As alternativas ao plástico, o negócio, e tantas pontas soltas

Os produtos de plástico de uso único estão proibidos desde quinta-feira, outros materiais entram em circulação, há um mercado que floresce. Há, porém, várias perguntas. Substituem-se matérias-primas e os problemas mantêm-se? Quais os impactos do que nasce com o rótulo verde? Como separar? Como comunicar? É no descartável que tudo encrava. No usar e deitar fora interminável e repetitivo.

Avenda de vários produtos de plástico de uso único está proibida desde quinta-feira. Talheres, pratos, copos, palhinhas. A lei aprovada na Assembleia da República, em 2019, entra em vigor, a transposição da diretiva europeia sobre a matéria está, neste momento, em circuito legislativo após consulta pública. A restauração e a indústria pedem mais tempo para escoar o stock acumulado durante a pandemia. O negócio das alternativas ao plástico cresce, embora ainda seja prematuro avançar com a quota exata deste mercado. Bambu, cana-de-açúcar, amidos, plástico reciclado, algas, papel, cartão, cascas de banana, folhas de palmeira. Há todo um novo mundo numa economia que desbrava caminho.

A realidade não é animadora, as previsões também não. Mais de 80% do lixo que anda nos mares é de plástico e os produtos de uso único agora proibidos representam, segundo a União Europeia, 70% dos detritos marinhos. Todos os anos, chegam aos oceanos cerca de 13 milhões toneladas de plástico que matam mais de um milhão de aves e cem mil mamíferos marinhos. Estima-se que, até 2050, o peso do plástico nos mares será superior ao dos peixes. E, neste mundo, há pontas soltas. Os produtos de uso único de outros materiais, que não o plástico, continuarão a ser descartados. O impacto dos materiais biodegradáveis não está suficientemente estudado e não há garantia de que não produzem microplásticos. Um cotonete de bambu na sanita será mais um resíduo disperso no ambiente. A segurança dos materiais alternativos não está regulamentada na UE. Reutilizar em vez de descartar é uma mensagem que custa a entrar e a praticar.

Fernando Teixeira é um dos administradores da Fapil que, no ano passado, colocou no mercado a linha Ocean feita com plástico marítimo reciclado
(Foto: DR)

O negócio dos produtos alternativos cresce no nosso país. Há mercado, há produtos. A Fapil é uma empresa familiar, 46 anos de trabalho, comercializa produtos de higiene e limpeza, arrumação e organização do lar, a partir da Malveira, concelho de Mafra. A procura por novas formas de produção mais amigas do ambiente sempre esteve nos seus planos e, em fevereiro do ano passado, lançou a linha Ocean, produtos feitos com mais de 20% de plástico marítimo reciclado, a partir de cordas e redes de pesca. Sacos do lixo, vassouras, baldes para reciclagem, estendal para a roupa, caixas de arrumação, pás do lixo, cesto multiúsos, espremedores de esfregonas. Veio a pandemia e os produtos chegaram ao mercado em setembro, sete meses depois do lançamento. Estão em Portugal, Canadá, Austrália e Suécia. Há compradores que aderem num segundo, outros que fazem perguntas. Desde o início dos testes que começaram em julho de 2019, a Fapil já comprou 120 toneladas de plástico marítimo reciclado.

Fernando Teixeira, CEO e um dos administradores da Fapil, sabe que o mercado dá cada vez mais valor aos produtos reciclados. “Não é fácil encontrar alternativas verdadeiras que não sejam alternativas de marketing”, observa. O plástico existe e é preciso saber o que fazer com ele. “É necessário separar o plástico que existe para ser reciclado. Mostra-se o plástico e o cartão como não sendo os melhores, quando existem materiais diferentes que podem ser piores para reciclar.”

O ambiente e a sustentabilidade são pontos-chave da empresa, mas o trabalho não começou de um dia para o outro. “Começou anos antes com a questão de considerarmos que tínhamos de fazer algo, encontrarmos matéria-prima que pudéssemos utilizar.” E tudo passa, em seu entender, “por uma atitude de formar as pessoas”.

