Abel Ferreira: o portuga

Abel Ferreira é treinador do Palmeiras

Foi um adolescente aprumadinho, fascinado por carros. Um aluno médio, pouco dado ao estudo das línguas e a saídas noturnas. Licenciado em Educação Física, foi um jogador competente. Como treinador, troca o eu pelo nós. No Brasil, não há quem lhe desconheça o nome.

“Não posso falar muito. Não posso mesmo, que ele zanga-se, já me avisou”, lamenta Hélder Moreira, primo direito, companheiro de infância, mais novo meia dúzia de meses. “Não é de se vangloriar, não gosta muito do palco. Posso dizer q ue era um miúdo muito divertido, alegre, que adorava jogar futebol e brincar na rua.”

A rua do Trinta e Três, em Penafiel. No pequeno campo pelado, o rapaz franzino mostra destreza com a bola e o quanto detesta ficar em segundo. Destaca-se, ganha lugar na equipa de iniciados no clube da cidade e a advertência materna é repetida vezes sem conta. “Belito, olha a escola.”

No 8.º ano reprova, passa as férias a aprender pichelaria, desiste do futebol. “Mas fomos buscá-lo. Fazia falta.” Manuel Moreira, crismado Potinho por em criança “ter tanto de largo como de alto”, é, à época, o seu treinador. Recorda o atleta: “Era um valente. Velocidade, rapidez de execução, bons cruzamentos”. O caráter “exemplar”. “Ele tem tudo de bom.”

Escalão a escalão, esforço a esforço, lavando o equipamento de treino e fazendo trabalho de apanha-bolas, Abel chega ao plantel principal. “Raça e ambição são as palavras que melhor o definem”, diz Manuel Fernando Ribeiro, diretor de comunicação do Penafiel, testemunha do percurso do lateral direito no clube.

Com 19 anos, jogador profissional, faz a vontade à mãe e retoma os estudos. Já licenciado em Educação Física, protagoniza a transferência mais cara da história do Penafiel. Cem mil euros paga o Vitória de Guimarães, treinado por Paulo Autori, talvez o primeiro brasileiro a ver nele talento particular. Hoje, com o Brasil a aplaudir o novo vencedor da Taça Libertadores da América, Manuel Fernando Ribeiro declara-se “nada surpreendido”. “Era jogador e já tinha uma visão tática bastante evoluída.”

Mal o jogo termina, Miguel Tika felicita o amigo. “Respondeu-me que está muito feliz, mas que sabe que é passageiro. Que não se pode deslumbrar com a paisagem que se vê do cimo da montanha.”

Colega de liceu, Miguel lembra “um adolescente aprumadinho, sempre bem vestido, fascinado por carros”. Paixão a que o amigo dá azo na oficina do pai, mecânico de profissão. Ainda sem carta, já Belito mete na garagem os carros dos clientes. Mal pode, compra um kart. Tika confirma: “Era muito enérgico, irrequieto, extrovertido”. Um aluno médio, pouco dado ao estudo das línguas e a saídas noturnas. Nem o amigo, então DJ, o arrasta. “Era um bocadinho pé de chumbo, preferia as músicas mais calmas, sobretudo a Bossa Nova.” O tempo vai transformando a extroversão em reserva. “Não gosta mesmo de falar dele.”

Termina a carreira no Sporting. “Creio que já pensava há muito ser treinador. Por isso tirou a licenciatura.” A vitória brasileira abre-lhe portas. “Quando regressar a Portugal, pode ter lugar num dos três grandes”, prevê Tika.

O grupo de amigos da rua Trinta e Três reivindica o jantar adiado. “No último, fiz-lhe umas amêijoas com chouriço, de que gostou muito. É um bom garfo e também cozinha bem.” Miguel, chef e professor de hotelaria, destaca as palavras do amigo no dia da vitória. “Os agradecimentos sem esquecer ninguém, a defesa do grupo, o nós em vez do eu são as marcas do Abel”, enaltece, provocando contraste com a natureza diferente de Jorge Jesus, o primeiro português vencedor da prova. “Aquela conferência de imprensa devia de ser mostrada nas escolas”, defende.

“Hoje, sou melhor treinador, mas pior filho, pior pai [duas filhas], pior marido, pior irmão [uma irmã], pior tio”, disse Abel Ferreira na “coletiva” pós-vitória. Quando recebeu o convite brasileiro, a família bem tentou dissuadi-lo. “Oh, que vais tu lá fazer?”

Abel Fernando Moreira Ferreira
Cargo:
treinador do Palmeiras
Nascimento: 22/12/1978 (42 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Penafiel)