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A janela aberta por Constança Braddell

Constança Braddell deu visibilidade à doença ao lutar pelo acesso a um medicamento inovador. Morreu com 24 anos (Foto: DR)

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A história de Constança Braddell, a jovem que perdeu a vida para a fibrose quística, deu a conhecer uma doença mortal, ainda sem cura, mas para a qual existem novos medicamentos.

É com vivacidade e de forma descomplexada que Sebastião Hibon, de 29 anos, fala sobre fibrose quística, a doença com que vive desde bebé. Transplantado há três anos, garante que hoje tem uma vida normal, mas não esconde que já viveu “fases muito complicadas”.

Constantes complicações são a realidade dos cerca de 400 pacientes atualmente identificados em Portugal, metade crianças, segundo números avançados pela Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ). Uma doença grave e incapacitante, principalmente a nível respiratório, que pode levar à morte e para a qual, apesar dos avanços nos tratamentos, não há cura. O transplante de pulmões ainda é, para muitos doentes, a última esperança. Uma intervenção complexa e com vários riscos, incluindo a rejeição do órgão, mas que permite aos pacientes adultos terem uma vida normal, assegura a vice-presidente da ANFQ, Joana Roque. “Os meus pulmões já não têm fibrose quística, mas o resto do organismo tem”, explica Sebastião, que ficou oito meses em lista de espera para transplante.

O diagnóstico precoce, o controlo dos sintomas e as novas terapêuticas permitiram que a fibrose quística se tornasse numa das “doenças raras em que a esperança média de vida mais aumentou”, rondando atualmente os 40 anos, segundo Joana Roque.

Rara e genética, é causada por alterações no gene CFTR, que se transmite de pais para filhos. Para que se manifeste, é necessário que os dois progenitores sejam portadores de uma mutação genética, mesmo que estejam doentes, pormenoriza Celeste Barreto, pneumologista pediátrica e consultora científica da ANFQ. A alteração na síntese da proteína CFTR, codificada pelo gene homónimo, é responsável pelo mau funcionamento das glândulas exócrinas de alguns órgãos, que produzem secreções mais espessas do que o normal, afetando, entre outras, as funções respiratória, digestiva e das glândulas sudoríparas.

A nova geração de tratamentos

Uma nova geração terapêutica surgiu entretanto como uma esperança para estes doentes. O Kaftrio, o medicamento pelo qual lutou a jovem Constança – que fez uma emotiva campanha nas redes sociais para financiar o fármaco, cujo custo está orçado em cerca de 270 mil euros por ano – já teve parecer positivo do Infarmed e aguarda a assinatura do secretário de Estado da Saúde para a conclusão de um processo burocrático, de acordo com a ANFQ. Só depois ficará disponível para todos os doentes sem necessidade de autorizações extraordinárias, como a concedida a Constança, que acabaria por morrer pouco depois, aos 24 anos.

“Até agora, estávamos a tratar sintomas, mas, com os novos moduladores intervém-se a nível do defeito básico, com possibilidade de muito maior controlo da evolução doença”, diz Celeste Barreto. É uma nova era no tratamento da fibrose quística. Já em janeiro, dois outros medicamentos de nova geração tinham sido autorizados, após cinco anos em avaliação. No entanto, são apenas indicados para uma pequena percentagem de doentes, ao contrário do Kaftrio que poderá tratar a maioria (80%), assinala Joana Roque. Um dos trabalhos das associações de doentes é ajudar os pacientes na burocracia para terem acesso às terapêuticas inovadoras, principalmente na concessão de autorizações especiais, e dar apoio psicológico aos doentes e familiares.

Sebastião Hibon teve o diagnóstico de fibrose quística em bebé, foi transplantado e leva uma vida normal
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Antes do transplante, Sebastião chegou a utilizar um dos medicamentos, com uma autorização especial igual à concedida a Constança. “Acredito que foi o que me manteve estável até à operação”, salienta. Por isso, olha para a nova medicação como uma janela de esperança para todos os portadores de fibrose quística.

Detetar a doença antes dos sintomas

Desde 2013 que o rastreio da fibrose quística está incluído no diagnóstico neonatal. O que permite identificar a doença antes do aparecimento de sintomas e iniciar precocemente o controlo desses sintomas, com impacto positivo na qualidade de vida dos doentes, salienta Celeste Barreto. Antes, a patologia só era detetada na sequência de complicações respiratórias e digestivas ou desidratações graves. Foi o caso de Sebastião, internado com um ano e meio devido a complicações respiratórias.

O jovem da Ericeira conta que, ainda assim, viveu a infância com normalidade. Foi na adolescência que a situação se agravou e começou a ter mais consciência do seu quadro clínico. Medicação, cuidados constantes e diversos internamentos. “Enquanto era criança, tudo aquilo era normal porque era a minha vida desde a nascença.” Aos 16 anos, sofreu uma hemorragia interna nos pulmões provocada pelas sucessivas infeções que foi tendo em criança. Depois, e até ao transplante, aos 27 anos, viveu com “cada vez com mais limitações, até que foi deixar de viver, apenas para conseguir sobreviver”. Apesar da frágil saúde, licenciou-se em Design de Comunicação e trabalhou como freelancer.

Olhando para o que já passou, Sebastião sublinha a enorme gratidão pelos profissionais de saúde que o acompanharam. “Os momentos mais difíceis não são passados com a família, porque estamos internados ou em exames complicados, são passados com estes profissionais que colocam de lado o próprio bem para sofrer connosco.”