
Artigo de opinião de Fernando Araújo, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João.
O que podemos esperar do Serviço Nacional da Saúde em 2022? Diria que queremos um SNS que tenha aprendido as lições destes dois anos duros de covid-19. Que não seja um SNS+, mas um SNS diferente. Que não reaja, antes preveja e planeie. Um SNS que mantenha a sua filosofia original, nomeadamente a capacidade de responder com equidade a todos os cidadãos, não de acordo com a condição económica, idade, local de residência ou género, mas em função do estado de saúde. O contexto atual não é o mesmo de há 40 anos, pelo que a usar as mesmas soluções, para os novos problemas, não vamos seguramente obter o mesmo sucesso nas respostas.
Nesse sentido, queremos um SNS que possua uma ambição de saúde pública, que possua uma política transversal robusta na promoção da saúde, apostando no combate aos determinantes da saúde e que tenha os meios necessários para o concretizar.
Um SNS que possua uma real autonomia gestionária, com responsabilidade, compromisso e exigência na prestação de contas, que seja efetiva, transparente e redutora de despesas inadequadas.
Um SNS que possua um plano de investimento plurianual programado, numa área altamente tecnológica e complexa, que não se compadece com imprevisibilidade na atualização e substituição de equipamentos dispendiosos mas imprescindíveis.
Um SNS que cative, diferencie e reconheça o trabalho altamente especializado e complexo dos seus recursos humanos altamente qualificados.
Um SNS que possua orçamentos reais para as instituições, que permitam uma gestão rigorosa e exigente das lideranças no cumprimento dos planos de atividade e orçamentos, com responsabilização pelos resultados.
Um SNS que reforme os cuidados de saúde primários, que promova a sua desburocratização, assegurando que se concentrem nas suas dimensões mais críticas.

Um SNS que discrimine de forma positiva os mais vulneráveis, priorizando a saúde mental, os cuidados paliativos, os comportamentos aditivos e dependências, sem esquecer os idosos.
Um SNS que promova a articulação com as entidades sociais e privadas, focado nos cidadãos, sem dogmas, mas na defesa do interesse publico.
Um SNS que promova a digitalização da saúde e que planeie e organize a sustentabilidade do SNS a médio e longo prazo, nomeadamente implementando uma política sobre a inovação nos medicamentos e dispositivos médicos, fomentando os preços compreensivos e per capita ajustados à população de referência, no sentido de promover a integração das respostas e criando um programa dedicado a transformar o pagamento por volume em pagamento pelo valor criado para o cidadão.
É tempo de resistir à preguiça de voltar a querer o SNS pré-covid e não adormecer na sombra do PRR, esperando que as verbas resolvam os problemas da Saúde. Devemos ser ambiciosos e disruptivos, num contexto extremamente dinâmico e competitivo, com um aumento da exigência dos cidadãos nas respostas em saúde.
Com a certeza de que é possível fazer acontecer em 2022, se nos empenharmos, em conjunto, reconstruindo o SNS: um SNS para as pessoas.
Este artigo de opinião é parte integrante de um trabalho publicado na edição impressa da Notícias Magazine, em que desafiámos vários pensadores, de diferentes áreas, a lançar o ano de 2022. Fernando Araújo abordou o ano que aí vem na perspetiva da Saúde.