A leucemia que ataca sobretudo as crianças

As leucemias agudas são doenças raras

A leucemia linfoblástica aguda apresenta sintomas ou sinais inespecíficos. Cansaço, febre, falta de ar, hematomas e fraqueza. Dissecar os mecanismos genéticos e moleculares, que estão por detrás do aparecimento do clone de células leucémicas, é uma das maiores missões.

A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é uma variante de leucemia aguda não muito frequente nos adultos, com maior incidência nas crianças. E não há uma resposta concreta para esta questão. “Atualmente, é feita uma ligação que poderá estar relacionada com os mecanismos moleculares subjacentes ao aparecimento de um clone de células leucémicas. Alguns investigadores foram estudar as amostras de sangue colhidas quando se faz o ‘teste do pezinho’ do recém-nascido, em crianças que tinham desenvolvido LLA e, em alguns casos, verificaram que parte delas já apresentava alterações associadas ao desenvolvimento de leucemia”, adianta Manuel Abecasis, presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL).

Ou há uma predisposição genética para a doença ou, eventualmente, os fatores associados à sua evolução podem já ter uma influência durante a gestação uterina. “Ao longo do tempo, têm surgido várias hipóteses, mas, na prática, não conseguimos identificar fatores claramente associados a uma doença deste género”, sustenta o especialista.

A patologia apresenta sintomas ou sinais inespecíficos. Cansaço, febre, falta de ar, nódoas negras por tudo e por nada, hemorragias do nariz ou das gengivas. No caso das crianças, é comum aparecerem dores articulares, o que pode levar a uma associação a doenças reumáticas ou formas de reumatismo infantil com manifestações semelhantes. Manuel Abecasis deixa um aviso: “É preciso ter alguma cautela nestes diagnósticos, afinal, podem ser utilizados derivados da cortisona, os corticoides. Neste contexto, a utilização precipitada de corticoides pode encobrir a doença que está por de trás”.

Cansaço, nódoas negras, hemorragias do nariz, dores articulares, são alguns sinais que, no entanto, podem remeter para outras doenças

As leucemias agudas são doenças raras, os sintomas remetem para outras patologias, o importante é não criar alarme imediato, especialmente nos pais que têm crianças pequenas, até porque é frequente brincarem e é raro chegarem a casa sem nódoas negras. É preciso bom senso, portanto, mas também não se pode aligeirar muito os sintomas, uma vez que alguns, quando são repetidos ao longo de vários dias, devem merecer uma consulta ao médico de família ou ao pediatra.

“A LLA afeta o normal funcionamento da medula óssea, ou seja, as células leucémicas, que nós chamamos de blastos, vão-se infiltrar e substituir as células da medula óssea saudável”, explica o médico. Esta é, de facto, a grande repercussão que a doença tem no organismo, daí os sintomas de cansaço por anemia, infeções por baixa dos glóbulos brancos, hemorragias por baixa das plaquetas. Pode ainda verificar-se um aumento dos gânglios linfáticos, do baço e do fígado.

É sempre feito um exame de medula óssea, tanto para adultos como para crianças, mesmo que haja células leucémicas em circulação, o que acontece praticamente em todos os casos. É necessário então fazer um estudo da medula óssea para confirmar o diagnóstico, para conseguir identificar com maior precisão as alterações moleculares e genéticas associadas do tal clone leucémico, que começa a ser pequeno, mas desenvolve-se e começa a dominar a medula óssea.

A doença progride rapidamente. Com o estudo e análise das alterações genéticas, foi possível identificar genes associados a doenças específicas, entre elas, as leucemias. “A partir daí, conseguimos, com algum rigor, determinar como clone leucémico surge e com que rapidez prolifera. De facto, o clone destas doenças mais agressivas tem uma rapidez de proliferação enorme, às vezes, em semanas, outras em dias”, refere Manuel Abecasis.

O que falta saber sobre a doença? Uma das grandes questões sobre esta doença é se alguma vez se conseguirá dissecar os mecanismos genéticos e moleculares que estão por de trás do aparecimento do clone de células leucémicas. Para o presidente da APCL, há muito trabalho a fazer, há investigação permanente nesta área, muitos grupos focados e espalhados pelo mundo. É do fruto dessa investigação que têm surgido os tratamentos que, hoje em dia, são aplicados aos doentes.

A LLA representa cerca de 25% dos diagnósticos em crianças menores de 15 anos, sendo o tipo de leucemia aguda mais comum na população pediátrica (entre 75% a 80% dos casos)

O tratamento da LLA passa pela quimioterapia que permite curar cerca de 90% das formas infantis da doença. Manuel Abecassis recorda, a propósito, que “recentemente assistiu-se a um enorme desenvolvimento da quimioimunoterapia, que utiliza anticorpos monoclonais contra as células leucémicas que atuam quer facilitando o reconhecimento dos blastos pelo sistema imunitário do doente (sobretudo pelos linfócitos T), quer porque permitem o transporte para o interior das células leucémicas de medicamentos muito eficazes.”

Apesar de uma taxa de cura muito elevada nas crianças, nos adultos a situação é diferente. A doença é mais resistente, as remissões são de curta duração, é necessária uma abordagem estratégica diferente. Nos casos em que a quimioterapia não resulta, há o transplante de medula. “Para que o transplante seja possível, é necessário que haja um dador compatível. Nos dias de hoje, aquilo que acontece é os dadores na família são pouco frequentes porque as famílias são muito pequenas e a probabilidade de dois irmãos serem compatíveis ronda os 25% a 30%.”

A Associação Portuguesa Contra a Leucemia e a Sociedade Portuguesa de Hematologia atribuem, periodicamente, uma bolsa de investigação para quem trabalha nesta área da LLA. Os projetos são avaliados por um júri que analisa vários aspetos, clínicos e não só, de natureza epidemiológica também, para uma melhor caracterização da doença em Portugal. Passo a passo, o conhecimento sobre as leucemias vai aumentando.