Algas. No mar, na terra, na pele, no prato

As virtudes estão estudadas, as aplicações expandem-se, há evidências de propriedades anticancerígenas. Entraram na alimentação humana e animal, na cosmética, em fertilizantes, na saúde. São antioxidantes, ricas em ferro e iodo, libertam oxigénio e retêm dióxido de carbono (uma bênção para o ambiente). O negócio em Portugal ainda é tímido. Contudo, a mais antiga indústria de microalgas da Europa está no Algarve, a maior a utilizar a luz do Sol em Leiria e a pioneira no cultivo de macroalgas do Atlântico em Ílhavo. Nada disto será por acaso.

A maternidade de algas é um pequeno compartimento cheio de frascos a borbulhar e dentro deles espécies que nascem em diferentes tamanhos, feitios e cores. Exemplares preciosos supervisionados com cuidado. Cá fora, três dos 14 hectares de umas antigas marinhas de sal são os lugares onde a empresa Algaplus produz macroalgas em Ílhavo, com a ria aos pés e o mar por perto. Há algas lá dentro, há algas cá fora. Todo o ano.

A Algaplus surgiu em 2012 e desbravou caminho, quando ainda não havia legislação, licenças, nem sequer um modelo de negócio no país. Na Europa, é pioneira no cultivo controlado e sustentável de macroalgas do Atlântico em aquacultura. É cultivo que não precisa de terra arável, água potável ou fertilizantes. Helena Abreu é bióloga marinha, uma das fundadoras da Algaplus, estuda macroalgas desde 1998, conhece-lhe as propriedades e qualidades, bem como o tremendo esforço que tem sido feito para colocar o setor no mapa. “Derrubámos muitas barreiras para a obtenção de licença e certificação biológica”, recorda.

A Algaplus é uma empresa pioneira na produção de algas. Surgiu em 2012 e desbravou caminho. Nas instalações, em Ílhavo, a maternidade de algas é um pequeno compartimento cheio de frascos a borbulhar, e dentro deles nascem espécies em diferentes tamanhos, feitios e cores (Maria João Gala/GI)

As algas são antioxidantes, ricas em iodo, ferro, cálcio, magnésio, potássio, baixo teor de gordura e de açúcar, alto teor de fibra nos produtos dietéticos e suplementos alimentares. Proteína vegetal que dá textura na cozinha, que aguenta bastante tempo na prateleira com propriedades anti-inflamatórias e antibacterianas. Contêm aminoácidos essenciais, ácidos gordos essenciais, vitaminas A, D, E, são uma alternativa às proteínas animais, as mais consumidas são a Clorela e a Espirulina. “As algas aparecem em primeiro lugar nos novos produtos sustentáveis”, realça a bióloga. E têm conquistado terreno na alimentação humana, nas rações para animais, nos fertilizantes, na cosmética, na remoção de poluentes da água, na produção de combustível de baixo impacto ambiental, em testes para novas terapêuticas na saúde.

Helena Abreu não esconde a ambição da Algaplus. “Democratizar o consumo de algas.” Parece simples, mas, por cá, é complicado. Em todo o Mundo produzem-se 30 milhões de toneladas por ano, sobretudo na Ásia, a empresa de Ílhavo anda pelas 30 toneladas, espera crescer e chegar às 160 em 2022. Há certezas que entusiasmam e dão ânimo: tem matéria-prima de qualidade o ano inteiro e sabe o que mercado precisa porque nunca deixou de olhar para a forma como o setor se move e trabalha além-fronteiras. “Nunca tivemos dificuldade em escoar produto”, garante.

Na Algaplus, três dos 14 hectares de umas antigas marinhas de sal são onde a empresa produz macroalgas, com a ria aos pés e o mar por perto (Maria João Gala/GI)

Mais a sul, no Parque Natural da Ria Formosa, em Olhão, a Necton – Companhia Portuguesa de Culturas Marinhas SA dedica-se à produção de microalgas e de sal marinho tradicional. É a mais antiga da Europa a produzir microalgas, desde 1993, e a primeira a vender produtos de microalgas no continente europeu, em 1999. “Nascemos muito cedo, criámos os mercados, produzimos a tecnologia, fomos ver onde podíamos vender o nosso produto”, lembra João Navalho, biólogo marinho, um dos fundadores da Necton. Nunca cruzou os braços e a curiosidade nunca esmoreceu.

