Comissões de melhoramentos. Histórias de quem muda a sua terra

Abriram estradas com pás e picaretas. Puxaram cabos elétricos pela serra. Limparam estrumeiras, pavimentaram ruas, acartaram pedra às costas. Criaram jardins, construíram fontanários, instalaram telefones públicos. Homens e mulheres unidos pelo amor às origens, atentos às suas gentes. Ontem como hoje. Em nome do bem comum.

Ceiroquinho, aldeia de xisto encaixada na Serra do Açor, concelho de Pampilhosa da Serra, a três horas de caminho do Porto, a última meia hora em estradas de curvas, desce e sobe, sobe e desce. Ali moram 13 habitantes, não há crianças, o mais novo está a chegar aos 60, já foram mais, no verão chegam aos 50 com a criançada e as famílias que vêm visitar os seus mais velhos. Casas encaixadas num vale, vista para um cruzeiro e miradouro lá no alto. A serra está verde, molhada e brilhante das chuvas que caíram nos últimos dias.

Lua e Mimi, duas cadelas castanhas, dão sinal de chegada. “Não vem ninguém aqui à terra que elas não deem conta, seja de dia, seja de noite”, avisa Jaime Santos, nascido em Ceiroquinho há 70 anos, uma vida na restauração em Lisboa, reformado, de volta às origens, vice-presidente da Comissão de Melhoramentos de Ceiroquinho que faz 79 anos daqui a alguns dias. Ramiro Santos, o irmão, reformado da GNR, 66 anos, é presidente da comissão, vive entre a capital e a aldeia, e explica o que aconteceu por ali. Os arruamentos foram feitos pela comissão, o telheiro no largo da aldeia é obra recente para abrigar do sol e da chuva quem apanha o táxi para ir a Fajão, a 2,5 quilómetros, ou a Pampilhosa, a meia hora de viagem, outrora três horas a pé para cada lado.

Ceiroquinho inaugurou o primeiro jardim público do concelho e também a primeira piscina. Ramiro Santos mostra esse espaço ajardinado, passa pela ribeira, conta que ali pode nascer uma praia fluvial, entra no alambique de aguardente de medronho que ardeu no incêndio de 2017, fala da vontade de o recuperar, sobe para o miradouro do cruzeiro e partilha o plano de iluminar o muro, mostra a piscina que será arranjada para o tempo quente, aponta para umas ruínas da aldeia que a comissão comprou e cedeu à Câmara para que se faça um alargamento na estrada para que os carros consigam dar a volta e deixar e apanhar os mais velhos que moram mais abaixo.

Lembra-se do incêndio de 15 de outubro de 2017 que encheu a piscina de lodo, cascalho, pedras, troncos de árvores, e que consumiu 19 casas da aldeia. Jaime Santos estava lá, os piores 15 minutos da sua vida, nem quer que o lembrem. Ramiro Santos revela como foi dada a volta à água fria da piscina. “Pedimos à Junta um tubo de 300 metros para canalizar a água mais acima, com um circuito desses para a água chegar mais quente.” E mais gente passou a ir àquela piscina com 27 metros de comprimento e sete de largura.

Jaime Santos, Ramiro Santos e Aurélio Campos, da comissão, no telheiro que abriga a população do sol e da chuva
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

No ano passado, a comissão comprou uma casa de três pisos no centro da aldeia. “As pessoas gostam de se juntar, conviver, fazer renda, croché. Desde que me recordo de ser criança, as pessoas daqui sempre foram muito unidas”, garante o presidente. O preço é simpático, possibilidade de pagar a cinco anos, a Câmara deu um apoio de dez mil euros, a Junta cinco mil, os donativos andam pelos três mil. Aurélio Campos, tesoureiro da comissão, 30 anos na banca agora ligado ao turismo, desvenda os planos para a casa na aldeia do pai e avós. Café no rés-do-chão. No primeiro andar, biblioteca com o arquivo da comissão, livros de atas e afins, fotografias antigas, livros doados. Uma sala onde as pessoas possam almoçar juntas com televisão e aquecimento, um espaço para workshops de informática, bonecas de trapos, pintura, motricidade, que agora se fazem na Junta de Fajão. Mais uma sala para o médico que venha à aldeia e serviços da Segurança Social. No piso de cima, um mini apartamento para alugar. “O objetivo da casa é prepará-la para acolher todas as pessoas, como um polo aglutinador da cultura deste povo e da história desta aldeia”, adianta Aurélio Campos. As receitas da comissão vêm das quotas anuais, entre cinco e 30 euros dos 255 sócios, do almoço da festa de agosto no parque onde está a antiga escola primária, com cozinha, mais um apartamento para alugar, café, terreiro, e ainda do magusto e dos leilões compostos com o que chega, comidas, bebidas, objetos.

