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Terapias para homossexuais: chagas, fantasmas e traumas

Fotos: Maria João Gala/Global Imagens

António Serzedelo, 76 anos, fundador e ex-presidente da Opus Gay (Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

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António, só António, tinha seis anos quando uma pedopsiquiatra lhe disse que, por gostar de rapazes, ia encontrar pessoas más e apanhar doenças. António, António Serzedelo, levou com choques elétricos enquanto um psiquiatra lhe mostrava imagens de casais homossexuais. “Jorge” teve uma terapeuta a sugerir-lhe que aquele não era o melhor caminho. À segunda, teve medo e mentiu. Os meandros das supostas terapias de conversão e as tentativas de as criminalizar.

António, 22 anos (o apelido permanecerá oculto nestas linhas porque prefere poupar a família à exposição), teve “aqueles comportamentos que as pessoas consideram mais femininos” desde que se lembra de ser gente. “Brincar com bonecas, por exemplo.” Mas foi um momento familiar à volta da televisão, tinha ele seis anos, que lhe traçou o caminho. “A dada altura, vi um casal gay e disse que gostava de ser aquilo.” Jura que ainda tem presente a sensação de choque que essas palavras provocaram nos pais. Primeiro, nada disseram. Mais tarde, vaticinaram: “Vais falar com esta senhora.” A senhora, percebeu anos mais tarde, era uma pedopsiquiatra do setor privado, um nome que corria em certos círculos sociais. “E eu fui, claro. Era uma criança. Não foi uma opção.” A experiência não foi imediatamente aterradora. A princípio, houve empatia, palavras meigas, uma aparente tentativa de criar uma zona de conforto. Acabou a partilhar que gostava de rapazes. A confissão foi uma espécie de interruptor. O espaço que lhe chegou a saber a aconchego e liberdade fez-se afinal de uma hostilidade tamanha. “A partir do momento em que conseguiu que eu me abrisse, começou a retratar o que partilhei como algo mau, doentio, algo que eu não devia repetir. Fazia críticas fortíssimas, inclusivamente ao facto de passarem imagens daquelas [de casais homossexuais] nas televisões e aos efeitos que isso podia ter nas crianças.” O objetivo, perceberia mais tarde, não era a culpa, nem a reflexão, muito menos o amparo. Era somente o medo. “Dizia que se fosse por esse caminho ia encontrar pessoas que me iam fazer muito mal, que ia apanhar doenças, falou-me da SIDA, de abusos, coisas horríveis.”

O massacre durou dois anos. “O objetivo das sessões era claro: sair de lá a dizer que já não gostava de rapazes.” Com oito anos, António fez-lhe a vontade. “Se eu acreditei realmente no que estava a dizer? Não. Mas já tinha tanto medo daquela pessoa que achei melhor.” Livrou-se assim da “terapia”. Entre muitas aspas. E nunca mais falou do assunto. Com ninguém. Depois veio a puberdade, a explosão das hormonas, e tudo ficou mais difícil. A primeira pessoa a quem contou foi a uma amiga próxima, “entre duas horas de lágrimas”. Com 15 anos, meteu-se nas “redes sociais de engate gay”. Mesmo que teoricamente estas só estejam acessíveis a maiores de 18. Acha hoje que procurou ali uma bengala para a solidão. Uma certa forma de validação também. O arrojo saiu-lhe caro. “Se soubesse a quantidade de pessoas para quem o facto de eu ter 15 anos nunca foi um problema ia ficar chocada”, diz-nos, a angústia a enrolar-se a cada a palavra. Acabou vítima de abusos. De chantagens também. Andou nisto dois anos. Até a história se tornar caso de polícia e ter de envolver os pais. Hoje, à distância de meia dúzia de anos, discorre sobre os motivos que o levaram a andar mergulhado naquela zona sombria, e logo durante tanto tempo. “Acho que de alguma forma foi uma atitude de rebeldia, de provar a mim mesmo que era capaz de aguentar. E a dada altura acreditei mesmo que merecia tudo aquilo.”

