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A amizade após o divórcio

Tiago Assis é casado com Filipa Teixeira. É divorciado e amigo de Inês Pina, que casou com Frederico Monteiro. A família alargada faz programas amiúde (Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

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O fim de uma relação conjugal não implica desfazer uma família nem invalida o renascimento de um relacionamento baseado na coparentalidade e, depois, na amizade. O denominador comum é o bem-estar dos filhos.

Inês e Filipa dão um abraço carinhoso quando se encontram. Tiago e Frederico cumprimentam-se enquanto as crianças se misturam, brincando, contentes. Inês e Frederico vieram de Loures e Filipa e Tiago da Venda do Pinheiro. No jardim de Belém, há muito espaço, mas as restrições impostas pela pandemia entre as duas famílias não existem desde que são frequentes os encontros quer ao ar livre, quer em casa. “Somos uma família alargada. É o que é”, comenta Inês Pereira Pina, 34 anos e taróloga de profissão.

Alcançar esta cumplicidade levou o seu tempo e as responsáveis pela peculiar ligação foram Alice e Constança, ambas de três anos, apenas com uma semana de diferença. Tinham pouco mais de um ano quando começaram a monopolizar as videochamadas frequentes entre Inês e Tiago, os pais de Santiago, nove anos, e de Lourenço, sete anos. “Nós, adultos, começamos a falar ‘por arrasto’. Deixamo-nos levar pela pureza das crianças”, assinala Inês, que esteve seis anos casada com Tiago Assis, de 33 anos e account manager na área de informática. Quando questionados sobre o motivo da separação, após um breve silêncio, Inês é quem primeiro aponta a “incompatibilidade de feitios”. “Quanto mais tempo as pessoas estão juntas, mais se conhecem. Depois as crianças fazem com que se revelem algumas facetas de ambas as partes”, completa Tiago, o primeiro dos dois que constituiu outra família, com a designer Filipa Teixeira, de 38 anos, de quem tem uma filha, a Alice. Não muito tempo depois, Inês iniciou uma relação com o cozinheiro Frederico Monteiro, de 34 anos, sendo mãe pela terceira vez, de Constança, e pela quarta, há um ano, de Vicente.

O casamento não acabou “muito bem”, admitem, mas “é preferível as crianças crescerem em ambientes saudáveis, com pais que se falam bem, embora separados”, sublinha Tiago. “Conseguimos chegar a acordo, facilmente, em relação à guarda dos meninos. Queríamos o que era melhor para os nossos filhos e não o que era melhor para nós”, frisa Inês. “O divórcio requer adaptação e, na fase inicial da separação, surgem sempre conflitos e divergências, mas esbatem-se com o tempo”, acrescenta, consciente de que ser filha de pais separados, que “se davam bem e até passavam o Natal juntos”, ajudou a ultrapassar os conflitos com o ex-marido.

Os pais separam-se enquanto parceiros românticos, no entanto, mantêm outra parceria no exercício da parentalidade, define Joana Garcia da Fonseca, psicóloga clínica, psicoterapeuta e terapeuta familiar e de casal na Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso e no Belong – Instituto de Desenvolvimento e Saúde, em Lisboa. “Quando conseguem ter uma relação de amizade, podemos dizer que a coparentalidade conseguiu focar-se no bem-estar emocional dos filhos. É caracterizada pela empatia e cooperação, com impacto muito positivo no desenvolvimento e percurso dos filhos.”

João Guerra é pedopsiquiatra no Centro Hospitalar e Universitário do Porto e conhece famílias em que o relacionamento entre ex-cônjuges vai além do contacto cordial. Constata que a ligação continua porque existem filhos, embora não seja “fácil manter uma amizade genuína com quem se viveu tempos difíceis, seja num casamento, seja noutra relação”, até porque cada um tem a sua personalidade e história de vida, pessoal e familiar. “As diferenças sempre existiram, pelo que têm formas diferentes de reagir às mudanças implicadas no divórcio. Com o tempo e reorganização da vida de cada um dos pais, podem, e devem, evoluir para uma relação de respeito pela importância que o outro tem na vida dos filhos”, observa, salientando que “quando os papéis estão bem definidos e os pais se sentem seguros do que estão a fazer, transmitem segurança e provavelmente as crianças não se sentem confusas”.

Filipa, que foi casada 11 anos e não tem laços de amizade com o ex-marido, recorda o primeiro programa juntos, em que houve “algum desconforto” por parte de todos: “Foi no aniversário do Santiago. Convidámos a Inês, como mãe, para estar presente”. “Por conhecer as dificuldades, após uma rutura amorosa, é que compreendi este processo. Intercedia sempre que havia conflitos entre o Tiago e a Inês”, conta, convicta de que ser animadora infantil “ajudou imenso na boa relação” que estabeleceu com os enteados.

Inês diz que não olha para Tiago como ex-marido, mas como “pai dos filhos mais velhos”. “Tenho uma maior proximidade com a Pipas [Filipa]. Não tenho muitas amizades e quando quero partilhar algo, é com ela”, comenta a taróloga. E , em simultâneo, ambas dizem: “Estamos todos bem resolvidos”.

“A família não acabou. Continuou e alargou”

Para Joana Garcia da Fonseca, “embora o divórcio seja um acontecimento negativo, não é o fim da família”. Sandra Monteiro, vigilante, 50 anos, de Almada, concorda: “A família não acabou. Continuou e alargou”. Relembra a história de amor com o ex-marido, Pedro Santos, de 52 anos, profissional na área da segurança. “Casámos muito jovens. Aos 24 anos, nada sabemos da vida.” Admite que “já nenhum era feliz nos dois últimos anos do casamento” e aproveitaram enquanto ainda havia amizade para se afastarem, caso contrário, iria ser uma “separação complicada”. “Fomos ao notário assinar os papéis. A seguir fomos almoçar. Chorámos. Quando casamos com uma pessoa não pensamos em divórcio.”