Aurélio Campos conhece a origem da comissão. “É a história de grandes homens que lutaram e quiseram sempre o benefício desta aldeia. É uma história de sucesso, sempre a combater o isolamento e a desertificação.” É trabalhar por amor à terra sem pedir nada em troca. “É uma força de vontade que vem cá de dentro”, confessa Ramiro Santos. “As nossas raízes são daqui. Ao cabo e ao resto, foram-nos incutidos estes valores, queremos que as pessoas que vivem aqui sejam mais felizes”, acrescenta Jaime Santos.

Bailes, leilões, rifas, excursões

Piódão parece perto no mapa, fica ali no concelho vizinho de Arganil, mas são mais de 40 minutos de estrada, mais curvas e contracurvas. Aldeia de xisto, 62 habitantes, quatro vezes mais no verão. Ponto turístico na encosta norte da serra do Açor habituado a receber autocarros de turistas que passeiam por ruas estreitas entre casas de janelas emolduradas a azul. António Pereira era miúdo, tinha nove anos, quando a linha telefónica chegou a Piódão. “A linha apareceu na serra, fomos todos puxar, tudo puxado à mão.” Foi em 1954 e foi a primeira obra da Comissão de Melhoramentos de Piódão fundada dois anos antes, a 1 de julho de 1952, por um grupo de homens da terra que tinha partido para Lisboa em busca de vidas melhores. A vontade de trabalhar em prol da aldeia foi firmada num almoço num quintal de um membro da comissão, em Lisboa. Todos sabiam na pele o que era o isolamento e as dificuldades das suas gentes que já andavam a rasgar uma estrada com pás e picaretas. E todos sabiam que era preciso colocar um telefone na aldeia com o compromisso de angariar fundos com quotas mensais, excursões, bailes e convívios, leilões, rifas, jogos de bola, almoços. E assim se foram juntando verbas para a eletricidade, saneamento, canalização de água em Piódão.

Piõdão, concelho de Arganil, aldeia de xisto, ponto turístico, teve o primeiro telefone público em 1954, graças ao povo
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

António Pereira tem 76 anos, é presidente da assembleia-geral da Comissão de Melhoramentos de Piódão, nasceu ali, foi funcionário público, esteve na Guiné, passou pela vida comercial, vive entre Lisboa e a aldeia, escreveu livros e um romance, interessa-se pela História, pela origem das palavras, de onde vieram os nomes das famílias daquelas bandas, feitos grandiosos que marcaram os dias das gentes da serra. Tudo na ponta da língua. Piódão, diz, guarda o “encanto da aldeia azul-escura”, chama-lhe o “museu natural de labor humano”. É do tempo da impossibilidade de entrar na aldeia pelo lado da Serra da Estrela. “A rara beleza não apagava a vida em socalcos de trabalho duro, mas necessário à sobrevivência, dureza que foi sempre a causa principal para a serra fornecer mão de obra barata à planície.”

Em 1956, inauguração do primeiro edifício público, casa polivalente, em pedra, tijolo, cimento, materiais de construção carregados às costas pelos moradores, crianças também. No rés-do-chão, o posto médico, no piso superior uma sala para a Junta, Registo Civil, comissão de compartes, telescola, e a habitação da professora. Custou 180 contos (cerca de 900 euros).

