Associação Música Portuguesa a Gostar Dela Própria e a guardar histórias

Tiago Pereira foi ganhando avós adotivos neste trajeto

Tiago Pereira adaptou o seu projeto à pandemia e continua a gravar canções, rezas, romances e danças de norte a sul do país. E ganhou um prémio.

Tiago Pereira, realizador, documentarista e radialista, e a sua equipa da Associação Música Portuguesa a Gostar Dela Própria cuidam da memória coletiva. Preservam a essência, o miolo, e mostram o que lhe corre nas veias. Com tempo, sem pressas. Percorrem o país em busca de canções, rezas, cantes, saberes, responsos, benzeduras, ofícios, danças, gastronomia, estórias de vida. Registam e partilham esse rico património que resiste desde 2011.

Gravam tudo porque tudo tem valor. Com a pandemia, o projeto moldou-se às circunstâncias para continuar o trabalho em campos e quintais, às janelas, ao ar livre. O impacto é outro, uma vez que, como refere Tiago Pereira, “o Mundo não estava fechado”.

Em junho, Fausto Graça tocou “A canção da Lousã” na sua concertina em Vila Nova de Poiares. Em agosto, Cecília Lavado e Maria Augusta cantaram “Vou dizer ao rio” em Montemor-o-Velho. Em dezembro, João Verdugo, Joana Dimas e José Marcelino Carlinhos dividiram a canção “Saias a trio” em Sousel. Testemunhos genuínos e generosos. Durante a pandemia, o projeto andou por Vila Nova de Poiares, Mértola, Sousel, Montemor-o-Novo, Montemor-o-Velho, Borba, Alandroal, Arraiolos, Lousã, Castelo Branco. E prossegue caminho.

Tiago Pereira, que foi ganhando avós adotivos neste trajeto, garante que há muita gente pelo país que precisa de ser ouvida. Entendida, percebida. “Não interrompemos silêncios. As pessoas podem ter lapsos de memórias e não devem ser interrompidas.” Cada um tem a sua própria narrativa, cada qual a seu tempo. “Documentámos esses momentos mágicos”, conta o mentor e diretor artístico do projeto. E há milagres neste processo de escuta social. O relembrar, o voltar atrás, a luz de despertar o passado, a alegria de recordar antepassados. “Repetimos pessoas, voltamos ao mesmo sítio. Pessoas que estão sozinhas e que, naquele momento tão especial, dizem o que querem dizer.” Com toda a disponibilidade. Com amor.

O projeto mudou ligeiramente o nome para “A música portuguesa, à janela, a gostar dela própria” e os propósitos mantêm-se. O exercício de recuperação da memória, esta forma de combater o isolamento e a solidão, esta vontade de manter vivos saberes e práticas ancestrais, conquistaram o mais recente Prémio Maria José Nogueira Pinto. Por todo o trabalho de coesão social através da construção de um precioso registo desse património de tradição oral e de uma memória coletiva. E não só. Pelo combate ao isolamento e à solidão. Porque é preciso preservar a cultura popular, guardar fragmentos da memória de um povo, e bater o pé ao preconceito que ainda existe contra os mais velhos. À janela ou em qualquer lugar, Tiago Pereira filma e grava sons dos outros que são de todos nós.