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Como impressionar numa entrevista online

Rita Magalhães, que foi contratada após uma entrevista online, diz que estar em casa é mais confortável mas perdem-se detalhes importantes (Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

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A seleção de recursos humanos está a mudar, o recrutamento é feito à distância, cada detalhe importa para um momento que pode ser impessoal e em que quase tudo pode acontecer. Um desafio para as duas partes: para quem busca trabalho e para quem procura talentos.

Rita Magalhães, consultora de relações públicas numa agência de comunicação, não teve muito tempo para pensar. Um telefonema e duas horas depois estava numa entrevista de emprego online sem sair de casa. “Duas horas em transe total”, recorda. A preparar-se para as eventuais perguntas, a anotar o que queria saber. A agência não abre vagas, sonda potenciais interessados, contacta conforme as necessidades. Havia um conhecimento prévio um ano antes. No final de abril de 2020, entrevista à distância, devido à pandemia, e três pessoas no ecrã do computador. Rita, o diretor e a responsável pelo recrutamento.

“Há sempre uma ansiedade quando se é testada de alguma forma. É preciso dar o melhor num curto espaço de tempo.” Ajudou estar em casa, sem trânsito pelo meio, sem uma sala de espera. “Estava na minha casa, na minha zona de conforto, no meu espaço familiar e seguro. Nesse aspeto, foi mais tranquilo.” O cuidado com a imagem manteve-se, roupa escolhida para a ocasião, jeitinho na maquilhagem. Fundo neutro, parede branca, cenário que já era o seu ambiente de trabalho. “Há todo um mix de sentimentos”, confessa.

Correu bem, a internet não falhou, Rita mudou de emprego. “Será mais confortável online, mas, ao mesmo tempo, ver as pessoas, conhecer o espaço, o local onde se vai trabalhar, ajuda a ter uma perceção e uma perspetiva mais próxima do que vai ser feito.”

José Silva Brás está a candidatar-se a um lugar numa autarquia e fez provas online. Aguarda para saber se passa à entrevista
(Foto: Gonçalo Delgado/Global Imagens)

O recrutamento online deixou de ser uma opção e passou a ser a única alternativa por força das circunstâncias impostas pela pandemia. Deixou de ser a exceção, passou a ser a regra. “Se no passado era visto como uma tendência, neste momento, já podemos dizer que se instalou e veio para ficar”, reconhece Hélder Pais, caça-talentos (headhunter) e gestor de carreiras. Há setores mais familiarizados com este processo, sobretudo as tecnológicas, a hotelaria, o grande consumo. Há outros em fase de evolução, como a indústria, a construção, os transportes. “O tempo ajudará as pessoas a habituarem-se a este novo formato”, sustenta. “O grande desafio é este período de transição, quer para os candidatos, quer para as empresas. Há pessoas que até se sentem mais confortáveis com este formato, no entanto, há muitas outras que preferem o formato presencial.”

Joana Martinelli prefere o modelo presencial. No início do ano, fez a sua primeira entrevista online para umas bombas de gasolina. Ela, candidata ao cargo, a responsável pelos recursos humanos a fazer perguntas, diretor presente de câmara desligada e em silêncio. “Foi uma coisa rápida e correu bem.” A chamada bloqueou e foi abaixo uma vez, o problema foi resolvido. Para Joana, o método online é impessoal e tem fragilidades para ambas as partes, para quem recruta e para quem procura emprego. “É uma maneira mais distante, talvez um pouco mais fria, a comunicação não é tão fácil, a qualquer momento a chamada pode cair, perde-se o rumo da conversa, não se entendem bem as frases”, repara.

Joana Martinelli fez uma entrevista online que lhe pareceu mais distante e fria do que o modelo presencial
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Estar em casa pode interferir na postura de quem está a ser entrevistado. Maior nervosismo ou maior descontração. Um computador à frente pode interferir na espontaneidade. Há vantagens e desvantagens. “Prefiro cara a cara, gosto mais desse contacto visual, consigo transmitir mais quem eu sou e gosto de ver as instalações.” Ansiedade há sempre. “A expectativa é igual em ambos os cenários”, garante Joana Martinelli, que trabalha numa fábrica em Aveiro.

Provas, perguntas e respostas pelo ecrã do computador

Há estudos que indicam que, entre março e setembro de 2020, as entrevistas online cresceram à volta de 2 200%. É um aumento enorme e não deverá estancar depois da pandemia, mesmo com uma cultura empresarial ainda muito focada no presencial. “Não há como parar. Não se pode parar o vento com as mãos, não se pode parar esta desmaterialização de tudo”, afirma João Leite Ribeiro, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, doutorado em Ciências Empresariais.

Em seu entender, a pandemia tem funcionado como um acelerador do que já vinha a acontecer. Apressou a tecnologia, intensificou o uso das ferramentas digitais. O trabalho remoto, as entrevistas através de plataformas digitais, as provas e as avaliações online, já não são processos estranhos. Quem recruta tem mecanismos mais ágeis, velozes e interativos para anunciar o que procura. Quem se candidata submete currículos online, agiliza processos via email, não se desloca. E assim poupa-se tempo e reduzem-se despesas.