As microalgas estão na água e não se veem, são microscópicas e apenas a cor da água revela a sua presença, têm segmentos diferentes, necessidades diferentes, aplicações diferentes. A Necton tem quatro mercados distintos. O da aquacultura, comida para animais que depois alimentam as larvas de peixes, maternidades de peixes, para Grécia, Turquia, Itália e Espanha. O da cosmética, em que as microalgas são matéria-prima para três empresas da área, duas francesas e uma espanhola – se encontram um princípio ativo em determinada alga, contactam a Necton. Há ainda o mercado do peixe-zebra que está a ser usado em testes animais, por terem linhas celulares muito semelhantes às das cobaias. E o mercado dos aquários, do Oceanário de Lisboa e de outros espaços na Europa e no Mundo.

João Navalho, biólogo marinho, um dos fundadores da Necton, a empresa mais antiga da Europa a produzir microalgas, desde 1993, e a primeira a vender produtos de microalgas no continente europeu, em 1999 (Carlos Vidigal Jr/GI)

É uma empresa com 63 funcionários, 15 nas algas, os restantes focados no sal marinho. “As algas são muito interessantes, mas não há milagres.” João Navalho sabe do que fala. “A indústria no nosso país é imberbe, há mercado, há entusiasmo que passa e entusiasmo que fica, há muito terreno para explorar.”

Mais a norte, em Pataias, Leiria, a Allmicroalgae apresenta-se como uma empresa de biotecnologia, produz microalgas para alimentação, suplementos dietéticos, rações de animais, soluções agrícolas como fertilizantes. É uma das maiores produtoras de microalgas da Europa, depois de vários testes e a construção de uma unidade, o batismo empresarial surgiu em novembro de 2015 com um grande investimento em tecnologia e construção de uma área de fermentação e expansão do negócio para outros produtos. As certificações europeias têm chegado e permitido a produção orgânica em grande escala. É a maior da Europa a usar a luz do Sol no processo de fermentação das algas em água doce. São 80 toneladas por ano, mais de cem apontam as previsões feitas para o final do próximo ano. Mais de 90% da produção é escoada para a Europa.

A Allmicroalgae, em Pataias, Leiria, é uma das maiores produtoras de microalgas da Europa (Nuno Brites/Global Imagens)

A empresa desenvolve produtos alimentares à base de pó para aperitivos, snacks, pão, bolachas, barritas de cereais, suplementos alimentares, bem como biofertilizantes naturais, rações animais para cães e gatos, suínos, aviário e pássaros de caça. Otimizar o consumo de nutrientes por parte das algas é uma parte importante do trabalho, é necessário controlar a temperatura, a luz, o PH, e o investimento em investigação, inovação ou equipamentos é constante. A empresa tem megarreatores e quilómetros e quilómetros de tubos.

Júlio Abelho, engenheiro mecânico, diretor da Allmicroalgae, acredita no potencial do setor, diz que a indústria alimentar já não passa ao lado desta proteína vegetal e que a ciência médica vai olhar para este recurso com mais atenção. “A produção tem corrido bem”, assegura. O problema é o desconhecimento que persiste, uma área relativamente recente no país que precisa ser comunicada, divulgada. “Há um desconhecimento gigante, é preciso um esforço gigante, às vezes, é um pouco ingrato”, comenta. A questão da sustentabilidade ajuda, os novos hábitos alimentares também, tal como o mercado vegetariano e vegan.

Produzidos pela Allmicroalgae, alguns exemplos de microalgas, já processadas, para venda ao público
(Nuno Brites / Global Imagens)

Alface-do-mar, cabelo-de-velha, erva-patinha

É um recurso que não é muito explorado em Portugal, mas a história mostra as algas na alimentação das famílias pobres no século XIX. Algas nas praias, com sabor a mar, que se comiam cruas, e os batismos de então perduram até hoje: cabelo-de-velha, chorão-do-mar, fava-do-mar, erva-patinha, alface-do-mar, botelho-comprido, esparguete-do-mar. Não havia nomes técnicos, havia nomes adaptados à fisionomia, ao aspeto do que os olhos viam. Helena Abreu destaca esse património natural. “Estamos a recuperar uma tradição há muito tempo esquecida.” Há esse passado, há presente, e há futuro. “Há tradição, há muita investigação feita em Portugal, há muito conhecimento, mas a componente de investimento é reduzida, falta vontade política para que Portugal seja o epicentro da produção de algas.” País à beira-mar plantado, o litoral é extenso, 943 quilómetros de costa no continente, 667 nos Açores, 250 na Madeira. As espécies andam agora pelas 300.

