As máscaras, o olho seco, e a irritação ocular

O olho seco manifesta-se por um conjunto de sinais e sintomas inespecíficos

O aumento do fluxo do ar contribui para a evaporação do líquido lacrimal que seca a superfície ocular. O olho fica irritado e inflama. E as máscaras não ajudam. É um desajuste, é um problema de saúde pública.

É uma regra global. A utilização da máscara facial é essencial para evitar a transmissão do coronavírus. E o que acontece à saúde ocular? “A irritação ocular associada ao uso da máscara é muito frequente e mais exuberante em pessoas com antecedentes de inflamação ocular e/ou de olho seco”, adianta José Salgado-Borges, médico oftalmologista, coordenador dos serviços de Oftalmologia dos Hospitais Privado da Boa Nova e de Dia da Maia.

O aumento de fluxo de ar acelera a evaporação contínua do filme lacrimal ao longo de horas, ou mesmo dias, traduzindo-se, inevitavelmente, num aumento excessivo da irritação e inflamação da superfície ocular. Por outro lado, devido a esse fluxo de ar, as lentes dos óculos embaciam – há quem coloque fita adesiva para evitar a propagação e convecção do ar. “Existem hoje lentes com características próprias e processos de limpeza simples e eficazes para diminuírem a dificuldade do uso de óculos nestas condições.”

O uso da máscara passou a fazer parte do quotidiano e a atenção ao olho exige mais cuidados. A irritação, segundo Salgado-Borges, deve ser combatida e evitada, já que “aumenta o risco de transmissão ocular do contágio, através da lágrima ou da superfície externa do olho.” Os sintomas, ou sinais mais frequentes, são a presença de olho vermelho persistente, comichão, ardência, sensação de picada ou de corpo estranho e, eventualmente, lacrimejo.

Um ambiente quente e seco, o uso frequente de aparelhos digitais, a idade e alterações hormonais, potencial o olho seco

As queixas de irritação ocular têm aumentado no último ano, pelo uso regular da máscara. Há outros fatores a acrescentar. “Também o uso e abuso dos aparelhos digitais nos dias de hoje, transversais ou não à utilização de máscara, culminam em cansaço ocular e desconforto acentuado”. Nesse sentido, segundo o especialista, deve adotar-se um posicionamento adequado, manutenção dos monitores abaixo do nível dos olhos, pestanejar frequentemente para evitar a secura ocular. Seguir a regra dos 20-20-20 para reduzir a fadiga e o cansaço ocular. Ou seja, parar a cada 20 minutos durante 20 segundos e olhar a uma distância de 20 pés, isto é, cerca de seis metros.

No trabalho, há várias situações que potenciam a secura ocular. A utilização prolongada dos ecrãs, pestanejar menos. A exposição aos poluentes ambientais. O tabaco e o seu efeito na destabilização da película lacrimal. As viagens de avião. A humidificação deficiente e o aumento da evaporação da lágrima.

O oftalmologista descreve o que é olho seco. “É o desajuste entre a quantidade/qualidade da secreção lacrimal e as necessidades de lubrificação da superfície do olho. A lágrima forma uma película que recobre o globo ocular e a face interna das pálpebras, para que estas durante o pestanejo passem suavemente sobre o olho sem o ‘arranhar’ ou danificar, funcionando como o óleo de uma máquina.” E, alerta, “o ‘olho seco’ é um verdadeiro problema de saúde pública: mais de 15% dos adultos (cerca de 1 milhão e meio de portugueses) apresentam queixas de dor ou desconforto ocular na sequência desta condição.”

“A produção de lágrimas é igualmente afetada por fatores hormonais, sabendo-se que o olho seco é mais frequente nas mulheres após a menopausa”
Salgado-Borges

O olho seco manifesta-se então por um conjunto de sinais e sintomas inespecíficos, entre os quais estão a sensação de picada ou de corpo estranho, o ardor, o lacrimejo excessivo. “Na história clínica, deve procurar encontrar-se alguma relação entre essas queixas e fatores ambientais, uso de lentes de contacto ou toma de medicamentos, tais como antidepressivos, anti-hipertensores ou anti-histamínicos”, revela o médico.

Outro fator importante é a idade. Depois dos 60 anos, a produção de lágrimas é cerca de 25% da do jovem adulto. “A produção de lágrimas é igualmente afetada por fatores hormonais, sabendo-se que o olho seco é mais frequente nas mulheres após a menopausa”, acrescenta.

O que se pode fazer para evitar essas complicações e manter o olho saudável, tendo de usar máscara? “É crucial não esfregar os olhos protegendo a córnea e evitando dessa forma o risco de infeção.” No caso de haver aquela vontade imperiosa de mexer nos olhos, ou mesmo de ajustar os óculos, é necessário “usar um lenço de papel em vez dos dedos”. “É ainda fundamental alertar para o reforço dos cuidados básicos de higienização, como lavar frequentemente as mãos. Sempre que possível, no dia a dia, deve proceder-se à remoção temporária da máscara, pestanejar e, se possível, aplicar um colírio lubrificante”.

Na pandemia, é desaconselhável mexer na face, é crucial não esfregar os olhos, para proteger a córnea e evitar, dessa forma, o risco de infeção

A administração de lágrimas artificiais é crucial, embora tenha de haver cuidados com o uso de lágrimas artificiais com conservantes, que podem ter efeitos tóxicos e serem indutores de alergias, o que, por si só, pode agravar a situação de irritação ou olho seco.

“Nos casos mais severos, pode optar-se pela oclusão das máscaras com adesivos, de preferência antialérgicos, visando evitar a convecção do ar em direção aos olhos, amenizando, consequentemente as queixas provenientes da irritação corneana.” Também com os cuidados necessários. Quanto às máscaras, as mais indicadas são as que associam as características de uma proteção certificada a uma melhor ergonomia, relativamente à fisionomia facial. De preferência, que tenham uma prega metálica e moldável para melhor se adaptar ao dorso do nariz.

Todos os cuidados são poucos. Até porque a transmissão da covid-19 acontece, fundamentalmente, através das mucosas da boca, das fossas nasais e da conjuntiva ou mucosa dos olhos. “Numa altura em que o risco de infeção por SARS-CoV-2 impera, torna-se assim fundamental, por um lado não descurar o uso da máscara e, por outro, combater e evitar o risco de irritação ocular uma vez que nos leva ao ato continuado e desaconselhado de tocar na face o que pode levar à propagação deste vírus”, sublinha o médico oftalmologista.

“Por sua vez, não oferecendo uma segurança de 100%, os óculos de correção ou de sol protegem os olhos de gotículas respiratórias infetadas. Estando a prestar cuidados a um doente ou a uma pessoa suspeita de infeção, os óculos de proteção podem ainda oferecer adicionalmente uma defesa mais eficaz”, acrescenta o especialista.