Sandra Monteiro e o ex-marido mantiveram-se amigos pelo filho, ambos voltaram a casar e convivem frequentemente
(Foto: Carlos Pimentel/Global Imagens)

Sandra e Pedro optaram por seguir caminhos diferentes, mas sempre ligados pela parentalidade de David Santos, 21 anos, três na altura do divórcio. Houve uma “tentativa de reconciliação falhada espoletada pela carência”, mas “já não havia qualquer outro sentimento além do respeito e da amizade”, realça a vigilante, que teve “duas relações que não vingaram” e que voltou a casar, oito anos após o divórcio, com Paulo Santos, de 54 anos, que é pai de Henrique, da mesma idade de David.

Sandra conta que o ex-marido “teve algumas namoradas”, mas, com o intuito de salvaguardar o filho, fizeram “um pacto”. “O David era a nossa prioridade e não poderia ser exposto a qualquer pessoa. Se a relação era passageira, não fazia sentido envolver o miúdo, pois iria afeiçoar-se.” Entretanto, Pedro casou com Rita, 42 anos, a trabalhar numa empresa ligada à cultura, com quem teve dois filhos gémeos. Sandra é madrinha de um deles e refere-se à comadre como “amiga do coração” e “boadrastra”, porque sempre “tratou maravilhosamente o David”. Quanto ao Pedro, além de pai do filho, é o “melhor amigo”: “Criámos laços de amizade muito bonitos. Somos pessoas de bem e bem resolvidas”.

João Guerra defende que os pais devem procurar um “momento tranquilo para, juntos, falarem com os filhos sobre o fim da relação conjugal” e explicarem que “continua a relação de amor, de pais, com os seus filhos”. Da mesma forma, deverá haver uma conversa, “numa linguagem adequada à idade”, quando o pai ou a mãe têm uma “nova relação com previsível estabilidade”. Para o pedopsiquiatra, “não seria muito sensato introduzir alguém na vida dos filhos que antecipadamente se sabe que vai desaparecer em breve”.

“O contacto e envolvimento contínuos com o ex-cônjuge no exercício da coparentalidade têm sido apontados como acontecimentos stressantes decorrentes do divórcio, porque é como se essa proximidade não permitisse concluir o processo de luto”, refere Joana Garcia da Fonseca, que, ainda assim, acredita na amizade depois da reorganização familiar, sendo “talvez mais promissora em situações de famílias reconstruídas, com novos companheiros”.

“Não queria que os meus filhos assistissem a discussões”

O bem-estar dos filhos é o interesse comum, que servirá de base a uma eventual amizade entre ex-companheiros e que a irá distinguir de outras amizades. A salvaguarda dos filhos foi o que motivou Carla Bentinho, 52 anos, quando há 23, a idade da filha mais nova, Joana, pediu o divórcio a Vítor Silva, de 58. “O nosso filho Vítor tinha sete anos, já compreendia certas situações. Não queria que ficasse com uma má imagem dos pais”, indica a funcionária pública de Coimbra. “Separámo-nos porque o meu ex-marido tinha relações extraconjugais. Passado um ano, reconciliámo-nos. Foi quando engravidei da minha filha. Tentei ultrapassar a traição, mas não consegui. Não queria que os meus filhos assistissem a discussões e agressões verbais. Para o bem de todos, optei pelo divórcio e não foi por não gostar do pai dos meus filhos.” Não foi fácil. “Senti muita raiva, revolta. Como cuidava de uma bebé e de uma criança, pouco tempo sobrava para pensar muito ou alimentar o ódio.”

Carla Bentinho e Vítor Silva optaram pelo divórcio para poupar os filhos a discussões e preservar o bem-estar
(Foto: Tony Dias/Global Imagens)

“Numa situação familiar disfuncional, o divórcio pode ser a solução que melhor serve os interesses de todos os elementos da família e os filhos têm direito a viver num ambiente saudável e seguro”, considera Joana Garcia da Fonseca. João Guerra garante que não existem “fórmulas mágicas, rápidas e indolores”, mas, sim, “a realidade da qual a dor faz parte e o tempo é mesmo necessário”. “As situações de divórcio são todas diferentes, porém, há alguns princípios base e orientadores para se definir um rumo.”

A relação de Carla e Vítor teve um rumo norteado por uma prioridade partilhada: respeitar e proteger os filhos. Com o tempo, esta mãe viu a dor de mulher atenuar. “Se não tivéssemos filhos, provavelmente, nunca mais nos veríamos. Tínhamos uma relação cordial. Tudo pelos filhos. Quatro anos depois do divórcio, o Vítor convidou-me para sair e aceitei. Pediu-me desculpa e assumiu que não agiu corretamente. Nesse dia, perdoei, mas não esqueci.” Assume que a relação de amizade que entretanto construíram “faz confusão a muitas pessoas” e não raras vezes lhes dizem que “vão acabar juntos”. Mas não. “Sou feliz. Gosto de viver sozinha. Tenho filhos maravilhosos, tenho amigos, tenho o meu espaço. O casamento não faz parte dos meus planos”, afirma Carla.

E quanto a planos com o ex-marido, só na base da amizade com a parentalidade a unir os encontros. Carla e Vítor já foram com os filhos à Disneyland Paris e este ano estão a pensar numa viagem aos Açores, nas férias. Sandra e Pedro também já passaram férias com o filho e os atuais companheiros. Inês e Frederico e Tiago e Filipa também tencionam ter a experiência de fazer uma viagem juntos com os filhos.