Ajudar os outros diminui a ansiedade, a depressão e a pressão arterial, protege da doença cardíaca, reduz o risco de morte precoce. Os dados da investigação impressionam. Não faltam motivos para sermos bondosos.
Mais vitalidade, menos ansiedade, mais autoestima. Nas sociedades modernas, na correria dos dias caóticos, parece quase utopia. Mas a receita para o conseguir é bem mais simples do que se possa imaginar. Que fazer bem aos outros sem pedir nada em troca nos faz sentir bem, todos sabemos. Só que a bondade e a generosidade vão muito além disso, fazem bem à saúde, a nível cerebral e cardíaco. E até aumentam a longevidade. É uma espécie de recompensa do corpo, cada vez mais estudada por investigadores em todo o Mundo.
As teorias de personalidade, desenvolvidas pela Psicologia, revelam há muito que pessoas com mais níveis de consciencialização tendem a ser mais empenhadas nas tarefas, mais responsáveis, ter comportamentos mais saudáveis e relações sociais mais harmoniosas, e por causa disso “parecem viver vidas mais longas”. Mas Helena Marujo, professora e investigadora em Psicologia Positiva na Universidade de Lisboa, não gosta de fechar a personalidade em caixas. “A nossa maneira de ser é o resultado daquilo que nos acontece, do que escolhemos fazer, depende do nosso contexto. Não nascemos e morremos sempre com as mesmas características de personalidade.” Talvez por isso a atitude perante a vida e as adversidades digam mais de nós do que a personalidade e a genética.
E se há coisa que a pandemia nos ensinou é a importância de sermos bons uns para os outros. “Há uma ligação fortíssima entre a bondade, a gentileza e a saúde. Grandes investigadores nesta área têm vindo a confirmar que o nosso cérebro se altera quando fazemos, mas também quando testemunhamos, atos de bondade.” Não tem só impacto no humor ou na perceção de sermos relevantes na vida do outro. Longe disso. David R. Hamilton, autor e especialista em Química Orgânica que trabalhou durante anos na indústria farmacêutica, concluiu que a bondade aumenta a produção no organismo de oxitocina, a chamada hormona do amor, que faz baixar a pressão arterial e melhora a saúde do coração.
Menos dores e stress, mais anos de vida
A coordenadora da Cátedra Unesco na Universidade de Lisboa vai ainda mais longe e revela que as pessoas que fazem voluntariado se queixam de menos dores físicas, porque há produção de endorfinas, o nosso analgésico natural. Assim como há produção de serotonina, antidepressivo. Ao mesmo tempo, praticar atos de bondade diminui a hormona do stress. “Pessoas continuamente generosas tendem a ter, em média, 20% menos cortisol, e por isso um ritmo de envelhecimento menor”, diz Helena Marujo.
Certo é que ajudar os outros pode mesmo ter reflexo na longevidade. “Parece proteger duas vezes mais do que a aspirina em relação à doença cardíaca, um resultado incrível da investigação com pessoas acima dos 55 anos”, além de diminuir em “44% a probabilidade de morrer cedo”. Aos altruístas – que encontram sentido em dar de si aos outros e mesmo os que o fazem financeiramente, com doações a entidades ligadas à caridade -, o corpo agradece com mais anos de vida e maiores níveis de felicidade e bem-estar. Há uma explicação para isso: somos uma espécie social. “A zona cerebral ligada ao prazer fica ativada quando fazemos coisas boas pelos outros. Estamos biologicamente preparados para nos sentirmos bem quando ajudamos os outros ou quando somos alvo de um ato de generosidade.”
Mas, para que o impacto na saúde seja relevante e não momentâneo, é preciso continuidade. Helena Marujo cita uma investigação da Universidade British Columbia, Canadá. “Se pusermos em prática seis atos de bondade por semana, ao fim de um mês sentimos menos ansiedade.” Por outro lado, só o facto de desejarmos coisas boas para nós e para os outros, mesmo para aqueles com quem estamos zangados, através da meditação, já tem impacto no aumento das emoções positivas, como a alegria e serenidade. A conclusão é de Barbara Fredrickson, investigadora na área das emoções positivas da Universidade da Carolina do Norte (EUA), numa publicação sobre biologia da generosidade, que chegou ainda a um outro dado: melhora a função do nervo vago, que regula o ritmo cardíaco.
Não parecem faltar motivos para sermos bondosos. De tal forma que a Cátedra Unesco de Educação para a Paz Global Sustentável tem um projeto a decorrer: “Porque a bondade importa todos os dias”. O desafio é sermos bondosos e partilhar histórias dessa experiência. Até porque a bondade é ensinável, pode ser treinada, e é contagiosa. Dá vontade de repetir. Cria efeito dominó.
