Cefaleia suicida: dor de cabeça intensa, repetitiva, dolorosa

A cefaleia em salvas não tem cura e ainda não é possível evitar que um doente sofra um surto

Atinge sempre um lado da cabeça, normalmente na zona orbital, e, geralmente, ocorre nos mesmos horários e repete-se mais do que uma vez por dia. Desconhecem-se as causas e não tem cura. O Dia Mundial da Cefaleia em Salvas assinala-se a 21 de março.

É uma dor extremamente intensa e repetitiva que atinge sempre um lado da cabeça, normalmente na zona orbital. Repete-se mais do que uma vez por dia e surge, habitualmente, durante o sono, logo após adormecer ou ao despertar. Atinge mais os homens do que mulheres e um doente tem, em média, 15 crises por mês, com repercussões expressivas na qualidade de vida. É um tipo raro de dor de cabeça. O Dia Mundial da Cefaleia em Salvas assinala-se neste domingo, 21 de março.

O que é uma cefaleia em salvas? Em primeiro lugar, é uma entidade única em medicina com características particulares muito distintas das dos outros tipos de dores de cabeça. “Nesta cefaleia, a dor é muito intensa, surge apenas num lado da cabeça, e sempre do mesmo lado, geralmente no olho ou à volta dele. Dura pouco tempo, entre 15 minutos e três horas no máximo, em média uma hora”, explica Elsa Parreira, médica do Serviço de Neurologia do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, membro da Sociedade Portuguesa de Cefaleias. Surge associada a outras manifestações que aparecem do mesmo lado, juntamente com a dor, ou seja, o olho pode lacrimejar ou ficar vermelho, a pálpebra pode descair, a pupila do olho pode ficar mais pequena e a narina desse lado pode entupir.

O nome deve-se ao facto de surgir em “salvas”, isto é, por surtos, com períodos em que as dores ocorrem de um modo repetido todos os dias, o chamado período de salvas, que dura entre um e dois meses, alternando com períodos prolongados de meses ou anos em que as crises desaparecem por completo, os chamados períodos de remissão. Esta cefaleia tem padrão cíclico único: as dores aparecem a horas certas, à mesma hora de dia para dia – o mais frequente durante a noite, à uma ou duas horas da madrugada. Tem também um ritmo anual, surgindo em certas alturas específicas do ano, com predileção para os meses do outono.

Os doentes descrevem a dor como se estivessem a introduzir um ferro em brasa no olho ou como arrancar o olho por dentro

“A dor desta cefaleia, embora de relativa curta duração (no máximo até três horas), é muitíssimo intensa, excruciante mesmo, constituindo uma das dores mais penosas conhecidas pela espécie humana, comparável, por exemplo, às dores do parto. Durante as crises, o doente encontra-se habitualmente agitado, querendo ficar isolado, não tolerando estar quieto, numa tentativa desesperada para aliviar o sofrimento”, revela a especialista. “Há mesmo alguns casos descritos de pessoas que tentaram o suicídio durante uma crise, tão violenta é a dor – daí também ser conhecida por cefaleia ‘suicida'”, acrescenta.

A origem da cefaleia em salvas ainda não é conhecida. Sabe-se que os fatores genéticos estão envolvidos, já que é muito mais frequente, cerca de 30 vezes mais, nos familiares dos doentes do que na população geral. O cérebro tem um “relógio biológico” numa estrutura, no hipotálamo, que informa quando devemos estar acordados e quando devemos estar a dormir. Este relógio natural está alinhado com o ciclo de luz e de escuridão do planeta e controla todos os ritmos biológicos do organismo. Numa crise de cefaleia em salvas, Elsa Parreira adianta que “há a ativação e a intervenção desta região do cérebro na sua génese o que, de algum modo, poderá explicar o padrão rítmico das crises e o aparecimento das salvas em determinados meses do ano, em relação com a variação do número de horas de luz solar”.

Ao contrário da maioria dos outros tipos de dor de cabeça, é muito mais frequente nos homens do que nas mulheres. Não se sabe porque assim é. No entanto, nas últimas décadas, verifica-se que essa diferença entre géneros tem vindo a diminuir.

A cefaleia em salvas é relativamente rara. Estima-se que cerca de 13 mil portugueses sofram desta doença

A cefaleia em salvas não tem cura e ainda não é possível evitar que um doente sofra um surto. “No entanto, existem já vários tratamentos que permitem obter melhorias significativas. Estas cefaleias, muitas vezes, não respondem aos analgésicos ou anti-inflamatórios que utilizamos para tratar outras dores de cabeça. Para o tratamento agudo, abortivo, ou seja, aliviar a dor quando ela se instala, uma das medidas mais eficazes é a utilização de oxigénio de alto débito. Os triptanos (fármacos desenvolvidos para tratamento das crises de enxaqueca) são também bastante eficazes.”

Como tratamento preventivo, para encurtar a duração do período de salvas, utilizam-se medicamentos que são tomados diariamente durante períodos de várias semanas. “Como as crises surgem muitas vezes durante a noite, esta patologia afeta de um modo muito significativo o sono dos nossos doentes. É importante que mantenham hábitos regulares de sono (o sono desencadeia as crises) e que evitem, nos períodos de salvas, ingerir qualquer tipo de bebidas alcoólicas (mesmo em pequenas quantidades), pois isso vai desencadear uma crise. Também o exercício físico ou viagens de avião (na aterragem ou descolagem) podem provocar um episódio”, sublinha.

Esta doença pode manifestar-se entre os 20 e os 40 anos de idade, afetando pessoas especialmente em idade produtiva, e atinge cerca de uma pessoa em cada mil, afetando assim cerca de 4% da população mundial. É uma patologia que importa diagnosticar precocemente para iniciar o mais cedo possível a terapêutica adequada que permita aliviar o sofrimento que provoca.

No sentido de alertar para o impacto, bem como clarificar os principais sintomas das cefaleias em salva, a Sociedade Portuguesa de Cefaleias e a MiGRA Portugal – Associação de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias organizam no dia 21 março, pelas 18h, o Facebook live – Cefaleias em Salva em Diálogo. Esta iniciativa junta profissionais de saúde e doentes e tem como principal objetivo assinalar o dia, esclarecer os participantes, e partilhar experiências.