Em 1971, Goreti Ribeiro, a professora da aldeia, instalou-se nessa casa com quarto, sala, cozinha. A casa de banho era lá fora, lavava a roupa num ribeiro, metia-se pela serra, ligeira, até à escola primária, do outro lado, pouco mais de cinco minutos por carreiros. Tinha 64 alunos da 1.ª à 4.ª classe, duas classes de manhã, duas à tarde, ainda deu cursos de adultos à noite. “Tratavam-me muito bem, não pagava renda”, recorda. Convenceram-na a ficar sete anos, ficou, conheceu o marido, saiu, voltou em 2009 para abrir uma casa de alojamento local na antiga padaria dos sogros. “Naquela altura, havia muita gente, a Comissão de Melhoramentos foi imprescindível para o desenvolvimento da aldeia.” Em 1972, o primeiro automóvel entrava em Piódão. Dois anos depois, o povo reunia-se para debater a preservação das características da aldeia. “Toda a gente aqui faz parte da comissão, mesmo não fazendo”, comenta António Pereira.

António Pereira, presidente da assembleia-geral, e Goreti Ribeiro, antiga professora, no primeiro edifício da comissão
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Maria Josefina, 83 anos, acaba de chegar da vacina contra a covid-19, veio de táxi. Em 2015, era a presidente da Comissão de Melhoramentos de Ceiroquinho, ano em que eram só senhoras na direção. “Fiz aquilo que pude.” Nascida e criada ali. “Antigamente não tinha nada a ver, íamos à fonte velha à bica da ribeira, este calçadão foi a comissão que fez.” Não tem razões de queixa do poder local. “Nunca pedi nada que não se fizesse.”

A comissão de Ceiroquinho nasceu como associação regionalista sem fins lucrativos, alheia a partidarismos políticos. No primeiro ano, juntou 927 escudos (4,62 euros) para reparar a escola. Em 1943, arrumou as estrumeiras e pavimentou ruas com 232 escudos (1,16 euros); em 1944 criou uma comissão de beneficência para distribuir donativos pelos mais pobres. Meteu mãos à obra na estrada para Fajão que ficou pronta em 1950 e que permitiu o acesso do primeiro automóvel. Na década de 50, um chafariz, telefone público, estrada da Lomba das Porcas concluída, alargamento da Lomba da Missa para passar autocarros, biblioteca na escola. Em 1972, a eletricidade chegou à aldeia; em 1982, construiu-se a piscina para adultos, outra mais pequena para crianças, e um lavadouro.

Pura expressão da democracia local

Mais a sul, no Alto Alentejo, a Comissão de Melhoramentos do Concelho de Elvas nasceu para colmatar uma resposta reduzida na área social no município e no distrito. Faz 26 anos a 12 de julho. No primeiro ano, em 1995, abriu um centro de acolhimento para crianças vítimas de negligência e maus-tratos. Agora chama-se casa de acolhimento residencial e abriga 22 crianças. Em 1994, passou a instituição particular de solidariedade social (IPSS) para fazer face às despesas fixas. Não muda de nome. “É um grupo de amigos que se mobiliza com o envolvimento da comunidade local”, descreve Vitória Lérias, presidente da comissão, socióloga na Segurança Social de Elvas, ligada ao associativismo desde a juventude. A estrutura continua focada na área social com 80 postos de trabalho criados e 120 utentes para cuidar.

Em 2014, assumiu a gestão do lar construído de raiz pela Autarquia na aldeia de Santa Eulália, a 14 quilómetros de Elvas, 15 minutos de caminho, freguesia rural com perto de 1 200 habitantes. Aumenta as vagas de 21 para 45 residentes no lar e nas 14 casas que são residências autónomas, assegura o centro de dia e apoio domiciliário. Dois anos depois, na mesma aldeia, a Segurança Social anunciava que ia fechar a creche, menos crianças, viabilidade em risco. A Autarquia lançou o repto à comissão que aceitou o desafio e requalificou o espaço que hoje recebe 22 crianças dos zero aos três anos.

A área social ocupa os dias da comissão do Alto Alentejo que gere uma creche e uma casa de acolhimento para crianças
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

A sociedade civil demonstrava a sua capacidade de organização, a vontade de dar resposta a problemas ao pé da porta. No seu historial lê-se ao que vem, como “testemunho de que a solidariedade não se coaduna com passividade nem incessantes palmadinhas nas costas”.

