Bichectomia: a moda das maçãs do rosto salientes

A cirurgia plástica que torna as maçãs do rosto mais salientes e ultraesculpidas está a tornar-se popular

Tendência importada do Brasil e dos EUA está a ganhar cada vez mais adeptos em Portugal. A cirurgia que torna o rosto mais fino é praticada por médicos e dentistas. E não é isenta de riscos.

“Desde pequenina que tinha umas bochechas enormes. Era muito bochechuda. Nem sabia que era possível mudar. ” Inês Brusselmans foi eleita Miss Portuguesa em 2019 e foi nos concursos de beleza que começou a ouvir falar de bichectomia, quando muitas colegas lhe mostravam imagens do antes e depois. E rendeu-se. Não sem ponderar muito. Levou dois anos a tomar a decisão, já depois de ter feito uma rinoplastia.

A cirurgia plástica que torna as maçãs do rosto mais salientes e ultraesculpidas está a tornar-se popular e a ganhar cada vez mais adeptos lá fora e também em Portugal. Inês tem 25 anos, fez a intervenção há um ano. Na clínica FMR, em Lisboa, pediram-lhe para pensar bem. “Podia fazer algo menos invasivo, como pôr ácido hialurónico nas maçãs do rosto. Testei isso, mas decidi avançar para uma solução permanente e foi a melhor decisão que tomei.” Conseguiu o rosto fino com que tanto sonhava. “Não é uma coisa que se note imediatamente. Eu própria só tomo consciência das diferenças quando vejo imagens minhas antigas. É uma diferença subtil, não se deteta na rua que uma pessoa fez uma bichectomia.”

O tempo que levou a ganhar coragem deu-lhe margem para pensar a longo prazo. “É uma cirurgia que é não para todas as pessoas. Porque perdemos esta gordura com o tempo e não queria ficar com um ar cadavérico no futuro. Mas olhei para a minha mãe e avó e elas continuam a ter bastante bochecha.” A intervenção é rápida, a recuperação leva pouco mais de uma semana. E não deixa cicatrizes visíveis. “No pós-operatório, nem tive dores. Segui à risca as recomendações: aplicar muito gelo, desinfetar bem a boca, beber líquidos.”

Tirar gordura da bochecha

A bichectomia consiste em retirar a gordura da bochecha, as chamadas bolas de Bichat, presentes em cada lado da boca, mesmo abaixo das maçãs do rosto. “Permite projetá-las e tornar a zona mais abaixo côncava. Para criar aquele sulco associado aos padrões de beleza”, explica Liliana Reis, cirurgiã plástica na clínica FMR. “É uma incisão por dentro da boca, ao nível da parte interna da bochecha, em que é removida parcial ou totalmente essa bolinha de gordura.” Mas essa gordura não é necessária? “Não se acredita que tenha uma função específica. Acaba por ser uma almofada de gordura que permite diminuir o atrito.”

A tendência chegou à boleia da imigração de brasileiros e também das estrelas de Hollywood, aonde a moda começou há pouco menos de uma década.

E transformou aquilo que era um procedimento raro – existia só por razões funcionais para pessoas que mordem muito a bochecha – numa cirurgia crescentemente popular. Só em 2020, a clínica FMR fez 34 bichectomias.

“A procura mais do que tem duplicado a nível mundial. E Portugal tem vindo a sentir um crescimento brutal. É procurada por mulheres e raparigas jovens que sentem que têm o rosto gordo e chegam com imagens de cantoras ou atrizes”, revela Liliana Reis. É ambicionada a partir dos 14 anos até aos 40. “Mas antes dos 18 não é aconselhável.” Uma moda que tem crescido, a par da lipoescultura, em que se retira gordura de uma determinada parte do corpo para pôr noutros sítios, sobretudo nos glúteos.

A longo prazo, pode trazer uma aparência mais envelhecida. “Com o envelhecimento, e a natural perda de gordura, pode acontecer. É preciso avaliar bem. Uma pessoa que já tem a cara encovada, vai agravar isso”, sublinha a cirurgiã plástica.

Procura em dentistas dispara

Atualmente, a bichectomia já não é exclusivamente praticada por médicos especializados em cirurgia plástica. Os médicos-dentistas já a fazem. É o caso de Bruno Costa, que faz procedimentos estéticos desde 2012, quando começou a dedicar-se à cirurgia oral. “A estética e a medicina dentária andam juntas há algum tempo. Já se faziam preenchimentos faciais ou correção do sorriso gengival. É uma discussão antiga, mas acabamos por ter mais prática na zona da face, cabeça e pescoço. Só que falta formação em Portugal para dentistas nesta área.”

Inês Brusselmans foi eleita Miss Portuguesa em 2019

Em 2020, a procura disparou. “Fiz seguramente umas 15 a 20 bichectomias. Antes, fazia uma a duas por ano. Tem muito a ver com esta fase de estarmos a olhar mais para nós.” Mas Bruno Costa raramente a aconselha, prefere intervenções não invasivas, como a toxina botulínica, que dá a mesma ilusão, quanto mais não seja para a cliente ensaiar o resultado final. “As pessoas têm expectativas elevadas. Acham que vão ficar com aquele sulco definido, com mais definição do malar. Isso vai acontecer, mas de forma ligeira, não será extremamente evidente.”

Elsa Birnbaun, dentista em Madrid, deu formação em 2019 a colegas espanhóis e portugueses sobre a intervenção. E admite: “Está muito popular em Espanha agora, cinco em cada dez pessoas que perguntam sobre a bichectomia acabam por fazê-la”.

Risco de paralisia

Apesar de ser uma cirurgia aparentemente simples, acarreta riscos. As bolas de Bichat ficam muito próximas do canal salivar que, se for lesado, pode dar complicações, segundo Liliana Reis, “com saliva a sair de zonas de onde não é suposto”. Também ficam próximas do nervo facial, responsável pela sensibilidade na zona da face e pela mobilidade. Se não for feita por profissionais experientes, pode resultar em paralisia facial. O alerta é de Sofia Santareno, cirurgiã plástica na Dr. Pure Clinic, que garante haver “vários casos em Portugal de paralisias faciais provocadas por bichectomias”.

De acordo com a médica, “este é talvez o ato cirúrgico que está a ser praticado mais por não-médicos ou por médicos sem formação na área”. Chama-lhe “moda brasileira”. E critica o facto de alguns dentistas também a fazerem. “A cirurgia deve ser feita por um médico com especialidade na área. Um estomatologista, um cirurgião maxilofacial ou um cirurgião plástico. Mais ninguém está habilitado a fazê-lo. E os preços cobrados por dentistas ou gente ligada à estética são ridículos comparando com o risco.”

A intervenção pode custar desde os 350 euros num dentista. Num cirurgião plástico, varia entre os 2 500 e os 3 500 euros, dependendo das características da pessoa e se é feito com anestesia local ou geral. A médica diz que a anestesia geral acarreta menos riscos. E deixa um conselho: “Antes de o fazerem, procurem na Ordem dos Médicos se a pessoa é efetivamente médica. Peçam documentação do registo na Entidade Reguladora da Saúde. E recibo, sempre”.

Inês Brusselmans deixa o mesmo aviso: “Quando as pessoas têm alguma insegurança e têm possibilidade de a alterar, acho que o devem fazer depois de ponderar bem e pesquisar muito. Nunca fiz nenhuma cirurgia sem ver 30 vídeos e procurar o melhor médico. Uma coisa é certa, aumenta realmente a autoestima”.