A Intraplás fabrica copos reutilizáveis de plástico
(Foto: DR)

A Intraplás – Indústria Transformadora de Plástico tem 53 anos, está instalada em Santo Tirso, dedica-se à produção de laminados e embalagens plásticas para a indústria alimentar, incorpora resíduos de embalagens de plástico, fabrica pratos, talheres e copos recicláveis e reutilizáveis, 100% plástico, que são reciclados nos plásticos mistos para dar origem a cabides, mobiliário de jardim, estruturas de passadiços que parecem madeira e são de plástico reciclado. Fabrica embalagens de iogurte com integração de poliestireno reciclado quimicamente que, neste momento, estão no mercado francês. Não produz, mas vende paletinas de madeira para mexer o café e copos de papel com película de plástico.

Ana Carneiro, diretora de sustentabilidade e responsável de operações da empresa, fala na ampliação da gama e diversificação de produtos com materiais alternativos para responder às necessidades dos clientes. Não sem antes estudar bem essas alternativas, quais os impactos de sustentabilidade carbónica, toxicidade humana, segurança alimentar. “Se olharmos para a questão ambiental, do impacto carbónico, as alternativas não são, de todo, melhores do que as soluções atuais”, afirma. “O plástico é dos materiais mais regulados, mais conhecidos, mais estudados.”

Ana Carneiro, diretora de sustentabilidade da Intraplás, empresa que fabrica pratos, talheres e copos reutilizáveis de plástico
(Foto: DR)

A Intraplás tem um centro de investigação, parcerias com laboratórios europeus, todos os produtos são validados antes de entrarem no mercado. Para Ana Carneiro, há alguma precipitação no assunto de que se fala. “Primeiro, legisla-se e depois é que se vão ver as alternativas que existem.” Materiais que, sublinha, “não estão 100% validados e regulados no mercado”.

Virar a página com as mesmas práticas?

Uma equipa de investigadores da Universidade do Minho acaba de anunciar a criação de uma garrafa feita à base de algas 100% degradável, com materiais orgânicos, amido ativado com algas. É compostável e levará um ano a degradar-se. Os CTT lançaram, há dias, um projeto-piloto para embalagens ecológicas e reutilizáveis, pensadas para os envios das lojas online. A ideia é substituir as caixas de cartão por um produto que possa ser reutilizado até 50 vezes. Um grupo de estudantes do Mestrado Integrado de Engenharia Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra acaba de apresentar uma lancheira feita em cortiça.

Babu é uma marca portuguesa que nasceu em 2017 para criar soluções naturais, renováveis, alternativas ao plástico, com produtos de utilização frequente. Comercializa cotonetes biodegradáveis, palhinhas, talheres, colheres de café, escovas de dentes e de cabelo. Tudo com bambu. Vende online e está no retalho sobretudo em mercearias ecológicas, espaços de venda a granel, em várias farmácias. A expansão já é uma realidade, os produtos chegam a Espanha, Holanda, Grécia, países bálticos.

Joana Gutierrez e João Jerónimo fundaram a Babu, em 2017, para vender produtos feitos de bambu que nasce e cresce na Ásia
(Foto: DR)

A matéria-prima da Babu nasce e cresce na Ásia, os produtos chegam acabados a Portugal, o controlo de qualidade, o design e o embalamento são feitos cá, no Cadaval. “Trabalhamos com parceiros asiáticos, deslocar a produção para Portugal não seria o mais ecológico, seria um dispêndio energético importar a matéria-prima em bruto e fazer o descasque cá”, adianta João Jerónimo, cofundador da Babu. Não compensaria em termos financeiros e de pegada ecológica. A pasta de dentes em bisnaga 100% reciclável é o seu único produto nacional, feita em laboratório português. A empresa tem crescido no mercado, uma expansão exponencial apenas travada com a pandemia e que agora se quer recuperar.

A educação ambiental faz toda a diferença. “Não podemos virar a página e manter as mesmas práticas erradas. Temos de fazer a mudança. Não podemos continuar no paradigma do uso abusivo de tudo o que é descartável”, refere Carmen Lima, engenheira do Ambiente, coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. É necessário reeducar hábitos de consumo, insistir na reutilização e na redução, assegurar que as alternativas ao plástico possam ser separadas no lixo.

Os cotonetes de bambu, por exemplo, se continuarem a ser colocados na sanita, não resolvem o problema ambiental. “A proibição do cotonete em plástico, com as alternativas com chapéu verde, não vai mudar práticas de consumo. Devíamos estar a explicar às pessoas por que motivo esse item foi proibido e que o sanitário continua a não ser o destino adequado para este resíduo, que não desaparece automaticamente da Natureza. A comunicação está a falhar.” Para Carmen Lima, “há um delay entre a prática e a teoria”.