As comissões de melhoramentos nasceram sobretudo em zonas isoladas, mas não são exclusivas dessas geografias. Esmoriz, cidade à beira-mar, entre Porto e Aveiro, cerca de 15 mil habitantes, tem uma comissão. Os primeiros estatutos foram aprovados em 1953, tornou-se entidade privada de utilidade pública em 1986, hoje gere o jornal mensal “A Voz de Esmoriz” e a rádio com o mesmo nome. Programação diária, transmissão das missas, entrevistas e debates políticos, relatos da bola, atividades dos clubes, site de notícias. A sede fica na Junta de Freguesia.

Manuel Monteiro, contabilista, é presidente da comissão, Normando Ramos, geólogo, é vice-presidente, e partilham vontades. Uma sede própria, divulgar as coletividades da cidade, fazer formação de rádio e comunicação junto da comunidade escolar, comprar uma nova antena para a rádio. As receitas vêm das quotas dos sócios, cerca de 500 pagantes, 25 euros por ano com direito ao jornal. As verbas são aplicadas em tertúlias, sessões de poesia, encontros motard, espetáculos musicais, promoção de causas solidárias, manutenção dos equipamentos da rádio, correios para distribuir os jornais. Houve tempos em que a direção os entregava porta a porta, altura de aperto financeiro. A casa entretanto foi arrumada. “Temos uma situação tranquila na parte financeira, já não temos dívidas, o nosso grande objetivo é arranjar uma sede digna”, refere Manuel Monteiro. Nada de investimentos que não se possam suportar, a comissão está na lista de apoio às coletividades do concelho com um apoio de cinco mil euros por ano da Câmara e 500 da Junta.

O lar de Santa Eulália é uma das obras da comissão de melhoramentos de Elvas, fundada há 26 anos
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Em Piódão, a comissão já não tem o trabalho que tinha. António Pereira vai apontando para o outro lado da serra, encurtaria para metade os 25 quilómetros até à Ponte das Três Entradas e construía uma biblioteca na antiga escola que já não funciona. “Antigamente, havia muito associativismo, fazíamos isto com muito entusiasmo.” Os tempos são outros. “As comissões extinguem-se paulatinamente à medida que desaparece o espírito associativo. O vazio instala-se porque as autarquias preocupam-se com a planície onde estão os eleitores e, sem guardas-florestais, não fazem, não autorizam e, muito menos, mobilizam os poucos que restam para serviços, meios e condições da vida normal.”

Não há desencanto, nem cansaço, há banho de realidade e um passado que não volta. “Se muito se fez, muito haveria que fazer e corrigir, mas nas assembleias já se dizia que o regime mudara, iam ser criadas regiões, as autarquias iam revolucionar o ancestral atraso das aldeias serranas”, lembra António Pereira. “Os ditos regionalistas votaram contra as regiões, é voz corrente que há estradas a mais, mas as da serra, mesmo as planeadas, ficaram para as calendas gregas.”

António Cândido Oliveira, professor catedrático jubilado da Escola de Direito da Universidade do Minho, realça o valor dessas iniciativas que nascem do povo que não pede nada em troca. Em seu entender, os autarcas não são os donos do território, são servidores das suas gentes, a terra pertence a quem nela vive e a luta por melhores condições no chão onde se nasceu tem séculos. “As comissões de melhoramentos são uma expressão interessante da vida local. As pessoas olham para a sua terra, veem o que falta fazer, e juntam-se.” É uma saudável expressão da democracia local, “a expressão mais autêntica da vitalidade da democracia local e social”, reforça.

Normando Ramos e Manuel Monteiro, da comissão de Esmoriz, à porta da rádio da cidade, um dos seus órgãos de comunicação
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

A democracia local não se resume a um ato eleitoral. É sobretudo a vida de uma população, seus interesses e preocupações, o que lhe falta nos dias que correm. “Quanto melhor for a democracia local, melhor será a democracia nacional.”

