de traços de personalidade, no limite, a uma perturbação. Uma coisa é ter dimensões narcísicas, irrelevantes e normalizadas, que não configuram uma perturbação. Outra coisa é a patologia narcísica. Rute Agulhas, psicóloga clínica e terapeuta familiar, faz as devidas distinções. A primeira é inofensiva e até pode ser autoprotetora. A segunda é outra história. “Esta perturbação de personalidade envolve um sentido grandioso do self: a pessoa considera-se acima de todas as outras, única e especial. Mais bonita, mais competente, mais importante e exige, por isso mesmo, ser tratada de uma forma igualmente especial e diferenciada”, sublinha. São pessoas egocêntricas e pouco empáticas, regra geral. “Sem capacidade de autocrítica, que tendem a desvalorizar e a criticar, de forma destrutiva, os outros de modo sistemático, entendidos com inferiores e menos capazes”, adianta Rute Agulhas.
Autoestima frágil, autoengano constante
A vida de um narcisista não é uma hipérbole levada ao limite máximo da sua existência. Há o outro lado da moeda, outros aspetos a considerar: baixa autoestima, medo de rejeição, dificuldade de criar e estabelecer ligações afetivas, de amar e sentir-se amado. “Os narcisistas são inseguros, têm sentimentos de inferioridade”, constata Pedro Martins, psicólogo clínico e psicoterapeuta. Uma fachada mascarada de autoconfiança. E não se pode falar propriamente de amor-próprio em demasia. “O suposto excesso de amor-próprio pode ser visto com uma tentativa de esconder um sentimento de inferioridade, uma espécie de compensação”, repara. “Por não sentir que tem valor, tende a adotar condutas de compensação, através das quais procura disfarçar a imagem que tem de si próprio. Para se afirmar necessita compulsivamente de possuir e ganhar poder. A sua postura exibicionista leva-o a procurar rodear-se de pessoas deslumbrantes”, acrescenta Pedro Martins.
Catarina Mexia realça que, ao contrário das pessoas com um sentido seguro de autoestima elevada, “o narcisista possui aquilo que os investigadores designam como ‘autoestima elevada frágil’”. “A pessoa constrói a sua autoestima dependente da validação externa e do autoengano”, diz.
O narcisismo, como traço de caráter, divide-se em duas categorias: o grandioso e o vulnerável. Catarina Mexia descreve um e outro. “O primeiro, e o mais reconhecido, é aquela pessoa que procura constantemente atenção e o poder que lhe proporcionará o estatuto e protagonismo que tanto deseja. O narcisismo vulnerável apresenta-se como mais calmo e reservado, mas continua a ter um forte sentido de legitimidade e sente-se facilmente ameaçado ou desprezado se não é reconhecido da forma que deseja.”
As relações interpessoais com um narcisista não são tranquilas, pelo contrário. Rute Agulha fala em “padrões instáveis, inseguros e até agressivos”. “A pessoa com esta perturbação sente-se constantemente incompreendida e insuficientemente valorizada. Deseja ser sempre o centro das atenções e ver as suas expectativas, desejos e necessidades satisfeitos de forma imediata por todos.” Arrogância e a agressividade não são bem-vindas por quem está ao redor e o amor também pode não ser como se deseja. Segundo Rute Agulhas, no plano amoroso, “observa-se frequentemente um padrão de distanciamento e dificuldade em estabelecer relações de maior intimidade emocional.” Não é complicado perceber porquê. “Dificilmente se entregam e se dão a conhecer, o que gera relações mais superficiais e de afastamento.”
Reza a lenda que Narciso ficou encantado com o seu próprio reflexo na água, apaixonou-se por si mesmo, percebeu que o seu afeto não era correspondido e morreu nas margens do rio. Há a lenda e há a realidade. Donald Trump é conhecido por ter um ego inflamado. “Ninguém é mais forte do que eu”, disse um dia, como também afirmou que “ninguém constrói muros melhor do que eu”. O rapper e músico Kanye West também mandou o recado a quem o quis ouvir: “Podes ser talentoso, mas não és o Kanye West”. A socialite Paris Hilton mostrou como se olhava ao espelho. “Eu acho que a cada década há uma loira icónica: Marilyn Monroe, princesa Diana. Nesta década, eu sou esse ícone.” E, neste mundo, as redes sociais acabam por ser uma montra que alimenta, a cada segundo, egos inflamados.