Um conformismo perverso que, processou a posteriori, tinha muito que ver com os demónios que o acometeram naquele consultório, era ele catraio. “É claro que condiciona a forma como vês o Mundo a partir daí.” Assim que pôde, António “fugiu” para Madrid, para estudar Direito. “Muito por causa disso, sem dúvida.” É hoje assumidamente homossexual. Mas as marcas ficam. “A intimidade ‘romântico-afetivo-sexual’ é algo que ainda me custa muito. É difícil abrir-me. E não consigo ter algo tão simples e normal na minha idade como o sexo casual.” Entretanto, voltou a fazer terapia (desta vez, terapias a sério, sem qualquer intuito de suposta conversão), várias, mas o processo não tem sido fácil. “Já tive três terapias falhadas. Acabei por desenvolver uma desconfiança em relação a este ambiente dos ‘psico-tudo’.” E até já tentou fazer a catarse com os pais. Ainda que esta só tenha resultado com o pai. “Hoje arrepende-se imenso.” Com a mãe, a história é outra. “Ainda não admite que fez mal. E continua a dizer que não é homofobia, que só não quer que o Mundo me trate mal. Obviamente é uma forma de homofobia.”

O caso dos eletrochoques

A experiência que ficou a António como chaga encaixa na definição de “terapias de conversão” ou “terapias de reorientação sexual” estabelecida num relatório que Victor Madrigal-Borloz, especialista das Nações Unidas nas questões de orientação sexual e identidade de género, fez chegar ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em maio de 2020. “Intervenções de natureza ampla, que têm em comum a crença de que a orientação sexual ou identidade de género de uma pessoa pode e deve ser alterada.” Segundo o especialista, estas práticas acontecem atualmente “numa infinidade de países em todas as regiões do Mundo”, sendo que os agressores podem incluir “prestadores privados e públicos de saúde mental, organizações baseadas na fé, curandeiros tradicionais e agentes do Estado”. O mesmo relatório identifica três metodologias principais nestas práticas: a abordagem psicoterapêutica, baseada na crença de que a diversidade sexual e de género é um produto de uma formação anormal; a abordagem medicinal, que assenta premissa de que em causa está uma “disfunção biológica inerente”; a abordagem religiosa, que tem por base a ideia de que há algo “inerentemente pecaminoso” na diversidade de orientações sexuais. Dentro da abordagem psicoterapêutica, pode incluir-se a chamada “terapia de aversão”, que recorre a choques elétricos.

António Serzedelo, antigo presidente da associação Opus Gay (entretanto renomeada Opus Diversidades), viveu-o na primeira pessoa, há mais de 50 anos. Hoje, aos 76, recorda a experiência com relativo desassombro. “Na altura, tinha uma namorada, com quem até já tinha tido relações. Entretanto, colocou-se a questão do casamento, eu achei que devia ser honesto e disse-lhe: ‘Mas eu tenho tido práticas homossexuais.’ Ao que ela respondeu: ‘Oh, isso cura-se.’ E disse-me o hospital onde eu devia ir.” António faz questão de vincar que foi pelo próprio pé, de livre vontade, que a namorada de então, com quem de resto ainda mantém uma relação de amizade, nunca o forçou a nada. Dirigiu-se então ao Júlio de Matos (hospital psiquiátrico situado em Lisboa), explicou o que se passava ao psiquiatra que o atendeu e arrancaram com o “tratamento”. “Passava imagens de casais heterossexuais e sentia assim uns choques muito agradáveis. Depois, passava imagens de casais homossexuais e sentia uns choques bem desagradáveis. Isto durava uma boa meia hora, com alguma conversa pelo meio. E fazia aquilo uma vez por semana.” Andou nisto dois ou três meses.

Até que o clínico que o atendia achou por bem fazer um ponto de situação. “Eu disse-lhe: ‘Olhe, doutor, a minha performance com as mulheres melhorou consideravelmente.’ Ele ainda disse: ‘Que bom.’ Depois eu acrescentei: ‘Mas com os homens também.’ Ele olhou para mim com um certo espanto e acabou por sugerir que seria melhor não continuarmos.” A forma leve como aborda a sua história não belisca a seriedade com que olha para o assunto. “São práticas muito agressivas, que implicam que as pessoas neguem a sua própria identidade e que provocam traumas imensos. Foram concebidas há dezenas de anos e tiveram efeitos nefastíssimos, que levaram, nalguns casos, ao suicídio.” Frisando que em causa está uma prática que faz “as pessoas sentirem-se pecadoras”, o antigo dirigente associativo defende que ela é mais comum “em famílias de classe média alta e alta, que querem que os filhos se reproduzam para passarem a fortuna”. Por tudo isso, não tem dúvidas de que estas “terapias” devem ser ilegalizadas.