A Universidade do Algarve lançou uma plataforma digital, aberta a todos, para recolher dados e informações sobre algas que se encontram nas praias portuguesas. Pedem-se fotografias e elementos através de um inquérito online. “Verificámos uma acumulação de algas que, muitas vezes, não é natural, não faz parte da dinâmica do sistema. Acumulam-se em muitas praias, começam a degradar-se e a cheirar mal, e pode ser um problema para os banhistas, para o turismo”, refere o investigador Rui Santos, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve. “Estamos a tentar perceber o que se está a passar, monitorizar estes acontecimentos e, por isso, pedimos às pessoas que peguem nas algas e tirem fotografias.”

O objetivo é identificar as espécies invasoras, e já são 25, ir criando uma base de dados, perceber melhor essa biomassa ao pé do mar, analisar compósitos que possam ser interessantes. O projeto arrancou no verão passado, a participação tem superado as expectativas, e irá continuar na tentativa de abranger toda a costa e também as ilhas. “Faz sentido ter uma série temporal longa e criar cruzamentos com as condições ambientais para perceber o que desencadeia estes acontecimentos, perceber esta biomassa.” As fotografias e os dados são enviados de forma anónima, é a ciência cidadã a funcionar, todos os pormenores são importantes, todas as informações são úteis.

Do mar para o laboratório, para a investigação científica, há boas notícias e perspetivas, potenciais soluções terapêuticas. O MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Politécnico de Leiria estuda as potencialidades dos recursos marinhos e analisa potenciais aplicações em diversas áreas: saúde, alimentar, farmacêutica, cosmética. As investigações estão a dar frutos. Em 27 espécies de macroalgas identificadas na costa de Peniche foram detetadas duas moléculas numa alga vermelha que demonstram ter propriedades contra o cancro. Mas não é tudo. Há outros compostos noutras algas, uma verde e outra castanha, que evidenciam capacidades de reverter a doença de Parkinson.

Os estudos prosseguem perante as portas que se abrem na saúde depois de se avaliar o potencial citológico das algas. Há um mundo de aplicações mais específicas por desbravar. Celso Alves é biólogo marinho e investigador do MARE e integra a equipa responsável por essas pesquisas. De sete compostos isolados na macroalga vermelha, dois foram identificados pela primeira vez e destacaram-se. “Dois deles afetam com mais intensidade a viabilidade das células tumorais”, revela. Ou seja, em modelos celulares de cancro, esses dois compostos inibem a proliferação de esferas tumorais, demonstram uma ação antitumoral. Há, porém, caminho pela frente para estudar mais a fundo e testar em modelos mais complexos. Há outros dados interessantes, outros compostos de algas que podem significar boas novas para os doentes de Parkinson. Celso Alves especifica os avanços. “O trabalho desenvolvido, até ao momento, permitiu identificar duas moléculas a partir de uma alga castanha e de uma alga verde com atividade neuroprotetora num modelo celular que mimetiza a condição da doença de Parkinson em laboratório, revertendo a morte celular dos neurónios dopaminérgicos que são responsáveis pela produção de dopamina.” Se estes neurónios morrem, e os níveis desse neurotransmissor diminuem, surgem os tremores, a dificuldade de locomoção, entre outros sintomas, da doença de Parkinson. Os investigadores continuam os trabalhos para avançar para ensaios in vivo para, segundo Celso Alves, “compreender e validar o potencial de aplicação farmacológica destas moléculas.”

Dificuldades, fotografias, e histórias por contar

Do mar para o prato. Ainda antes de colocar a bolota sob os holofotes da gastronomia nacional, já o chef Pedro Mendes andava à volta das algas nessa sua procura irrequieta, como bichinho-carpinteiro que não gosta de estar parado, por ingredientes pouco usados na cozinha. Há cerca de dez anos, percebeu que havia uma empresa no Algarve que comercializava algas para a indústria alimentar, nas pesquisas que fez percebeu que nenhuma das cerca de 500 espécies existentes na costa portuguesa eram tóxicas para o organismo, fez-se luz, nunca mais as largou, nunca mais deixou de as usar. “Têm imensas e ótimas propriedades para o nosso organismo, é um alimento que tem tudo para ser bom”, constata.

Democratizar a utilização de algas na cozinha portuguesa é um propósito que o chef Pedro Mendes assume na plenitude
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Este ano, num projeto que estava a marinar há alguns anos, lançou o livro “algo com Algas”, cem páginas, 40 receitas, Brás de algas, omelete de algas, esparregado de algas, risoto de algas. Democratizar a utilização de algas na cozinha portuguesa é um propósito que assume na plenitude. Por várias razões. Pela riqueza de minerais, pela textura, pelo sabor. “Pelo sabor e pela história que pode ser contada a partir daí. É um produto que temos em tanta abundância, que está tão à mão, que não está tão democratizado quanto isso, mas que pode vir a ocupar um lugar na mesa. As algas podem e devem ser uma moda”, defende o chef.

