Campanhas eleitorais. Mudam-se os tempos, mantêm-se as fórmulas

Os estrategas políticos decalcam métodos do passado, repetem receitas, usam meios tradicionais. Outdoors, cartazes, slogans, debates, folhetos nas caixas do correio. Nada é feito ao acaso. O foco está no eleitorado, envelhecido e pouco dado ao digital, e o palco mediático é a melhor montra. Não há que inventar. É baralhar e voltar a dar.

Encontrar um cabeça de lista a uma junta de freguesia às 11 da noite num escadote a pendurar cartazes, num bairro de Lisboa, é cada vez mais raro. António Costa Pinto, politólogo, investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, deparou-se com esse cenário há poucas semanas, o que, admite, não é muito habitual nos dias que correm, sobretudo numa grande cidade – neste caso, na capital. Os tempos mudaram, as campanhas eleitorais nem por isso. Meios e ferramentas de outrora, temas do costume, estratégias de sempre. Os recandidatos insistem na obra feita, os que tentam um lugar denunciam fragilidades. Não há pólvora para descobrir? “Há muitas dimensões que o público, e alguns analistas menos afoitos, pensam que são dimensões arcaicas de publicitação política, mas têm de pensar que as campanhas remetem para a natureza da sociedade e para os meios considerados mais úteis”, adianta Costa Pinto.

Uma campanha é como um ovo. A casca é a comunicação política, o que está dentro é o candidato e o seu partido. A analogia é de Edson Athayde, criativo, um dos publicitários mais premiados do nosso país, especialista em marketing político. É preciso partir ou descascar o ovo, garantir que o candidato é conhecido e reconhecido, que o discurso passa, que as mensagens são entendidas, que os suportes são acessíveis ao eleitorado. É necessário perceber as características geográficas, demográficas, culturais, temporais. “É uma história em contínuo”, refere Edson Athayde.

(Foto: Carlos Manuel Martins/Global Imagens)

Nada muda do dia para a noite. “Temos campanhas do século XX quando já estamos em XXI”, observa Marina Costa Lobo, politóloga, comentadora política, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, uma das fundadoras do Projeto de Estudos Eleitorais Portugueses. Campanhas eleitorais afastadas do mundo digital, em contracorrente com o que se passa na Europa e nas democracias globais. “Tem a ver, em parte, com especificidades do nosso eleitorado que é muito envelhecido e não tem a mesma adesão e interação com as redes sociais.” A anos-luz das estratégias políticas dos Estados Unidos, que usam as redes sociais até ao tutano.

André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, vê campanhas tradicionais, ferramentas que não mudam, mas não desgarradas da realidade. “Temos um eleitorado cada vez mais envelhecido e os mais velhos tendem a votar mais. E há menos jovens e os jovens votam menos.”

Os estrategas políticos estudam o eleitorado ao detalhe. Quais os segmentos a atrair, os suportes mais fortes, mais televisão, sobretudo a televisão. “As campanhas apostam nos meios mais tradicionais e não fazem muito para cativar os mais jovens que veem menos televisão e usam mais as redes sociais”, sublinha André Azevedo Alves. “As campanhas estão racionalmente ajustadas à realidade dos eleitores que temos”, acrescenta.

(Fotos: Fernando Fontes/Global Imagens )

Nos últimos 20 anos, lembra Costa Pinto, as campanhas são entregues a agências de comunicação, que tratam das estratégias, do design, dos meios. Aumenta a profissionalização, tudo é pensado ao milímetro para convencer quem vota, tudo adaptado ao contexto, se é um partido grande ou pequeno, se está ou não implementado. “Uma campanha da Califórnia não é igual à de Fornos de Algodres”, comenta o politólogo. O exagero faz sentido porque tudo importa, tudo interessa.

Slogans, beijos, abraços, e a abstenção

Gisela Gonçalves, professora de Comunicação Estratégica, docente no mestrado e doutoramento de Ciência Política da Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, investigadora do LabCom da mesma faculdade, vê a mesma receita nas campanhas assessoradas por gente que analisa o comportamento do eleitorado – e os baixíssimos 5% de quem procura informação política na Internet não são um pormenor insignificante. “Desenvolvem-se estratégias tendo em conta o eleitorado português e um perfil envelhecido, e há essa preocupação de continuar a conversar com os portugueses onde eles estão”, constata. Por isso, não há uma inversão nos hábitos e nas estratégias.

O país está em campanha eleitoral para as autárquicas. Com a pandemia, menos contactos físicos, menos beijos e abraços, menos selfies, menos imagens da praxe que ficam sempre bem na fotografia. “A bazuca tem servido de âncora às mensagens dos partidos do poder e há partidos que tentam mostrar alguma originalidade”, repara a professora universitária. Seja como for, dá-se tudo até à última. “Há muitos estudos que indicam que as campanhas políticas, sobretudo na reta final, são importantíssimas para convencer os indecisos, os mais voláteis”, acrescenta.