Pena de prisão até três anos

Este foi precisamente o mote de uma petição pública lançada em 2020 pelo ativista português LGBTI+ Pedro Valente. Um ano depois, mais coisa menos coisa, o assunto chegou à esfera política, com a apresentação no Parlamento de dois projetos de lei que pedem a criminalização destas práticas. A 5 de abril (deste ano), a deputada não inscrita Cristina Rodrigues assinou a primeira proposta de lei sobre a matéria a dar entrada na Assembleia da República. A 17 de maio, foi a vez do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda fazer o mesmo. Em ambos os casos se defende que quem praticar ou promover estas práticas seja punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Lembrando que “as ‘terapias de conversão’ atentam contra a liberdade sexual, a integridade física e psicológica e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa, o que constitui uma clara violação da Constituição da República Portuguesa”, Cristina Rodrigues argumenta, no projeto de lei apresentado, tratar-se de uma medida essencial, visto que “a não proibição destas ‘terapias’ tem permitido que estas continuem a ocorrer”. À “Notícias Magazine”, acrescenta que, pelos relatos de que lhe vão chegando, essas práticas ocorrem hoje com distintos graus de “agressividade”. “Daquilo que tenho conhecimento, há as duas coisas. Há as mais agressivas, que são também as mais escondidas, especialmente no seio de determinadas igrejas. E as menos agressivas que ocorrem nos gabinetes dos psicólogos.” Questionada pela nossa publicação sobre o assunto, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) respondeu que “a Igreja não tem tomado posição [em relação às chamadas terapias de conversão], tratando-se de um assunto do foro médico”. A CEP adicionou ainda que não tem “conhecimento de pessoas ligadas à Igreja que ministrem este tipo de práticas nem de denúncias de supostas terapias”.

António Serzedelo submeteu-se a “terapias de conversão” há mais de 50 anos
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Voltando à esfera política. Fabíola Cardoso, autora do projeto de lei bloquista, lembra que a proposta apresentada “coincide com um amplo consenso científico, quer a nível nacional como internacional [em relação à ineficácia das mesmas, bem como aos efeitos nefastos que acarretam], e com avanços legislativos em vários países que têm vindo a proibir estes esforços de mudança de orientação sexual”. Diz que tem dificuldade em chamar-lhes terapias (“costumo chamar-lhes terapoias”, assume), até porque “não há nada para curar”, e faz notar que podem deixar traumas para a vida. “É preciso ver que estão em causa das coisas mais importantes, profundas e bonitas da nossa existência que são o desejo, o amor. Se se tenta convencer alguém de que isso está tudo errado e tem de mudar, se há um conjunto de esforços continuados para alterar essas que são características tão profundas e essenciais para a personalidade de cada um, é claro que daí vão resultar problemas sérios.”

Com ambos os projetos de lei ainda a aguardar data para discussão em plenário, o que seguramente só acontecerá a partir de dezembro, depois de fechado o dossiê do Orçamento do Estado, a “Notícias Magazine” questionou todos os partidos com assento parlamentar sobre a posição dos mesmos em relação à criminalização destas “terapias” (e, mais concretamente, em relação às duas propostas de lei apresentadas sobre esta matéria), mas só o PAN respondeu. Entre muitas críticas a essas práticas, Inês de Sousa Real, porta-voz do partido, sublinhou que, no programa eleitoral para as legislativas, uma das medidas apresentadas foi a intenção de “reforçar legalmente o fim determinado e determinante de intervenções como as ‘terapias de (re)conversão’”, pelo que o partido “irá apresentar uma iniciativa que garanta não só os direitos das pessoas LGBTI quanto a assegurar o fim das terapias de reconversão, bem como uma fiscalização mais eficaz destas matérias”. Fonte oficial do PS confirmou à nossa publicação que também este grupo parlamentar está a preparar uma proposta de lei “sobre esta matéria”, sem especificar se o objetivo é a criminalização dessas práticas.