Tapioca com algas. Uma entrada preparada por Pedro Mendes. Neste ano, num projeto que estava a marinar há algum tempo, o chef lançou o livro “algo com Algas”
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

A Algaplus produz seis espécies de algas, 90% para alimentação humana, a empresa tem a marca Tok de Mar com produtos frescos e desidratados e outros incorporados como sal e flor de sal com algas, 8% para a cosmética, o restante para institutos de investigação científica, empresas que necessitam de algas – e 75% para exportação, maioritariamente para a Europa. Conserva de sardinha com algas em azeite, alface-do-mar fresca, kit de talassoterapia com algas, espirulina em pó, entre outros produtos. A aposta na comunicação é evidente, a Algaplus tem receitas com algas num blogue com sugestões de nutricionistas e de chefs, com descrições sobre os benefícios do consumo de algas. O mercado tem já uma maionese do mar que leva algas e Helena Abreu está satisfeita com mais este passo, um produto que, assinala, “reduz o sal em 50%”.

A empresa de Ílhavo imita o funcionamento dos ecossistemas marinhos costeiros na produção das suas algas, um modo controlado, a água do mar entra nos viveiros de peixes, robalo e dourada em modo de produção biológica, é bombeada para os tanques de cultivo das macroalgas através de um sistema de filtragem. Os nutrientes desse ambiente de mar são aproveitados para a produção das macroalgas, tal como acontece no seu habitat natural. Esta bioeconomia azul circular, com aquacultura, é inovadora na Europa. A Natureza não se contraria. “Apostamos em mercados que, no fundo, dão o devido valor à capacidade de produção sustentável. Não podemos intensificar a produção, nem utilizar químicos”, vinca Helena Abreu, que é também presidente da Proalga – Associação Portuguesa dos Produtores de Algas, estrutura que nasceu em 2019, com quatro produtores, neste momento.

Há negócios maiores, projetos mais pequenos, um ramo de atividade que tem empresas que se destacam na Europa. Em 2018, a Allmicroalgae conseguiu certificação orgânica da União Europeia para a produção de Clorela, tornando-se a única empresa na Europa com produção orgânica em grande escala.

Joana Silva, bióloga, responsável pelo departamento de Investigação e Desenvolvimento da Allmicroalgae, lembra que não é fácil entrar no mercado alimentar. Muito trabalho, muito esforço, aumentando o número de certificações. Apesar dos passos dados, em 2020, a empresa uniu forças com um grupo francês em biotecnologia especializado em biologia de algas, microrganismos, alimentos e rações à base de microbiota, de forma a impulsionar o mercado. Mas há ainda muito por fazer. “Falta abertura, falta vontade, falta esclarecimento, falta toda a cadeia de valor ajudar”, sublinha. Falta uma visão nacional. O que destacar? “Claramente a sustentabilidade, a sustentabilidade é o futuro”, responde Joana Silva.

Para João Navalho, que já foi presidente da Proalga, a união faz a força e faz todo o sentido falar de algas, colocá-las no circuito, na narrativa. “Faz todo o sentido no terceiro milénio por todas as razões e mais algumas. E estamos melhor todos juntos.” Quem está no setor sabe como é trabalhar com a Natureza, os detalhes que têm o que se lhe digam, também as dificuldades que existem no caminho. “Depende muito da forma como as autoridades vão encarar o assunto, a regulamentação é complexa, é cada vez mais complexa. São produtos novos e a coisa ainda mais complexa fica.”

João Navalho defende maior investimento tecnológico, regulamentação mais simples, outro tipo de incentivos. “Não basta haver vontade dos empresários, dos produtores, é preciso principalmente vontade política”, sustenta.

Celso Alves não tem dúvidas de que as algas são organismos interessantes e resistentes. “Há espécies de macroalgas expostas a condições agressivas, que não se conseguem mover nas praias, e que desenvolvem mecanismos para se desenvolverem como respostas à sua sobrevivência.” E há matéria para espremer com os olhos postos no potencial farmacológico e biotecnológico. “O conhecimento de agora pode não ter aplicabilidade no momento, mas pode ser usado no futuro, no desenvolvimento de novas terapêuticas”, enfatiza. As algas são um admirável mundo para explorar a vários níveis.

A partir do Algarve, Rui Santos conta que há vontade de criar uma mostra fotográfica com as imagens das algas que estão na plataforma digital da universidade. Uma exposição que poderá ser itinerante. “Uma maneira de retribuir, uma forma de agradecimento.” A todos os que se interessam e não passam ao lado desses seres que saem do mar e dão à costa.