Em Elvas, Vitória Lérias assegura que vale a pena o trabalho em regime de voluntariado. “Vale a pena estarmos envolvidos com os problemas da comunidade.” Ver o que é possível fazer. “Os acordos de cooperação acabam por não cobrir todas as despesas da instituição.” As mensalidades da creche são baixas dado o contexto, concorre-se a fundos comunitários para comprar viaturas, bate-se à porta da Câmara e outras instituições locais, enviam-se cartas a empresas. Antes da pandemia, promoviam-se caminhadas e montavam-se stands em atividades do Município para vender bolos e objetos feitos pelas crianças e idosos com materiais reciclados. E ainda há o sonho de remodelar a casa de acolhimento residencial, a comissão concorreu ao programa “Querido Mudei a Casa”, e não desiste.

Outros tempos, outras respostas

Carlos Simão é presidente da Junta de Fajão, são quase 20 aldeias sob sua alçada, cerca de 350 habitantes, todas com comissões e ligas de melhoramentos, como Ceiroquinho. “Todas fazem um trabalho próximo das populações, trabalham em prol das suas gentes, e todas vêm pedir dinheiro à Junta.” O orçamento reparte-se pelas necessidades desses lugares recônditos. “As comissões estão a fazer um serviço excecional, estão nas aldeias, mais facilmente sabem o que se há de fazer. Trabalhamos em colaboração, transferirmos as verbas.” O autarca sabe que a ajuda é importante. “Só assim é possível fazer o que fazem, senão não tinham como. E fazem o que fazem pelo amor à sua terra.”

Em Piódão, José Fontinha é o presidente da Junta que olha por 13 aldeias e quintas, pouco mais de cem habitantes. Reconhece o papel das comissões e a perda de vigor à medida que o poder local ganhou importância depois do 25 de Abril. “As comissões, nas décadas de 40 e 50, tiveram uma importância muito grande, quase substituíam o Estado.” Em seu entender, há razão para continuarem a existir, mais não seja para as pessoas que saíram das suas terras matarem saudades. “Não têm o papel que tiveram, havia uma em cada localidade. A junta é uma só e tem de olhar por todo o território.”

Aldeia de Ceiroquinho, Pampilhosa da Serra, na encosta da Serra do Açor, tem 13 habitantes e resiste ao isolamento
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

A história destas comissões é pouco conhecida, pouco estudada e aprofundada. Não se sabe quantas são, quantas resistem. Sabe-se que surgiram por volta da I República, sobretudo em territórios isolados, social e economicamente vulneráveis. Compreende-se porquê. “Para compensar um poder local sem grandes competências, substituindo-se a esse poder. Tiveram essa função no início, algumas subsistiram, outras foram criadas, em particular nos territórios mais frágeis do interior”, sublinha Filipe Teles, professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro, pró-reitor para o desenvolvimento regional e política de cidades. “O poder local não tinha grandes competências e essa é uma das razões para a importância das comissões durante grande parte do século XX.”

Acompanham a evolução do municipalismo de substituição do poder local. No início, ainda havia gente, o inverno demográfico do interior ainda não tinha começado. Depois veio o êxodo, a migração, os que partiam em busca de outras vidas. “O que se passou depois é a perda de vitalidade demográfica desses territórios com uma abordagem diferente de regresso à terra.” Outros usos, outras perspetivas. “Numa primeira fase, eram as infraestruturas básicas. Neste momento, são outras respostas sociais.”

Em Esmoriz, Manuel Monteiro e Normando Ramos já pensaram que o nome poderia mudar. “Comissão inclui muita coisa, é um nome muito vago”, repara o vice-presidente. A Voz de Esmoriz seria o nome mais condizente. “Dar voz a pessoas que não a têm”, enaltece.

O futuro é incerto e pode não haver fôlego. Em Ceiroquinho, incentiva-se a mocidade a dar continuidade. “Isto dá trabalho a quem quer fazer as coisas como deve ser”, comenta Ramiro Santos. António Pereira é mais direto: “As pessoas vão morrendo e os novos não querem saber. São cada vez menos e os problemas cada vez mais. Há muito quem estrague, há pouco quem componha”. E há quem resista, apesar de tudo.