Carmen Lima, da Quercus, alerta para um entendimento entre quem produz, quem regula o mercado, e quem consome
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

A legislação é bem-vinda, mas será suficiente? Susana Fonseca, socióloga, da direção da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, tem dúvidas. O plástico é uma questão, mas não é tudo. “O maior problema é o modelo de produção-consumo”, repara. O paradigma do descartável. “O problema mantém-se e a pressão sobre o ambiente não vai mudar de forma significativa.” E surge a pergunta: onde colocar uma palhinha de bambu depois de usada?

Carmen Lima trabalha a temática da prevenção da produção de resíduos e o conceito da economia circular, é autora do livro “Não há planeta B”, e avisa que o problema não desaparece com o fim dos descartáveis. “Estamos a voltar a colocar no mercado produtos de utilização única, que não serão reutilizados, e não garantimos a sua separação.” Mesmo em relação aos biodegradáveis era importante, em sua opinião, que houvesse um entendimento entre os produtores e os fornecedores, autarquias e entidades públicas, para que esses produtos conseguissem cumprir o tempo de degradação de compostagem. Um consenso entre quem coloca no mercado, quem o regula e quem recolhe e trata os resíduos. Todos têm responsabilidade: quem comunica, quem produz e o consumidor. “É uma questão de amadurecimento do mercado”, comenta.

Substâncias químicas em fibras vegetais

A lei europeia é ambiciosa, só que nada acontece com uma fórmula mágica. Para Carmen Lima, na prática, as coisas não estão a funcionar. “O Ministério do Ambiente tem um papel fundamental para assumir o controlo e a redução é a grande meta.” Rótulos que informem como deve ser feita a separação, uma ecotaxa para garantir o processo de recolha, por exemplo. Susana Fonseca fala numa “legislação altamente enfraquecida.” Em seu entender, de nada serve reduzir apenas o plástico, quando outras matérias-primas despontam. Seria importante que os objetivos de redução fossem aplicados a todos os materiais descartáveis.

Da Europa, não chegam boas notícias. Um estudo recente, cujos resultados foram anunciados há pouco mais de um mês, revela que foram encontradas substâncias químicas em louças descartáveis não plásticas, em tigelas descartáveis de fibra vegetal, em cartuchos de papel e louça feita de folhas de palmeira. A pesquisa foi feita em quatro países, Itália, Dinamarca, Espanha e França, a pedido da BEUC, organização europeia de consumidores. Em 53% dos produtos analisados, vários supostamente compostáveis e biodegradáveis, foram encontrados um ou mais produtos químicos tóxicos indesejados, compostos fluorados, que persistem na Natureza, alguns suspeitos de efeitos graves na saúde. E mais uma questão se levanta: os produtos ditos verdes, compostáveis e biodegradáveis, podem permanecer centenas de anos no meio ambiente.

Susana Fonseca, da Zero, chama a atenção para o modelo de produção-consumo e para os sinais que demonstram que o Planeta está a sofrer
(Foto: Orlando Almeida/Global Imagens)

O Governo não afunila o assunto na proibição dos produtos de plástico de uso único, acrescenta-lhe as metas de redução do consumo e de recolha seletiva, a promoção da reutilização, reconhece que o descartável é um problema. Segundo a secretária de Estado do Ambiente, Inês Santos Costa, o mercado está a adaptar-se e a população entende a necessidade da mudança de comportamentos. “Os produtos alternativos existem, é um facto. Mas o que não podemos é cair no erro de substituir um descartável por outro que até pode ter menos impacto, mas não deixa de ser um descartável”, salienta.

A restauração está a fazer o seu caminho, a governante admite que a maioria não esteja a ver a lei com bons olhos, até pelo que tem acontecido nos últimos meses, restrições, alterações, encerramentos. “Mas a verdade é que os desafios relacionados com a escalada na produção de resíduos e a pouca circularidade da nossa gestão de materiais não desaparecem com a covid, apenas se agravaram.” Por isso, acrescenta, “é preciso mais ação no que diz respeito à redução de produtos descartáveis em usos não especiais, porque a questão principal é a descartabilidade e só depois é que deve seguir a preocupação com o tipo de material”.