(Foto: Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)

As campanhas não começam duas semanas antes das eleições, os políticos ocupam o espaço mediático o ano inteiro, sobretudo nas televisões, muitas vezes sem contraditório. “É na televisão que se faz campanha e a campanha é permanente, acontece todos os dias em horário nobre, com os partidos políticos a explicar a realidade”, realça Marina Costa Lobo. E, a seguir, coloca o dedo na ferida. “Sabemos que este modelo é confortável para os líderes políticos e que tem presidido a um aumento da abstenção. Esta forma de comunicar não conduz à participação, não mobiliza o eleitorado.” São factos demonstrados em percentagens. Nas últimas legislativas, em 2019, a taxa de abstenção atingiu os 51,4%, quatro anos antes, em 2015, foi de 44,1%, em 2011 de 41,9%. Nas presidenciais, a abstenção é ainda maior, 60,8% nas deste ano, 51,3% em 2016. As autárquicas são as mais participadas, ainda assim com uma taxa de abstenção de 45% em 2017 e 47,4% em 2013.

As campanhas não são eficazes? O eleitorado não está sensibilizado para votar? “É preciso reconhecer que esta forma de comunicar não é eficaz, seja a nível das presidenciais, das legislativas, das autárquicas, das europeias. A abstenção continua a aumentar”, insiste Marina Costa Lobo. E dispara nas eleições europeias: 69,3% de abstenção em 2014. Ou seja, mais de metade do eleitorado não vota para os representantes portugueses no Parlamento Europeu. “Tenho sérias dúvidas de que os cartazes, de que os slogans, tenham qualquer tipo de impacto do que o ruído visual.”

(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

E os slogans? Para André Azevedo Alves, são simples e básicos, encaixam em todos os candidatos, independentemente do partido, sem que se notem diferenças. “Nas autárquicas, o estilo é muito similar, concentrado na imagem do candidato, slogans sem conteúdo programático-ideológico, que trocados de candidatos funcionariam na mesma – ‘mais disto’, ‘melhor daquilo’, ‘vamos mudar’, ‘vamos fazer’.” Trabalha-se em várias frentes, insiste-se na obra feita, atraem-se votos de protesto, radicalizam-se discursos, moderam-se intervenções, recuperam-se assuntos adormecidos, explora-se o cansaço de segmentos da população.

Nada de muito novo, portanto. “A mensagem é muito mais centrada no elemento de personalização do que propriamente em medidas e propostas concretas”, reforça André Azevedo Alves. “E o grau de envolvimento dos eleitores vai muito pouco além de saber quem é o candidato e de terem uma impressão positiva ou negativa em relação a ele.”

Redes sociais, debates, sondagens

Uma campanha é um ovo e é uma orquestra de persuasão que entra em palco com vários instrumentos. Um candidato surge estampado num cartaz e em todo o lado. Sintoniza-se a rádio e ouve-se algo sobre ele, aparece na televisão, numa notícia no jornal, nas redes sociais. O objetivo é que esteja sempre no radar pelas melhores razões.

(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

O que não quer dizer que tudo fique na mesma. “Margem para inovar sempre há, como sempre houve. Tudo pode ser feito, inventado, reutilizado. Suportes novos, meios novos, plataformas novas”, garante Edson Athayde. Inovar é preciso. Ponto. “As coisas que funcionavam antes não funcionam hoje do mesmo jeito”, avisa. Todavia, se um candidato às autárquicas achar que faz sentido andar de porta em porta, e se isso funciona, então o melhor é sair à rua. O estratega da campanha de António Guterres em 1995, com o slogan “Razão e coração”, considera que o pouco investimento nas redes sociais, sob o pretexto de um eleitorado envelhecido, não faz sentido e não pode ser usado como desculpa em Portugal. “Uma página no Facebook, uma conta no Twitter, usar o Instagram, podem dar um colorido à campanha.”

Edson Athayde adianta, por outro lado, que os candidatos dos partidos extremos, que procuram mais notoriedade, arriscam mensagens diferentes e mais agressivas que podem não ser lidas ou compreendidas à primeira. Os candidatos mais conhecidos, de partidos com maior expressão, apostam numa comunicação mais neutra ou mais pacífica. “É assim que funciona.”

Todos concordam que as sondagens são necessárias como um elemento informativo que retrata evoluções e tendências. “São importantes momentos de auscultação do eleitorado. São úteis para se compreender, no momento, o que é o sentimento geral do eleitorado”, refere Marina Costa Lobo. Edson Athayde realça-lhe as virtudes. “As sondagens são muito importantes, mais do que aquilo que parece, e deviam ser mais utilizadas do que são.” Em seu entender, todos os partidos deviam recorrer a essa ferramenta e divulgá-las, como forma de testar mensagens, o que mudar, o que ajustar, como furar um bloqueio que exista. “Qualquer transparência é melhor do que a opacidade.” As sondagens, segundo o publicitário, também são benéficas para o eleitorado. “Ajudam as pessoas a ter opções mais bem formadas e mais bem informadas.”

“As sondagens são fundamentais, são o elemento da profissionalização”, indica Costa Pinto. Para Gisela Gonçalves, são sobretudo importantes para quem faz campanhas porque, realça, “são um indicador, um termómetro de tendências.” O candidato está a descer ou está a subir?

(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

Interessam e continuam a interessar. “Há indicadores complementares que não substituem, e não é previsível que venham a substituir, as sondagens”, assegura André Azevedo Alves, que tem dúvidas de que as sondagens deem leituras inequívocas. Tanto podem ser usadas para um lado como para o outro. “O que mobiliza de um lado pode desmobilizar do outro, o que desmobiliza de um lado pode mobilizar do outro.”

A campanha autárquica está na rua e no próximo domingo, dia 26, os portugueses são chamados a votar. São eleições locais com leituras nacionais e, mediante os resultados, poderão rolar cabeças. Assim foi, assim será.