As relações superficiais também são necessárias ao bem-estar

É positivo estarmos inseridos num ambiente físico e social agradável

Sozinhos somos frágeis. Precisamos uns dos outros, sobretudo daqueles que amamos. Mas as relações mais superficiais e esporádicas, seja com conhecidos ou até com estranhos, são essenciais para o nosso bem-estar e para aceder a recursos e conhecimentos que, de outro modo, nos estariam vedados.

Os nossos dias são povoados de dezenas de pequenas interações: a conversa sobre o tempo com o senhor do café ou com o motorista do táxi, o sorriso trocado no elevador com a colega de trabalho que conhecemos mal, a saudação dirigida ao vizinho de cima antes de entrarmos em casa, a troca de mensagens numa plataforma virtual com um ex-colega de escola ou com alguém que partilha os mesmos interesses. Todas estas pessoas fazem parte da nossa rede social – aqui no sentido sociológico do termo: a estrutura composta por pessoas ligadas entre si através de vários tipos de relações – e não restrito às plataformas sociais virtuais, que popularizaram o termo.

E estas relações, tradicionalmente chamadas de laços fracos, tantas vezes subestimadas, são mais importantes do que parecem à primeira vista. “As pessoas que são nossas conhecidas são fundamentais porque permitem ultrapassar as barreiras sociais e chegar a mundos diferentes daqueles que habitamos com aqueles que nos são próximos”, destaca Sílvia Portugal, socióloga e Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que tem usado a teoria das redes para discutir as relações entre sistemas formais e informais de produção de bem-estar. “Os nossos parentes e os nossos amigos, em geral, conhecem e experienciam as mesmas realidades que nós, daí a importância de ‘conhecer alguém que conhece alguém’”, sublinha.

Esta medição da força dos vários tipos de laços sociais e do contributo de cada um deles foi desenvolvida pelo sociólogo americano Mark Granovetter. Os seus trabalhos iniciais mostram, desde logo, que este tipo de laço permite estabelecer pontes entre diferentes grupos sociais: as pessoas conseguem, com cada um deles, aceder a mundos que lhes estariam vedados apenas através da sua rede de relações próximas. “Granovetter mostrou como, quando alguém procura um emprego, os laços fracos são mais eficazes do que os laços fortes porque permitem sair do meio social em que o indivíduo se insere e aceder a informações e contactos que se situam noutros meios. O mesmo parece ser verdade quando se procura um apartamento”, pormenoriza a investigadora.

Esta ideia de como podemos abrir horizontes e chegar a outros, através da lógica de “conhecer alguém que conhece alguém”, foi explorada nos anos 1960, pelo psicólogo americano Stanley Milgram, que conduziu uma experiência que ficou conhecida como “small world studies”. Ele pediu a vários habitantes de Boston e do Nebraska que fizessem chegar um dossiê a um corretor de Boston, dispondo apenas do seu nome, da cidade onde morava e da sua profissão. Os participantes podiam usar o correio e passar a encomenda a um intermediário que tivesse mais probabilidade de conhecer o homem em questão, e assim sucessivamente. Entre os 217 participantes, 64 dossiês chegaram ao destino através de cadeias de contacto de tamanho variável, mas cuja média era de 5,5 intermediários. Apesar de Milgram nunca ter usado esse número nem o termo, acabaria por popularizar-se a famosa ideia dos “Seis graus de separação”, que alega que são necessários no máximo seis laços de amizade ou conhecimento para ligar quaisquer duas pessoas no Mundo.

Contornar obstáculos, descobrir oportunidades

“A um colega de trabalho não se pede dinheiro emprestado para comprar um carro, como se pede a um irmão, mas pode pedir-se para falar com a mulher que trabalha no hospital para marcar rapidamente uma consulta que demora três meses pelas vias formais. A um vizinho não se pede para vir ajudar a limpar a casa, mas pergunta-se se há algum emprego disponível no sítio onde ele trabalha”, detalha Sílvia Portugal.

É a conjugação de possibilidades a que se acede através destes vários tipos de relações, dentro da nossa rede social, que permite ao indivíduo dispor de um capital social que, por um lado, lhe oferece a estabilidade e as garantias dos laços fortes e, por outro, a diversidade e novidade dos laços fracos, só possível pela natureza episódica da relação. “Quando dois amigos ou antigos colegas de escola se encontram depois de vários anos sem se verem têm muito para partilhar”, exemplifica.

