
Define-se pelo lado humanista e social-cristão, mas também pela ambição, tendo sido protagonista de uma luta fratricida que lhe deu o PS e o Governo de Portugal. Não era uma figura consensual. Hoje, é.
Há frases que definem. “Como é possível? Não te percebo. Dá-me um assunto e 600 pessoas, que eu falo durante hora e meia”, disse o estudante Guterres ao colega que não gostava de discursar. “O António era um extrovertido, comunicava e argumentava com muita facilidade, fosse para pequenos grupos ou grandes plateias, por vezes, recorrendo ao sentido de humor”, lembra Diogo Lucena, o amigo visado.
Conheceram no Instituto Superior Técnico de Lisboa, partilharam sebentas e salas de estudo. “Notava-se nele um enorme interesse pelas questões sociais e a inteligência brilhante era óbvia”, observa o professor universitário sobre o secretário-geral das Nações Unidas, reeleito por unanimidade há uma semana, a quem professores vaticinavam percurso académico excecional e destinos prestigiados.
A intervenção cívica, sempre presente, era exercida na militância cristã. Porém, ao amigo Diogo confessava querer mais: “Dizia-me que, se um dia Portugal fosse uma democracia, não tinha dúvidas de que seria político”. Guterres aderiu ao PS pela mão de António Reis. O primeiro encontro deu-se em 1973, pouco depois da formação do partido. “Na cervejaria Trindade, encontrei um jovem muito interessado no PS e empenhado na democracia”, recorda o histórico socialista. “Achei-o muito inteligente, com uma grande capacidade de lucidez e grande sentido de justiça.” A filiação consumou-se no dia da Revolução.
Antes, em 1970, inspirado pelo Concílio Vaticano II, fundara com outros universitários o Grupo da Luz, presidido pelo franciscano Vítor Melícias. Às terças-feiras à noite, no seminário da Luz, Miguel Beleza, Helena Roseta, João Salgueiro, António Barahona de Almeida, Diogo Lucena ou Marcelo Rebelo de Sousa, e outros, discutiam a Igreja, defendendo a intervenção dos católicos na vida social e política.
Na contígua igreja da Luz casaria com Luísa. “Foi dos primeiros do grupo a casar e por isso jantava-se com frequência em casa deles, discutíamos política e filosofia”, recua Diogo Lucena. Luísa foi sempre um alicerce discreto e central. “A Zizas marcou-o profundamente. Tinha um grande ascendente sobre ele. Puxava-o à Esquerda”, frisa Helena Roseta. “O António tinha tinha um lado mais politiqueiro que foi perdendo”, acrescenta a arquiteta. “Entrou para a política por missão, mas teve, claro, ambições”, refere Lucena. Teve muitas, encabeçando no PS uma luta fratricida que deixou mágoa nos que combateu, como Mário Soares, e nos que teve a seu lado, como Vítor Constâncio e Jorge Sampaio, decidido que estava a mandar no partido. Com frieza, deu a estocada final. “Estou em estado de choque”, declarou, na noite da derrota de Sampaio frente a Cavaco Silva.
Em 1995, era primeiro-ministro de Portugal. O momento decisivo deu-se com a frase de campanha “Razão e Coração”. Acabaria por abandonar o lugar, depois uma derrota autárquica, acusado de cobardia. Estava longe de ser o político beatificado de agora.
O homem que desafiou o presidente da Indonésia, Suharto, a libertar Xanana Gusmão é considerado um teórico sofisticado, um pensador, muito rápido, rapidíssimo, mas nada motivado pela ação. Um homem do planeamento, indisponível para uma candidatura às presidenciais nacionais – por não ser ambição de vida, defendem uns, por não estar disposto a enfrentar Marcelo, creem outros.
Aprendeu a viver na política com pessoas que pensam de maneira diferente. Sabe encontrar soluções que respeitem e sejam importantes para cada um. “Guterres define-se pelo lado humanista e social-cristão. Quer mesmo ajudar os mais pobres”, garante Helena Roseta, sublinhando um gesto que o define: “Já depois de ser primeiro-ministro, sem ninguém saber foi dar aulas gratuitas para a Quinta do Mocho a adultos. Poucos sabem disto.”
António Manuel de Oliveira Guterres
Cargo: secretário-geral da Organização das Nações Unidas
Nascimento: 30/04/1949 (72 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)