Ideias atraentes, jogos disfuncionais
Como sobreviver a um narcisista? Há várias estratégias. Desde logo, pôr o pé no travão e estabelecer limites para não prolongar um jogo disfuncional, evitar uma posição de vulnerabilidade, não partilhar dimensões íntimas ou fragilidades. “Sempre que possível, não tolerar os comportamentos e não se colocar na defensiva perante posturas de sarcasmo, gozo ou desvalorização. A pessoa com personalidade narcísica está mais interessada em ganhar do que ouvir e mais interessada em promover a sua grandiosidade do que ter uma comunicação eficaz”, afirma Nuno Mendes Duarte.
Além de estabelecer limites, Catarina Mexia indica que é necessário abrir os olhos para ver como realmente a pessoa é. “O seu charme, as grandes ideias e promessas são especialmente atraentes, mas enganadoras”, garante a psicóloga clínica. É importante perceber como lidam com a frustração e desrespeitam os outros. “O egocentrismo é uma das características de uma personalidade narcisista. Os limites entre o que lhes pertence, aquilo a que podem aceder, ou mesmo aquilo que os outros podem ou devem sentir não são claros e dá-lhes o direito de determinar as coisas de acordo com o seu direito.”
É necessário bater o pé em alguns casos, noutros, dependendo do tipo de relacionamento, a melhor solução é virar costas e não dar importância ao que é dito. “Há que resistir a alimentar, através de discussões que não se podem ganhar, o prazer que muitos narcisistas demonstram ao prolongar a desvalorização, desqualificação e desprezo pelo outro”, frisa Catarina Mexia.
Dificilmente um narcisista reconhece que o é e procura ajuda. Rute Agulhas vai direta ao assunto: sem ajuda, baseada no reconhecimento das suas dificuldades, mudar é um processo extremamente complexo. “Resta tentar afastar-nos, o mais possível, de quem apresenta esta perturbação, se queremos proteger-nos de relações tóxicas e disfuncionais.”
Um narcisista é alguém socialmente perigoso, uma vez que a ligação ao outro assenta no controlo, no desprezo e no poder. “O indivíduo com baixa autoestima é sempre um potencial agressor. Basta que se conjuguem a provocação e a condição de ser ou se julgar o mais forte”, avisa Pedro Martins. Há quem seja enganado ou se deixe enganar sem se aperceber. “As pessoas que têm relações com narcisistas apresentam, elas próprias, características que as levam a aproximar-se deles, ou permitir que se aproximem, e a desenvolverem e a permanecer em relações deste género.”
Não são monstros, mas contra-atacam, diz Pedro Martins. “Muitas vezes, ferozmente. Quase sempre proporcionalmente à dor que lhe causaram. Se receber uma crítica pode custar, ao narcisista custa o dobro ou o triplo. Daí o contra-ataque desproporcional e a dimensão da dor que inflige ao outro.”
A infância pode ajudar a entender esses traços de personalidade. Falta de afeto, de carinho, de valorização. “Provavelmente, era solitário(a), podendo ter crescido com adultos que lhe davam muita atenção, mas não lhe demonstravam tanto afeto, não estabeleciam limites e pareciam, de alguma forma, manipulá-lo(a)”, considera Nuno Mendes Duarte. A perceção de si, do Mundo, dos outros, a dificuldade em aceitar amor e sentir-se amado. “A dimensão mais visível é a sobrecompensação que a pessoa com personalidade narcísica apreende para sobreviver a um ambiente de privação emocional e humilhante. Nesta sobrecompensação, a personalidade narcísica exibe competitividade, grandiosidade, tendência de abuso sobre os outros e procura estatuto.” Uma procura que não pode ser feita a qualquer custo, abusos que não devem ser permitidos. É necessário ver além do espelho.
Traços de personalidade narcísica
• Sentimento grandioso da própria importância. Exagerar feitos e talentos, por exemplo.
• Acredita ser especial e único e que se deve associar a outras pessoas ou instituições de condição elevada que o compreendam.
• Exigência de admiração excessiva.
• Preocupação com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal.
• Comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.
• Expectativas irracionais de tratamento especialmente favorável ou obediência automática aos seus anseios.
• Explora sentimentos interpessoais de forma a tirar vantagem de outros para atingir os seus objetivos.
• Ausência de empatia. Relutância em identificar-se com sentimentos e necessidades alheias.
• Frequentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo de inveja alheia.