São amadores mas milhares de pessoas confiam nas suas previsões do tempo

Já em pequenos olhavam para o céu - de onde ora caía chuva, ora neve - com espanto. Mais tarde, com a chegada da internet, começaram a aprender a interpretar mapas e cartas meteorológicas de forma autodidata. Hoje gerem páginas de meteorologia amadora com milhares de seguidores, onde fazem previsões diárias. Faça chuva ou faça sol.

Era Luís ainda rapaz, andaria pelos 12 anos, quando houve em Serpa um acontecimento insólito: uma monumental carga de granizo. Habituado a sol, calor e pouca chuva, aquilo espantou-o e fê-lo olhar para o céu com mais atenção. Foi nessa altura que resolveu começar a registar num caderno o tempo que fazia todos os dias, bem com as temperaturas, usando um vulgar termómetro de mercúrio. E assim foi seguindo o seu interesse, mas muito seriamente: aos 18 anos, comprou uma estação meteorológica semiprofissional por cem euros e, com a ajuda da mãe, criou a Meteo Alentejo. Passados três anos, substituiu-a por uma melhor, que lhe custou 800 – valor que conseguiu angariar através de um crowdfunding. Hoje, dez anos depois, a Meteo Alentejo tem 21 estações meteorológicas e outras tantas webcams espalhadas pelo Alto e Baixo Alentejo, de Marvão a Almodôvar.

“Algumas foram financiadas por mim, outras através de campanhas de crowdfunding, outras são fruto de parcerias com câmaras municipais e corporações de bombeiros”, explica Luís Mestre, atualmente assistente operacional na Câmara Municipal de Serpa. Também tem conseguido alguns patrocínios para o site de forma a financiar os custos. “Para continuar a manter a informação sem custos para as pessoas, porque este é um serviço de utilidade pública”, assinala. Em períodos de tempo “normal”, o site meteoalentejo.pt tem uma média de cem a 200 visitas por dia, em alturas de tempo mais agreste, como aconteceu durante a tempestade Bárbara, em outubro de 2020, os valores disparam para seis mil visitas diárias. Tem, além disso, mais de 21 mil seguidores no Facebook.

O que se consegue ao recolher dados em 21 sítios diferentes é precisão. Aljustrel e Castro Verde, por exemplo, dois dos locais onde a MeteoAlentejo tem estações meteorológicas, encontram-se a apenas 20 quilómetros de distância, mas isso não significa que faça o mesmo tempo num sítio e noutro ao longo do dia. “Assim conseguimos prestar uma informação de verdadeira proximidade. As pessoas sabem que tempo vai fazer na sua cidade, e não na região, e conseguem ver em tempo real que tempo está numa cidade vizinha para onde se vão dirigir”, exemplifica. “E isto é muito útil quer para o cidadão comum, quer para os agricultores.”

Todas as estações fazem automaticamente uma previsão para três dias, que Luís complementa com a análise e a interpretação de cartas e modelos numéricos. Aprendeu a fazê-lo através de livros, na internet e também numa formação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em 2014. “Essa formação foi feita para a criação de um grupo de observadores meteorológicos voluntários em Portugal, para relatar fenómenos meteorológicos, sobretudo extremos, em tempo real.” O projeto em questão, do IPMA, está agora integrado na plataforma online Observar (https://observar.ipma.pt/), onde qualquer cidadão pode reportar, em tempo real, a ocorrência de fenómenos meteorológicos severos que testemunhe, sendo a informação encaminhada para o Centro de Análise e Previsão do Tempo do IPMA.

Luís quer manter a meteorologia apenas como hobby. Apesar disso, continua com projetos de expansão do Meteo Alentejo: “Vamos constituir uma associação de meteorologia e já temos acordos para a implementação de mais quatro estações em Arraiolos, Pias, Alcácer do Sal e Ourique.”

As previsões são como um GPS

Comentar o estado do tempo é um desporto nacional e um dos tópicos preferidos dos portugueses para fazer conversa de circunstância. O assunto interessa a todos. Seja por razões prosaicas – como saber o que vestir no dia seguinte ou se a roupa pode ficar no estendal a secar -, ou para tomar decisões mais importantes, como começar obras em casa ou fazer uma festa ao ar livre. A isso juntam-se outras decisões relacionadas com a agricultura e, claro, a previsão dos chamados fenómenos extremos, de forma a que a população se possa prevenir.

Rui Mira, gestor da página MeteoMira, que criou em 2018 e tem cerca de 21 mil seguidores, começou cedo a olhar para o céu e a adivinhar que tempo lá vinha. Ainda adolescente, era frequente que a mãe, antes de pôr a roupa no estendal, lhe perguntasse: “Olha lá, Rui, posso estender a roupa ou achas que vai chover?”. Quando entrou para a faculdade, em 1999, ainda ponderou ingressar em Engenharia Geofísica, mas abandonou a ideia com receio da falta de empregabilidade.

Em 2018, Rui Mira inaugurou a página MeteoMira. A paixão pela meteorologia é bem mais velha. Quando era adolescente, a mãe perguntava-lhe a previsão do tempo para saber se podia colocar a roupa no estendal
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

O engenheiro civil, de 38 anos, garante que foi a internet que determinou que tantos pudessem dedicar-se às previsões de forma amadora. “Hoje em dia, a maioria dos modelos meteorológicos numéricos estão disponíveis online e gratuitamente”, salienta. Rui considera que uma das vantagens das páginas de meteorologia amadora, além da vertente interativa, é a vertente educativa. “Em vez de dizer só que tempo vai fazer, tentamos explicar porquê. De forma simples, para as pessoas entenderem os fenómenos meteorológicos.” No caso da sua página, há ainda outra característica distintiva: Rui Mira faz semanalmente uma publicação com o “poema de previsão semanal”, onde, em verso, relata o estado do tempo para essa semana.