Todas estas possibilidades de interação estão hoje muito mais ampliadas com plataformas online como o Facebook, LinkedIn, Twitter e Instagram, que trouxeram o conceito de sociabilidade desterritorializada, ou seja, sem fronteiras físicas ou geográficas. “O virtual está muito mais suportado numa ideia de pertença, seja a um grupo de interesse ou a uma comunidades”, explica Inês Albuquerque Amaral, professora na Universidade de Coimbra e investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, onde que tem desenvolvido investigação sobre a sociabilidade nas redes online.

“No digital, o ‘aqui e agora’ tradicionais, bem como o tempo e o espaço tradicionais, são substituídos pelas lógicas de ligação e de conexão.” Isso faz com que os laços fracos tenham um papel muito importante nas comunidades online. “A multiplicidade dos laços fracos é quase uma condição do digital, das plataformas de média social e de redes sociais. As pessoas não só se relacionam com pessoas que não conhecem, como se relacionam com conteúdos. Isto permite aumentar a conectividade das pessoas, aumentar a sua esfera de acesso a diferentes conteúdos e pessoas, permite também que a distribuição das ligações que as pessoas sejam mais heterogéneas”, diz a investigadora.

O princípio das redes sociais online, de resto, é precisamente esse: para que mantenham e expandam, precisamos de interagir com conhecidos, amigos de amigos, pessoas com interesses comuns e mesmo desconhecidos. É por isso que o Facebook faz sugestões de amizade com base em amigos comuns e, no LinkedIn, podemos ver a quantos contactos de distância estamos de alguém – tornando-o numa espécie da teoria dos “Seis graus de separação” com manual de instruções.

Os contactos com os conhecidos ou mesmo com estranhos não são apenas úteis para resolver coisas que precisamos, conseguir um favor ou ter novas informações. São uma parte importante do nosso bem-estar e têm o poder de mudar o nosso humor.

O “Efeito Benjamin”

A cientista comportamental Elizabeth Dunn, professora na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, descobriu o porquê depois de sentir necessidade de responder a uma perplexidade da sua vida: o namorado Benjamin sentia-se livre para exprimir mau humor com ela, mas se fosse forçado a interagir com um estranho ou conhecido, animava-se imediatamente, conta a investigadora num artigo de opinião no “The New York Times”. E, como consequência do seu comportamento mais agradável nesta relação com os outros, o mau humor esbatia-se. Experiências em laboratório com uma série de outros casais permitiram concluir que a maioria apresentava este “efeito Benjamin”: as pessoas agiam mais alegremente perto de alguém que acabavam de conhecer do que perto do parceiro romântico. E deixava-as também mais bem-dispostas.

Mais tarde, Elizabeth Dunn fez um novo estudo na área da importância das interações sociais ocasionais e percebeu que coisas tão simples como sorrir, fazer contacto visual ou dar dois dedos de conversa com a pessoa que nos vende o café têm um enorme potencial para nos fazer experimentar um sentimento de afeto positivo. “Todos os dias, temos oportunidades de transformar trocas potencialmente impessoais e meramente instrumentais em relações sociais genuínas e a literatura sobre a felicidade sugere que podemos colher benefícios fazendo isso”, escreve no artigo “Será a eficiência sobrevalorizada? Como interações sociais mínimas levam ao sentimento de pertença e afeto positivo”, publicado no “Social Psychological and Personality Science”.

Neste campo interpessoal, a questão principal não é “a quantidade de interações, mas a qualidade das interações”, defende Paulo Vitória, psicólogo, doutorado em Psicologia Social e professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. O investigador, que pertence ao H4A – Health for All (Saúde para todos: uma abordagem psicossocial), do ISCTE-IUL, argumenta que apesar de o nosso equilíbrio emocional e mental assentar nas nossas relações mais significativas, “a dinâmica das relações mais superficiais também tem importância.” O psicólogo alega que apesar de as relações com estranhos serem um potencial foco de tensão, pela incerteza que geram, “se forem positivas, reforçam a nossa confiança, o nosso bom humor e a nossa autoestima”.

Segundo o investigador, é positivo estarmos inseridos num ambiente físico e social agradável. “E, em parte, essas relações são um eco de nós próprios: quando são positivas sentimo-nos bem com os outros e, principalmente, connosco próprios. É um processo que se alimenta a si próprio.” É por isso que, segundo Paulo Vitória, vale a pena fazer um esforço para encarar essas interações breves e ocasionais com uma boa atitude e com respostas positivas. “Para que o eco nos traga de volta as ‘boas energias’.”