Cerâmica delicada com flores do campo

Maria Jorge faz peças de barro à mão, num ateliê que instalou na cave da casa dos pais

Maria Jorge Torres foi atrás do seu sonho. Faz peças de barro à mão no ateliê que instalou na cave da casa dos pais, numa aldeia de Vinhais. A Natureza e as paisagens de Trás-os-Montes são uma inspiração sem-fim.

O sonho sempre existiu. Bacharelato em pintura, paixão por escultura, não queria ser professora e o mercado, na altura, não estaria preparado para absorver tantos artistas. Seguiu outro rumo, só que há sangue artístico a correr-lhe nas veias. “Tive uma avó, que nunca conheci, que era formada em Pintura nas Belas-Artes, o meu avô fazia peças lindas de madeira, o meu pai desenhava. Fui crescendo com este lado criativo e artístico da família”, recorda Maria Jorge, Jo como gosta de ser tratada, tripeira de gema com raízes em Trás-os-Montes.

Saiu da cidade do Porto e mudou-se para o campo no final de agosto do ano passado. Deu um novo ar à cave da casa dos pais na aldeia de Rebordelo, em Vinhais, distrito de Bragança, rebocou paredes, montou o seu ateliê. Em dezembro de 2020, estava a comunicar o seu projeto de artesanato. “Trabalho à mão, sem roda, sem moldes, estico o barro em placas.” Pratos, taças, chávenas, queijeiras, jarras, bules, vasos que podem ser centros de mesa, presépios, santos e demónios.

As hortênsias e as flores-de-mel dão forma a várias peças, delicadas e exclusivas. “Saio e não vejo cimento, vejo a Natureza, as estações do ano a acontecer – vejo o verão, vejo a primavera e o outono, vejo o inverno – e sinto os cheiros. Tudo isso mexe muito comigo.”

A sua vida deu uma volta. Jo sempre trabalhou na área do retalho, montagem e operacionalização de espaços comerciais, foi gestora das lojas dos navios-hotel da Douro Azul, teve outros empregos. Veio a pandemia e ficou desempregada. “Adoro trabalhar o barro e os meus pais precisavam do meu apoio.” A mãe nasceu em Rebordelo, o pai em Mirandela, viveram mais de 50 anos na baixa do Porto, foram despejados, tiveram de regressar à terra. Jo, pragmática como sempre, fez as malas e mudou de vida.

As peças estão online na sua página do Instagram, os preços vão dos cinco aos 250 euros. Há uma loja no Porto, Árvore com Alma, com alguns dos seus trabalhos. No mês passado, mostrou a sua arte na Feira da Castanha de Vinhais, surgiram encomendas, já enviou peças para a Suíça e o Brasil. Há exposições em perspetiva e Jo quer abrir um site. Sem pressão. “No meu projeto, não tenho pressa nenhuma, quero manter o rigor, que cada peça seja feita com todo o carinho e dedicação. Quero crescer, mas com consistência e com qualidade.” E abrir horizontes. “Quero trazer a arte para o quotidiano das pessoas, que a usem no dia a dia.”

Há um plano com caretos a marinar na sua cabeça. “Cá em cima, cada freguesia tem o seu careto e as suas particularidades. Tenho andado a descobrir e a recolher informações”, revela. Gostaria de retratar cada careto com máscaras e materiais diferentes: “Quero dedicar o meu trabalho a essa cultura que é tão rica e tão espetacular que não pode morrer.”