À velha piada sobre os meteorologistas nunca acertarem no tempo, Rui Mira lembra que meteorologia não é uma ciência exata, mas interpretativa. Parte das previsões são feitas através de modelos meteorológicos, que são uma simulação computadorizada determinada por equações matemáticas. Isso quer dizer que mediante a recolha de dados relativos à temperatura, velocidade do vento ou nuvens recolhidos, o modelo vai estimando o que lá vem.

Rui compara, assim, as previsões meteorológicas com as indicações de tempo de percurso do GPS do carro: às vezes o aparelho diz que chegamos daqui a uma hora e meia a um local, mas pode haver diferenças, relacionadas com fatores como o trânsito ou os acidentes. “Com as previsões é a mesma coisa: posso estimar que chega uma frente de precipitação a Setúbal pelas 11 horas, mas basta que haja uma oscilação do vento para ela chegar antes ou depois do previsto.” Antevisões além dos cinco dias são sempre “menos fiáveis”.

O meteorologista amador frisa também que o problema da pandemia não deixou o campo das previsões ileso: “Os modelos são alimentados por dados recolhidos em terra, mas também em barcos e aviões e, com a covid-19, há menos meios, o que condiciona a emissão de dados. Os últimos furacões, por exemplo, foram nomeados com muito menor antecedência do que é habitual”.

De facto, já em maio de 2020, a Organização Meteorológica Mundial afirmou-se preocupada com o crescente impacto da pandemia na quantidade e qualidade das observações e previsões meteorológicas. Em comunicado, alertou, por exemplo, para o facto de o número de medições meteorológicas feitas a partir de aeronaves ter caído em média 75 a 80% relativamente ao normal.

Uma questão de proximidade

Márcio Santos recorda-se que em criança, quando a carrinha vermelha da biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian passava na sua aldeia, Paradela de Monforte, concelho de Chaves, aproveitava sempre para requisitar livros sobre a formação das trovoadas, os diferentes tipos de nuvens, a leitura das cartas sinóticas e a neve. Tem bem presente a memória do ano de 1997, quando enormes nevões deixaram a aldeia isolada durante dias. Márcio adorou.

Foi já adulto – e depois de ter também acesso a muita informação através da internet – que começou a sentir que a previsão que lhe chegava a casa era na maior parte das vezes pouco detalhada, por ser baseada na capital de distrito. “Ao viver a cerca de 80 quilómetros de Vila Real, percebi que a previsão e avisos não me representavam e comecei assim a fazer publicações dedicadas à região transmontana, com previsões mais pormenorizadas, indicando não apenas a capital de distrito, mas alargando a informação a outros núcleos populacionais importantes”, detalha o profissional do setor da banca, hoje com 35 anos e a viver em Oeiras. Foi assim que, em 2013, criou a página de Facebook Meteo Trás os Montes.

Márcio Santos criou, em 2013, a página de Facebook Meteo Trás os Montes. O sucesso está à vista no número de seguidores – mais de 120 mil
(Foto: Jorge Amaral/Global Imagens)

Com o tempo, a comunicação deixou de ser unidirecional e passou a haver muita interatividade. “A informação passou não apenas a fluir da página para a comunidade, mas também da comunidade para a página: as pessoas envolveram-se na ideia e passaram a fazer parte dela, enviando registos em formato de vídeo ou fotografia de tudo o que se passa. Também o âmbito geográfico se alargou, os seguidores passaram a estar em praticamente todo o lado.” O sucesso está à vista e Meteo Trás os Montes é uma das páginas de meteorologistas amadores com mais seguidores: cerca de 122 mil.

Márcio Santos nota que os picos de visitas ocorrem sempre que há previsão de neve ou frio, trovoadas, depressões nomeadas e até no seguimento de incêndios florestais. “Durante a tempestade Bárbara, por exemplo, a página teve um pico de alcance que fez com que em poucos dias alcançasse, só no Facebook, mais de um milhão de pessoas, o que para uma página amadora em Portugal é um registo notável.” Acredita que o segredo do sucesso está no facto de as suas previsões serem geralmente acertadas, em tempo útil e linguagem acessível, e revela que, por vezes, é contactado informalmente por pessoas ligadas à Proteção Civil, bombeiros e autarquias locais, que procuram complementos às informações oficiais. Apesar da crítica, também não deixa de fazer o aviso – é “completamente autodidata e amador” e, como alerta na página de Facebook, “para previsões oficiais, deve ser consultado o site do IPMA”.

O criador do Meteo Trás os Montes defende que a ideia de que os meteorologistas falham muito é injusta. “Na verdade, as pessoas têm tendência a verificar apenas o que se passa no seu ‘quintal’. Por exemplo, quando há previsão de trovoadas, não é possível dizer onde e quando se vão formar e frequentemente uma localidade regista um temporal e na localidade ao lado não se passa nada. Possivelmente os desta última dirão que a previsão esteve errada, mas não esteve.”