Inês Santos Costa adianta, por outro lado, que a maioria das embalagens biodegradáveis ou compostáveis são feitas em materiais preparados para serem degradados como deve ser e, portanto, é necessário que a recolha seja feita e garantir as condições para essa degradação. “Por isso, além de não deverem ser promovidas, essas embalagens não devem ir para os ecopontos tradicionais, dado que podem contaminar o fluxo normal de reciclagem de plástico.”

A legislação e a lei do menor esforço

As questões ambientais estão na ordem do dia há vários anos. Há quem se preocupe e há quem não queira saber. Há os dois extremos, os eco ansiosos e os adeptos do menor esforço. E há ainda uma pandemia que cavalgou no desconhecimento e no medo de reutilizar plástico descartável, por exemplo. Ana Milhazes, socióloga, ativista, fundadora do movimento Lixo Zero Portugal, autora do livro “Vida Lixo Zero”, sabe que a questão é complexa a vários níveis.

“A educação sobre o que se deve separar é uma parte muito difícil e, muitas vezes, vemos tudo misturado e, às vezes, nem é por mal. Parece que é uma coisa que não entra”, analisa. Se a separação mais básica não é interiorizada, como será com a triagem dos indiferenciados? O biodegradável deve ir para o ecoponto amarelo ou para o lixo indiferenciado? E sempre lhe meteu confusão o dinheiro que se gasta quando as estações de tratamento de águas residuais (ETAR) entopem com resíduos como cotonetes, tampões e pensos higiénicos. Não entende por que razão não há campanhas a alertar para esta situação.

Ana Milhazes defende a conjugação de duas coisas. “Enquanto consumidores e cidadãos, temos de fazer a nossa parte e, por outro lado, tem de haver uma série de diretivas que têm de vir de cima para que a mudança aconteça.” O controlo também é importante, não de apontar o dedo, mas acompanhar, partilhar o que está bem e o que está mal, quer seja na restauração, quer dentro de casa.

A secretária de Estado do Ambiente sabe que não é fácil travar o facilitismo e a dificuldade que persiste de mudar hábitos para proteger o ambiente. “Não podemos dizer que é preciso mudar comportamentos, desde que sejam outros a mudar ou outros a fazer, e criticar quando as medidas que incentivam essa mudança surgem.”

A Fapil criou a linha Ocean, feita com plástico marítimo reciclado
(Foto: DR)

Quinta-feira passada entrou em vigor o decreto-lei que proíbe a venda de vários produtos de plástico de uso único, talheres, pratos, copos para bebidas e tampa, palhinhas e agitadores de bebidas, cotonetes. Os sacos de compras de qualquer material não podem ser cedidos gratuitamente, os consumidores podem levar os seus sacos para take-away, os restaurantes são obrigados a servir água da torneira sem custos e em copos reutilizáveis.

A vontade da UE é clara: reduzir o consumo deste tipo de produtos até 2026, garantir que as embalagens de plástico colocadas no mercado europeu sejam reutilizáveis, compostáveis, biodegradáveis, recicláveis. É um caminho feito em várias etapas. A partir de 1 de setembro de 2022, espaços de restauração e bebidas estão proibidos de utilizar e disponibilizar esses produtos. Depois de 1 de junho de 2023, estabelecimentos comerciais não podem disponibilizar sacos de plástico ultraleves para embalamento ou transporte de produtos de panificação, frutas e produtos hortícolas. Cuvetes ou caixas que contenham plástico de utilização única também são proibidos. A partir de 2025, garrafas para bebidas com menos de três litros, cápsulas e tampas incluídas, têm de conter, no mínimo, 25% de plástico reciclado na sua composição. E cada país da UE deve garantir que 77% do peso de resíduos de produtos de plástico de uso único são recolhidos seletivamente – e esses 77% terão de chegar aos 90% em 2029. As medidas serão avaliadas e analisadas até julho de 2027.

Todos estão de acordo. É preciso debater o assunto, quais os materiais mais indicados para os alimentos, como reduzir e reutilizar, qual o modelo de negócio, garantir a igualdade de circunstâncias. Susana Fonseca, da Zero, deixa um alerta. “As alterações climáticas, a escassez de recursos, a perda de biodiversidade, são reflexo de algo maior. O nosso modelo de produção-consumo, usar e deitar fora, está a exaurir o Planeta.” Com todas as consequências associadas. Com todos os prejuízos futuros.