José Silva Brás tratou de tudo online. No ano passado, uma entrevista online pelo telemóvel com gambiarra, na rua, num hotspot, a internet caiu duas vezes. No final do mês passado, uma prova de conhecimento de 90 minutos para um lugar de gestor de redes sociais numa câmara municipal, em frente ao computador, 25 perguntas, o rato não podia sair do quadrado das respostas – se isso acontecia, ouvia uma voz que avisava da distração. Tudo tratado via online, envio de documentos por email, uma semana antes um teste para treinar, depois email para o link da prova, seguir as instruções, palavra-passe. A prova começou e o ecrã ficou em full screen.

Não gostou, não se sentiu confortável. “Tinha consciência de que estava a ser filmado e a ser ouvido”, conta. Do lado de lá do computador, não via ninguém. “É horrível. Uma pessoa não está atenta, há um monte de coisas a saltar no computador.” Percebe que tem de ser assim pelo atual contexto, seria diferente se pudesse escolher. “Prefiro mil vezes em pessoa, é muito melhor, não me sinto à vontade no computador. Dá mais jeito, gesticulo bastante, comunico melhor frente a frente do que através do computador, estou à frente da pessoa, sei como reage ao que digo”, explica. In loco é possível ver o espaço. É outra coisa. José Brás trabalha ao fim de semana num supermercado em Braga, frequenta o mestrado em Ciências da Comunicação no Porto, e aguarda pela indicação se passou à próxima fase, à entrevista.

 

O recrutamento já não é o que era, sobretudo nas multinacionais e em grandes empresas. Aristides Ferreira, professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, diretor do programa de mestrado em Gestão de Recursos Humanos e Consultoria Organizacional, faz parte de um projeto europeu que está a analisar o trabalho remoto e revela várias estratégias que estão a ser usadas na seleção online. Sistemas automatizados que vão colocando questões para identificar o perfil adequado, numa primeira triagem. Pequenos vídeos que servem de apresentação do candidato. Entrevistas online através de plataformas digitais. Ou a novidade de colocar os candidatos num jogo que revela traços de personalidade, capacidade de tomar decisões, através de métricas analíticas. “Os jogos são imersivos, os candidatos divertem-se enquanto estão a jogar, e a organização recebe inputs.” Um método usado, por exemplo, pelo exército americano e por multinacionais.

Luz, som, imagem. Treinar frente ao espelho

“As pessoas, de qualquer idade, estão a enfrentar um novo mundo, onde se joga o futuro e o desenvolvimento profissional”, diz João Leite Ribeiro. Não há propriamente um manual de instruções para as entrevistas online, mas há passos a dar, cuidados a ter. O espaço, a iluminação, os ruídos, os segundos e terceiros planos, a qualidade da imagem, a rede, o sinal, a net. “É necessário preparar estes ambientes e ter um plano de contingência.” Esperar perguntas sobre como se está a viver a pandemia para perceber se há ou não capacidade de ajustamento, planeamento, organização, inovação. Para perceber competências e habilidades. “Uma pergunta não encerra um só objetivo e uma resposta não se encerra numa só resposta.”

Conhecer bem a organização, a função, qual a tendência evolutiva desse cargo. Ir mais além do que a visão e missão, princípios e valores da empresa. “Ver a imagem de mercado que a organização quer dar.” Ler elogios e críticas. “Ir além da tendência do negócio. Nas entrevistas, procuram-se pessoas que vão para lá do algoritmo, para lá dos números, para lá dos resultados.” E perceber que se não está de máscara não é preciso berrar para o computador.

Antes de tudo, realça Hélder Pais, é necessário verificar a tecnologia, som e luz. Escolher um espaço arejado e sem ruídos de fundo. Evitar qualquer atraso. Em caso de delay, esperar e só depois responder. “A entrevista online permite ter um dress-code mais informal, no entanto, não abusar com pijamas, fatos de treino, nem com roupa que jamais se vestiria para uma entrevista presencial.” E outros pormenores como ter água, caneta e papel à mão para controlar a ansiedade.

Os mecanismos online estão cada vez mais acessíveis no mundo empresarial, as novas gerações movimentam-se bem em ambientes virtuais. É importante observar, ver vídeos, ensaiar em frente ao espelho. Aristides Ferreira aconselha os candidatos a encontrarem a variável diferenciadora dos demais, conhecer muito bem a empresa, traçar competências baseadas em experiências concretas. E nunca esquecer o que as organizações procuram. “Hoje em dia, e cada vez mais, as empresas procuram soft skills, mais do que as hard skills”, adianta o professor do ISCTE. Mais do que está escrito no currículo, mais do que uma média, é o comportamento e as emoções que importam. “Como lidam com frustrações, como se emocionam, como interagem com os líderes”, especifica. Todos os pormenores interessam, cada detalhe importa.

Dicas para preparar uma entrevista online