Hélder Bértolo, atual presidente da Opus Diversidades, não tem dúvidas de que é preciso legislar com urgência. “Porque este é um tema em que se a lei não for muito clara estamos numa zona de fronteira, em que é difícil atuar contra estas pessoas. E é preciso fazê-lo contra quem adote estas práticas ou simplesmente as publicite”, vinca. “Porque a promessa em si mesma já é danosa.” Salienta ainda a importância de lançar campanhas para que as pessoas percebam que estas técnicas não são inócuas e têm um impacto altamente negativo. E explica porque é que as denúncias destas situações são ainda tão raras e tímidas. “A ideia de denunciar implica falar de algo que muitas vezes não se quer assumir. Foi um pouco o que aconteceu durante muito tempo com as violações. Nos homens ainda mais, por haver aquela ideia de que não tinham sido suficientemente homens para se defenderem.”

A mentira, a patologia, o fundo do poço

Jorge, nome fictício, o rosto escondido, os fantasmas que lhe assaltam o passado e o presente e que não lhe permitem ir além do anonimato, sabe que é fundamental falar do assunto, consciencializar, problematizá-lo, criminalizá-lo. Porque “é crucial que as pessoas que estão a passar por isto se apercebam que estão a passar por isto”. Ele sabe bem. “Parece-me muito pertinente e urgente compreender que estas terapias são feitas de tal forma que o terapeuta não dá a entender que está a fazê-lo.” Por isso, mesmo amarfanhado por medos e traumas, aceitou contar a sua história. Ainda adolescente, já lá vão décadas, assumiu a homossexualidade. A revelação coincidiu com uma época de “dificuldades emocionais”. Foi-lhe por isso indicada uma terapeuta, sem que nunca tenha sido assumido qualquer propósito de o “converter” ao que quer que fosse. Mas a intenção denunciava-se nas entrelinhas. “A conversa era intelectualizada, mas sempre com tendência para explicar que talvez não fosse a melhor opção de vida.” Depois, eram as técnicas dissimuladas. “Quando fiz um teste psicotécnico, foi-me sugerido que devia fazer carreira no sacerdócio.” Mais tarde, essa mesma terapeuta haveria de dar uma entrevista em que se referia à homossexualidade como um comportamento desviante. E as coisas a ficarem mais nítidas na cabeça de Jorge, mesmo que na altura nunca tivesse sequer ouvido falar de “terapias de conversão”. Por isso, insiste que é crucial que as vítimas se apercebam de que o estão a ser. Anos mais tarde, foi pressionado a consultar um outro terapeuta, “ligado a um ramo religioso”. Só que desta vez já sabia o que lhe esperava. E o medo já se desenhava de antemão. Até porque naqueles anos tinha visto um grande amigo que se tinha submetido a algo semelhante a suicidar-se. Por isso, e porque só se queria ver livre daquilo “o mais rápido possível”, mentiu. Jurou que não era homossexual. Acabou rotulado com uma patologia do foro psiquiátrico e medicado.

Durante anos, acreditou que aquilo ficaria por ali. Mas há chagas assim. Tapam-se, disfarçam-se, andam ali camufladas anos e fio, até ao dia em que reemergem de rompante. Com Jorge, não foi diferente. Aparentemente, até seguiu com a vida dele. Teve um namorado e chegou a sentir-se bem. Mas depois veio uma fase difícil, a revolta a querer tomá-lo, ele a ir percebendo que a experiência que “não foi traumática, mas foi traumatizando” era afinal o gatilho de tudo aquilo. Chegou ao ponto de fazer uma publicação em que assumia ter-se submetido àquelas práticas (mesmo não as nomeando, até porque ainda não conhecia a designação) e a sugerir que fossem criminalizadas. “Mas aquilo destruiu-me a vida”, atira Jorge, o desânimo a vir à tona num tom de voz titubeante. “A nível profissional foi desastroso, a nível pessoal também, a nível familiar nem se fala.” Era o início de uma espiral de sofrimento e desespero de que só a custo conseguiu sair. Hoje, assegura que já não se sente uma vítima. Mas, percebe-se em cada nesga do discurso, o equilíbrio dos dias continua a escrever-se com linhas frágeis.

