
Maria Teresa Souza, brasileira que passa largas temporadas em Portugal por causa de uma das filhas, orgulha-se de ter sido sempre um poço de saúde. “Tenho 69 anos e não tomo remédio nenhum.” Até que, há pouco mais de três semanas, deu por ela afundada em vertigens, num estado “horrível”. “Muito mau, não desejo a ninguém.” O assombro apanhou-a de repente. “Um dia acordei e quando me virei tive de me segurar, porque estava tudo a girar. Até disse à minha filha: parecia o filme ‘O Feiticeiro de Oz’, quando a casa estava a rodar naquele furacão. Não sei se foram segundos, minutos, horas. Sei que não conseguia mais mexer a cabeça.”
Ainda assim, resistiu a ser vista. “Sou meio teimosa. Automediquei-me. Achei que fosse labirintite.” Mas as tonturas não passavam. Passados dois dias ainda foi ao hospital, mas, ao fim de horas infrutíferas de espera, desistiu. Depois tentou ir de férias. “Continuava tonta, mas dava para me equilibrar. Até que um dia deixei de conseguir levantar-me da cama.”
O diagnóstico chegou pouco depois, já após uma viagem de ambulância até ao Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa. “Disseram-me que tinha de marcar uma consulta no otorrino, que era um problema com os cristais dos ouvidos.” Seguiu-se uma consulta de vertigem e uns longos mas eficazes minutos. “Tiveram de me fazer a manobra para colocar os cristais no sítio. É um processo muito doloroso. Saí de lá muito assustada, a chorar muito, muito tensa.” Mas o sofrimento compensou. Maria Teresa Souza deixou o consultório já com o problema resolvido e os cristais não voltaram a dar-lhe dores de cabeça. “Mas até hoje viro-me com o máximo cuidado. Foi uma experiência um bocado traumatizante.”
O problema das vertigens é recorrente. Prova disso é que no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, onde desde 2014 há uma consulta de vertigem, tem havido uma média de 30 marcações por semana. “É uma consulta específica. A avaliação da vertigem difere muito da avaliação de otorrinolaringologia geral, até porque exige equipamento específico. E tem havido muita procura. Primeiro porque a pessoa que sofre deste tipo de vertigens vê a sua qualidade de vida muito perturbada e depois porque há cada vez mais informação sobre o assunto”, justifica Teresa Oliveira Matos, otorrinolaringologista e uma das responsáveis pela consulta em questão.
Mas o que são, afinal, as vertigens? “São um sintoma, uma ilusão de movimento. Ou temos a sensação de que o corpo se está a deslocar em relação ao meio circundante, ou que o meio circundante se está a deslocar em relação ao corpo. Isso gera tonturas, sensação de desmaio, instabilidade, fraqueza.” Mas há distinções importantes a fazer. Desde logo, entre as vertigens deste cariz, que têm uma explicação fundamental biológica, e as vertigens resultantes da fobia das alturas, cuja explicação é sobretudo do foro psicológico (ver caixa). Depois, há que diferenciar vertigem e tontura. “Temos sempre de perceber qual das situações é. Porque se for ‘só’ uma tontura pode resultar de um problema do foro da cardiologia, muscular ou até de adaptação a uns novos óculos.”
Dos cristais à nevrite vestibular
Mas voltemos às primeiras, as vertigens que são tratadas pela equipa de Teresa Oliveira Matos. E que podem ter várias explicações. A doença dos cristais é a causa mais frequente. Mas também pode estar em causa uma enxaqueca vestibular. Ou a doença de Ménière. Ou até uma nevrite vestibular. Por partes. Na primeira, os cristais do ouvido, ou areias de carbonato de cálcio, saem do local anatómico correto e vão cair num dos canais semicirculares do ouvido interno. “Há uma alteração da mecânica do ouvido. Daí que o tratamento também seja mecânico. A pessoa deita-se na marquesa e nós, usando uns óculos próprios que nos permitem analisar os olhos da pessoa, vamos rodando a cabeça, com manobras reposicionadoras, até os cristais voltarem ao sítio.”
A otorrinolaringologista chama ainda a atenção para a nevrite vestibular, que, não sendo a segunda causa mais frequente de vertigens, é a que “mais assusta”. “Por ser um episódio muito violento, muito intenso, que os doentes chegam a descrever como uma sensação de morte iminente.” Trata-se de uma inflamação do nervo vestibular, que vai desde o ouvido interno até ao tronco cerebral e que, ao contrário da doença dos cristais, em que as tonturas duram segundos, provoca vertigens durante horas. Quanto ao tratamento, passa por corticoterapia (terapia com corticoides) e reabilitação vestibular. “São exercícios que servem para trabalhar a plasticidade neuronal. Por exemplo, um marinheiro que vai para o mar, regra geral, começa por enjoar. Depois habitua-se. E até enjoa mais tarde, quando chega a terra. Neste caso, há um nervo que deixou de funcionar e o cérebro acha que estamos a rodar para o lado oposto. Vamos treiná-lo para se habituar a isso.”
O medo das alturas
Para muitos, as vertigens fazem-se sentir apenas em locais particularmente altos – ou até perante a memória dos mesmos. Neste caso estamos perante um fenómeno designado por fobia das alturas ou acrofobia. “Geralmente os acrofóbicos apresentam reações físicas e emocionais exacerbadas quando estão em lugares altos. No entanto, elas podem ocorrer até mesmo quando não há um contacto real com a causa do medo. Poderá bastar lembrar-se ou imaginar algo que remeta àquela situação e isto servir como um disparador para aquela manifestação de sintomas”, explica a psicóloga Isabel Cambraia. Os sintomas podem ir da taquicardia à falta de ar, “tonturas, náuseas, sudação excessiva e ataques de pânico, assim como sentimentos de raiva, tristeza e vulnerabilidade”. As causas são mais difíceis de descortinar. “Os pesquisadores teorizam que ela pode ser evolutiva ou aprendida, ou que uma pessoa pode desenvolvê-la após uma experiência traumática.” E tratamento, há? Sim. Se o primeiro impulso de quem sofre deste tipo de vertigens é evitar sujeitar-se a situações que impliquem alturas elevadas – por exemplo, dar uma volta maior para ir trabalhar para não passar numa ponte -, há terapias que permitem resolver o problema da forma mais eficaz. É o caso da EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing), que consiste em movimentos oculares de dessensibilização e reprocessamento. Isabel Cambraia resume o processo assim: “Focada nas memórias de situações difíceis do passado, por meio da estimulação bilateral, guiada por um profissional de saúde mental, reprocessam-se essas memórias, os estímulos atuais que provocam o medo e as situações futuras nas quais a pessoa poderá vir a estar perante o que lhe provoca medo. A experiência é armazenada com as emoções apropriadas, capazes de guiar a pessoa apropriadamente no futuro”.