Uma escola que ensina a empatia
Jardim Escola João de Deus, Leiria. Aqui, há muito que se ensina a bondade às crianças. Aos 51 anos, Vera Sebastião já conta 29 à frente da escola. “Já atravessei muitas gerações de alunos. E percebi que os nossos meninos são um reflexo do Mundo em constante mudança. Este trabalho tem muito a ver com isso, com a diferença que sentimos nos valores. Hoje, são mais individualistas, menos resilientes, menos resistentes às frustrações, a um não.”
Não é a típica saudosista de “no meu tempo é que era bom”, percebe que isso é o resultado natural de famílias de filhos únicos. Mas não cruzou os braços. Treina os alunos, dos três aos dez anos, para valores como a empatia, a bondade, o saber olhar para o outro. Todos os anos, há ações de solidariedade. As crianças recolhem alimentos para distribuir pelos sem-abrigo, ou ração e produtos de higiene para animais abandonados. Vera também quer abrir as portas da escola, num fim de semana, aos que não têm casa para ali tomarem banho e terem uma refeição quente, com a ajuda dos alunos do 4.º ano.
Na avenida em frente à escola, os miúdos já pararam o trânsito para oferecer flores com mensagens de bem-querer aos automobilistas. Já abriram uma lojinha de afetos, de onde tiram um coração para oferecer a um colega de cada vez que têm de pedir desculpa. E a escola tem mesmo um projeto curricular de educação para as emoções. “Podem não se lembrar de operações de dividir, mas isto são coisas que ficam para a vida. E não é só a solidariedade que é uma boa ação, às vezes, é um sorriso, um abraço, e eles vão cultivando isso desde cedo, a predispor para o bem.” Inclui um Emocionómetro, onde os pequenos identificam com carinhas as suas emoções. O projeto já originou três congressos sobre educação emocional, em parceria com o Politécnico de Leiria, o ISCTE de Lisboa e a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Em junho, vão à Grécia falar da sua metodologia. Nunca se estudou o efeito destas ações nas crianças. Mas Vera Sebastião consegue medi-lo. “Percebemos que continuam a ser impulsivas, a reagir a estímulos menos positivos, mas sentimos que têm mais capacidade de pedir desculpa, de perceberem que agiram mal. E isso é mais de meio caminho andado.”
As competências do futuro
Para a investigadora Teresa Freire, “a bondade e a generosidade são muito importantes e a Psicologia Positiva traz este acréscimo”. “Eram facetas da vida humana a que não se dava muita importância, procurava-se resolver o que corria mal para repor o equilíbrio, mas é preciso também ver como é que os indivíduos funcionam quando estão bem e se podemos potenciar isso.” Coordena a equipa de investigação sobre o desenvolvimento positivo e funcionamento ótimo no Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. E fala em competências do futuro. “Desde a capacidade para lidar com o medo, da incerteza até à criatividade, resiliência e pensamento crítico. É nessa diversidade que temos de capacitar os indivíduos para que possam ter mais saúde.”
É a competência em adaptarmo-nos às transformações sociais cada vez mais aceleradas e imprevisíveis. Até porque ter saúde não é só a ausência de doença. “É bem-estar, sentir-se bem com o que se tem, envolver-se nas oportunidades, saber lidar com as adversidades.” A investigadora lidera o projeto de promoção destas competências com adolescentes e jovens, desde o 7.º ano à universidade, “fase do desenvolvimento em que há muitas mudanças a ocorrer e de muitas decisões”. Um programa de tutorias e mentorias, com atividades específicas para trabalhar a regulação emocional e o funcionamento otimizado. É prepará-los para as coisas boas e más que vão acontecer na vida: “O desenvolvimento positivo não é andarmos sempre contentes e felizes. É termos soluções para todos os cenários da vida, ferramentas internas”.
O programa de treino de competências já vem de 2011. Começou por alunos dos 7.º ao 9.º anos numa fase inicial e os resultados levaram a investigação a estender, em fevereiro, o projeto ao Secundário e Superior. Há 300 jovens inscritos, que são avaliados antes e depois da intervenção. Só termina em 2022. E a bondade aqui também entra, ligada ao respeito pelo outro, à solidariedade, à capacidade de empatia.
“Não é coisa menor. Quando se fala que a bondade é importante, não é uma bondade avulsa. É integrada numa lógica de funcionamento.” E isto aprende-se. Tudo o que é “competência é apreensível, é treinável”. Não se trata de “ou se tem ou não se tem”, podemos aprender a ser resilientes, bondosos, generosos. E não, não é preciso haver momentos extraordinários na nossa vida para o sermos. “O nosso campo de atuação é a vida diária. Perceber o que é que o contexto nos oferece e o que podemos fazer com ele”, conclui a docente.
No final de contas, os investigadores só avaliam mudanças nos biomarcadores, como a inflamação, a hormona do stress ou o envelhecimento celular para perceber se a bondade faz bem à saúde. E mesmo que não faça, faz bem à alma.