Ver pornografia heterossexual

Este é um traço comum em quem passa por experiências semelhantes. Sara Malcato, coordenadora de serviços e psicóloga clínica da ILGA, a mais antiga associação de defesa dos direitos das pessoas LGBTI, lembra que já várias entidades reputadas, como a American Psychological Association, “vieram demonstrar de forma inequívoca o quão danosas estas práticas são”. E recorda que estas se têm vindo a adaptar aos tempos, sem que isso seja de todo uma boa notícia. “Quando falamos destas práticas, que não são terapias, não estamos só a falar do que acontecia antigamente, dos eletrochoques. Atualmente, os casos que nos chegam são de práticas mais subtis, muitas vezes conduzidas por profissionais que, quero acreditar, não têm noção do que estão a fazer, e que acabam por projetar na terapia os seus estereótipos e preconceitos.” Há quem diga que é uma fase, quem procure encontrar uma causa, quem associe a homossexualidade a uma tentativa de contrariar a autoridade parental. Há até quem aconselhe a ver pornografia heterossexual. Pontualmente, a ILGA recebe também relatos de situações com contornos mais dramáticos. Como uma história que lhes chegou recentemente, de alguém que quando tinha 20 anos foi coagido a fazer uma suposta terapia de conversão que chegou até a incluir assédio, “para testar a sua orientação sexual”. Medicação antipsicótica também. Ou um caso de 2015, em que um profissional na área da saúde mental terá aconselhado uma pessoa trans a fazer um retiro fora de Portugal “onde essas questões se resolviam”. O retiro aconteceria em França e envolvia técnicas de silêncio, privação de alimentos e submersões em tanques de água, “para purificar a alma e corpo das pessoas”.

Mesmos nas abordagens mais subtis, os danos são óbvios. “A intensificação da homofobia internalizada, o aumento da desconfiança em relação aos profissionais de saúde, o aumento da dificuldade no estabelecimento de relação positivas, a intensificação da sintomatologia ansiosa e depressiva, a intenção suicida”, enumera Sara Malcato. Um estudo divulgado no ano passado pelo Williams Institute, da Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, nos Estados Unidos, concluiu mesmo que no caso das pessoas LGBT+ que tenham sido submetidas a “terapias de conversão” a probabilidade de suicídio duplica.

Os resultados preliminares de um estudo que tem vindo a ser desenvolvido por Pedro Alexandre Costa, investigador do ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, em Lisboa, apontam no mesmo sentido. Num universo de 207 participantes heterossexuais e 115 pessoas LGBT+, tendo-se todas submetido a processos de terapia, o investigador verificou que as segundas apresentavam piores índices de saúde mental e que, dentro deste grupo, cerca de 3% das pessoas tinham sido submetidas a práticas de conversão, com resultados ainda mais gravosos. “Reportam muito piores indicadores de saúde mental e um nível de risco para o próprio, com a ideação e a tentativa de suicídio a ser três vezes maior em relação aos restantes participantes LGBT+.”

Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade da Psicologia Clínica da Ordem dos Psicólogos, não esconde que a simples ideia de poder haver profissionais que o façam lhe inspira “vergonha”. Mas considera que “é muito difícil encontrar um psicólogo que faça uma coisa destas”. Até porque não tem dúvidas de que todos os profissionais sabem que tais práticas não são aceitáveis. A própria Ordem divulgou, em 2020, o documento “Linhas de orientação para a prática profissional no âmbito da intervenção psicológica com pessoas LGBTQ”, onde, entre dezenas de “guidelines”, fica claro que os psicólogos “devem considerar que as atrações, sentimentos e comportamentos dirigidos a pessoas do mesmo sexo são expressões da diversidade da sexualidade humana, que as orientações LGB não são doenças mentais e que, por isso e pela inexistência de evidências científicas que as suportem, as tentativas de mudança da orientação sexual são eticamente reprováveis”. Além de dois pareceres em que condenou de forma veemente estas práticas. “Se isto existe e alguém o faz, ou não é psicólogo, ou é alguém que sabe que não está a fazer psicologia.” Assumindo o receio de que as polémicas à volta deste tema gerem uma “maior desconfiança em relação aos profissionais”, Ricou entende que há um lado simbólico importante na ideia da criminalização. Mas, e aludindo a um caso recente, em que o processo contra a psicóloga Maria José Vilaça foi arquivado porque foi considerado que as imagens (que passaram numa reportagem da TVI) tinham sido obtidas ilegalmente, levanta uma questão pertinente. “A questão é que estas situações são muito difíceis de provar, porque acontecem no contexto de uma relação privada. Não havendo documentação, que regra geral não há, será sempre a palavra do paciente contra a do profissional.”