Uma criança com leucemia será um adulto saudável?

Há um grande número de leucemias que se encaixam em dois grupos conforme a origem das células. Há as leucemias mieloides e as leucemias linfoides. Em cada grupo, há as agudas, que normalmente se manifestam de forma muito rápida e necessitam de tratamento urgente, e as crónicas, muitas vezes diagnosticadas em exames de rotina ou que surgem com sintomas insidiosos e pouco específicos. Normalmente, os sintomas não são muito claros, mas são a consequência da diminuição dos glóbulos vermelhos, das plaquetas e dos glóbulos brancos no organismo.

O cansaço fácil, nódoas negras, hemorragias do nariz ou das gengivas, febre, suores excessivos podem ser indícios de uma leucemia. E leucemia é uma palavra muito dura de se ouvir. Como se o chão fugisse dos pés. “É natural que uma pessoa a quem seja diagnosticada uma leucemia tenha uma reação de medo, continuamos a verificar isso hoje em dia. No imaginário da maioria das pessoas, este diagnóstico tem associada uma carga emocional muito negativa e quase todos têm conhecimento de histórias com uma evolução fulminante”, refere à NM Manuel Abecasis, presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL).

Sensação de fraqueza e cansaço permanente, infeções frequentes, hematomas, perda de peso e de apetite, são alguns sintomas.

Há, porém, boas notícias. A hematologia evoluiu muito nas duas últimas décadas e a ritmo impressionante nos últimos 10 anos. Manuel Abecasis adianta que esse avanço prende-se com os conhecimentos adquiridos acerca da natureza intrínseca das células leucémicas obtidas através da biologia molecular e da genética, “numa feliz expressão anglo-saxónica ‘from the bench to the bedside’ ou seja, a transferência de conhecimentos adquiridos em investigação básica nos laboratórios diretamente para a cabeceira do doente, ou seja para uma aplicação na clínica real”. “Graças a esta translação de conhecimentos é possível curar algumas formas de leucemia, particularmente as das crianças, e controlar a progressão da doença em quase todos os outros casos”, comenta.

Os avanços científicos permitem olhar para as leucemias de uma outra forma. “Todas as leucemias são tratáveis, umas com mais sucesso do que outras. E nem sempre é necessário recorrer à quimioterapia: há formas que são curáveis com um tratamento combinado utilizando um derivado da vitamina A e do arsénio, a chamada leucemia promielocítica”. Há outras, como a leucemia mieloide crónica, que são controladas, e por vezes curadas, com medicamentos “desenhados” em laboratório criados para interferir com os mecanismos que causam a doença.

A transplantação da medula óssea é ainda uma solução possível para casos em que outros tratamentos não têm o sucesso desejado.

Uma leucemia num adulto é diferente de uma leucemia numa criança? Sim, há diferenças. “Nas crianças, as leucemias são sempre agudas e, na maioria dos casos, de natureza linfoide. Têm uma elevadíssima taxa de cura. Nos adultos, as formas agudas são com mais frequência de origem mieloide e o seu prognóstico não é tão favorável, sendo que podem surgir igualmente formas crónicas da doença, quase inexistentes nas crianças”, revela Manuel Abecasis.

E por que razão a leucemia se manifesta em idades tão precoces? Por que há crianças com a doença? A resposta não é fácil à luz dos conhecimentos atuais. Segundo o presidente da APCL, neste momento sabe-se que em muitos casos de leucemias que se manifestam na infância, há alterações moleculares que já estavam presentes à nascença. “De facto, a análise do sangue colhido nessas crianças para o chamado teste do pezinho mostrou que já então se encontravam alterações associadas à doença, segundo um estudo retrospetivo realizado há uns anos nos países nórdicos”, adianta.

Uma criança com leucemia pode vir a ser um adulto saudável? Sim, pode. Aliás, a consulta dos “Duros” no IPO é frequentada por crianças, adolescentes e adultos que ultrapassaram com sucesso uma leucemia na infância e que hoje levam uma vida normal”.

Em Portugal 1,5 em cada 100 mil pessoas sofrem de leucemia mieloide crónica, o que representa 15% das leucemias em adultos e 5% em crianças.

Informar é fundamental. Manuel Abecasis não tem dúvidas. Os médicos envolvidos no tratamento das leucemias têm o dever ético de informar os doentes e nunca esquecer as características individuais de cada um. “Os doentes precisam de ser ouvidos e de manifestarem os seus receios e preocupações. A equipa envolvida no seu tratamento (médicos, enfermeiros, psicólogos, todos) manifestando a sua disponibilidade, contribui para amenizar o caminho a ser percorrido, não raras vezes com numerosos obstáculos”, sublinha.