100 anos de insulina. Dos jejuns prolongados à purificação de extratos de pâncreas

Durante séculos, ensaiaram-se diversos tratamentos para a diabetes

A descoberta, os marcos históricos, os avanços no último século. E o tratamento da diabetes nunca mais foi o mesmo. Exposição itinerante divulga o caminho que revolucionou a medicina e a saúde. Mostra está na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e, por causa da pandemia, pode ser vista online.

Há 100 anos, o Mundo batia palmas por mais uma descoberta importante para a saúde e 2021 arranca com a celebração do centenário da insulina. Formou-se uma comissão executiva e montou-se uma exposição que recua ao passado para revisitar os principais marcos históricos do tratamento da diabetes, desde o antigo Egito, onde em 1550 AC já havia referência a uma doença que se assemelha à diabetes, até à descoberta da insulina, em 1921.

Neste momento, e até 30 de janeiro, a exposição “Uma visita à história da diabetes no centenário da descoberta da insulina” está fisicamente patente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no Hospital de Santa Maria, no primeiro piso do edifício central. Por causa das restrições, do atual contexto de pandemia, e das medidas do confinamento, a mostra pode ser apreciada à distância, em casa, através do link www.100anosinsulina.pt/exposicao.
Depois disso, passará para o Centro Hospitalar São João, no Porto, e de seguida para o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, também no Porto, em datas ainda a definir dadas as atuais circunstâncias.

A comissão executiva das comemorações do centenário da descoberta da insulina conta com elementos que acompanharam mais de meio século da história da insulina, que estão a trabalhar com instituições e sociedades ligadas à diabetes, num programa vasto de atividades adequadas à ocasião. O objetivo desta comissão é reforçar a importância da descoberta da insulina e os principais avanços que se fizeram sentir nos últimos 100 anos.

José Luiz Medina, endocrinologista, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina do Porto, membro da comissão, não tem dúvidas. “A descoberta da insulina, um dos maiores feitos da História da Medicina, permitiu uma esperança de vida para as pessoas com diabetes como nunca havia existido até então.”

“A diabetes, antes da descoberta da insulina, era uma doença fatal”, refere José Luiz Medina, endocrinologista, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina do Porto

“É importante saber como era a vida das pessoas com diabetes antes da descoberta da insulina. Bastará dizer que há 100 anos a sobrevivência de uma criança com diabetes tipo 1 variava entre um mês e dois anos, no máximo. Os adultos com diabetes tinham uma sobrevida muito curta também. Podemos dizer que a diabetes, antes da descoberta da insulina, era uma doença fatal”, sublinha.

Durante séculos, ensaiaram-se diversos tratamentos. “Os egípcios tratavam as pessoas com diabetes com uma mistura de água, chumbo, trigo e terra. No período já mais próximo da descoberta da insulina, a diabetes era tratada com jejuns prolongados, com o objetivo de impedir que a concentração de glicose aumentasse no sangue”, recorda.

O tratamento de jejum conduzia a uma má nutrição e a magrezas impressionantes. José Luiz Medina lembra que “antes da descoberta da insulina, ter diabetes era equivalente a uma condenação à morte”. “O tempo de vida era curto e associado a complicações graves, como cegueira, amputações dos membros, acidente vascular cerebral, enfarte do miocárdio, insuficiência renal e morte.”

Antes da insulina, ter diabetes, por norma, significava complicações graves como cegueira, amputação de membros, enfarte

A investigação foi lenta, mas progressiva. “Recordamos num passado recente Paul Langerhams, que descreveu a anatomia e a histologia de formações isoladas e dispersas no seio do pâncreas e denominou-as de ínsulas (donde deriva a palavra insulina), mais tarde Ilhéus de Langerhans. Minkowski e Von Mering que, com as suas experiências, demonstraram que o pâncreas era uma glândula de secreção interna importante para a manutenção da homeostase da glicose. E Eugène Gley que, em 1905, numa comunicação, descreveu os resultados de ensaios iniciados em 1890 com ‘extratos de pâncreas degenerados’ obtidos por oclusão dos ductos excretores da glândula”, adianta Manuel Almeida Ruas, endocrinologista, fundador e ex-diretor do Serviço de Endocrinologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).

“As injeções dos ditos extratos reduziam a excreção urinária de glucose em cães submetidos a pancreatectomia com melhoria da situação clínica. Estava dado um passo importante no conhecimento da fisiologia e patologia da diabetes”, refere.

Em 1907, Georg Ludwig Zuelzer produziu extratos de pâncreas equino, bovino e suíno. Administrou esse extrato pancreático em animais com diabetes experimental e em pessoas com diabetes. Observou uma diminuição considerável da glicosúria nos casos tratados. Em 1916, Paulescu, após estudar a pancreatectomia em cães, observou que a injeção de solução aquosa de extrato pancreático permitia uma melhoria da diabetes induzida experimentalmente. O caminho estava preparado para os passos seguintes.

Em 1920, J.J.R. MacLeod, diretor do laboratório de Fisiologia da Universidade de Toronto, chamou Frederick Banting ao laboratório com a missão de investigar o funcionamento dos ilhéus pancreáticos. Banting acreditava que a resposta à questão principal do problema residia nos ilhéus de Langerhans, que produziam uma secreção que ajudaria a regular o metabolismo da glicose.

Banting e Best foram os primeiros a tratar com insulina, e com sucesso, a primeira pessoa com diabetes. A insulina salvou a primeira vida, a de um rapaz de 14 anos

Com este raciocínio conseguiram obter um extrato de pâncreas que reduzia a glicemia nos animais em testes. Seguiu-se a purificação do extrato com a obtenção da insulina, aplicável ao ser humano em 1921. Banting e Best, em 1922, foram os primeiros a tratar com insulina, e com sucesso, a primeira pessoa com diabetes. A insulina salvou a primeira vida, a de um rapaz de 14 anos.

Luís Gardete Correia, endocrinologista, presidente da Fundação Ernesto Roma, da comissão executiva das comemorações, lembra que “outros investigadores estiveram próximos da descoberta da insulina, mas Banting e Best foram os primeiros a prepará-la para utilização no ser humano, com a ajuda de Collip, que desempenhou um papel fundamental na sua purificação.” Em 1923, foi registada a patente e os direitos correspondentes foram vendidos pelos três investigadores à Universidade de Toronto por apenas um dólar. Nesse ano, foi atribuído o prémio Nobel a Banting e a Macleod, tendo Banting dividido o valor do prémio com Best e Macleod com Collip.

“A descoberta da insulina veio prolongar a vida de pessoas com diabetes, sobretudo as que têm diabetes tipo 1 (o pâncreas destas pessoas não segrega insulina) e veio também abrir portas a mais e melhor investigação sobre novas insulinas e novos métodos de aplicação”, realça o endocrinologista.

A mostra itinerante foca vários momentos, como os anos 80 do século XX, década em que a insulina passou a ser comparticipada a 100% pelo Serviço Nacional de Saúde. Em Portugal, destaca-se a figura de Ernesto Roma, a quem se deve a criação da primeira associação de diabetes do Mundo, a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal.

Em março, a exposição deverá chegar à Universidade da Beira Interior, na Covilhã, e em abril à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Madeira e Açores também fazem parte do roteiro com datas ainda a definir. As comemorações contam com o patrocínio da Federação Internacional da Diabetes.