Um pesadelo chamado dermatite atópica

Até ter um ano era um drama, chorava dia e noite. Quando era mais crescida, recorda que a mãe costumava levar um garrafão de água para a praia só para a lavar mal ela saísse do mar. O sal era e é um problema. Beatriz Pestana, hoje com 29 anos, sabe bem o que é ter o corpo a arder, a picar, a coçar, desde pequena.

Os cuidados da mãe tinham de ser mais do que muitos. Atenção com as fraldas: a humidade agudizava a irritação. Atenção com as mãos: chegou a andar com luvas de algodão para que com as unhas não piorasse as feridas. Houve umas férias em que mal saiu de casa por não aguentar vestir-se. A pele tinha de estar sempre hidratada, só usava roupa de algodão e sem etiquetas.

Passados alguns anos, há hábitos que mantém. Continua a usar creme, principalmente na face, ainda que não lhe agrade muito. Mantém as roupas de algodão e o costume de lhes tirar logo as etiquetas: “Como a pele é muito sensível, elas raspam e facilmente fazem ferida”. Contudo, com o tempo, surgiram outros agravantes. “Quando bebo álcool sei que no dia seguinte vou estar pior. Se mexer em detergentes, como eles tiram a gordura da pele, vai haver mais tendência a ganhar lesões e a ficar com a pele inflamada.”

Começa por ficar seca, por dar comichão e arder ao mesmo tempo. Depois adquire uma espécie de aguadilha, ganha crosta, até voltar tudo ao princípio.
A dermatite atópica é uma doença inflamatória da pele e, muitas vezes, a primeira manifestação de uma doença alérgica, podendo preceder o aparecimento de alergia alimentar, rinite ou asma.

Caracteriza-se por lesões cutâneas de localização variável, de acordo com a idade: na face e tronco, pescoço, parte de trás dos joelhos, braços e região das nádegas, durante a adolescência. Já na fase adulta muitas vezes atinge toda a pele. São lesões avermelhadas que descamam, tornando a pele seca, tanto que se podem abrir fissuras que dão muita comichão.

Beatriz explica que por vezes passa por fases mais críticas que lhe causam muito mal-estar – e que nem toda a gente valoriza, por se tratar da pele – mas garante que a situação agora está bem mais pacífica. “Eu nem reparo muito, mas para os outros, estar sempre a coçar-me pode ser um problema. As pessoas reparam.”

Como é médica, por vezes, antes das consultas, sente necessidade de avisar os pacientes que tem dermatite atópica, mas que essa não é uma condição contagiosa. “Psicologicamente nunca me afetou, mas conheço casos em que isto mexe mesmo com a vida das pessoas.”

É o caso da prima, Carolina Prista, com 26 anos. “Mexe tanto comigo que necessitei de acompanhamento psicológico para tentar desdramatizar quando me olho ao espelho.” O caso começou por ser leve. Sempre teve alergias. E entre os dez e os 12 anos costumava ter comichão nas dobras dos joelhos e dos braços. Algo que controlava, que aparecia e passava.

Há cinco ou seis anos começou a ter fortes crises. Da primeira vez, ninguém sabia o que era. O maxilar chegou a ficar em carne viva. Depois de uma maratona de médicos chegou o diagnóstico: dermatite atópica. Iniciou a toma de cortisona oral e começou um mal-estar que nunca mais a largou. “É um desespero e limita-me. Como se manifesta nos braços, pulsos, tronco e pescoço não consigo usar vestidos de alças nem tops curtinhos. Tento tapar para me sentir confortável.”

Mas a cara é o grande problema: “Muitas vezes maquilho-me para disfarçar, mas a pele encorrilha e ainda se nota mais. Já para não falar do facto de saber que usar maquilhagem vai fazer com que no dia seguinte esteja pior”. Na zona do queixo e dos lábios, no pescoço, nos cantos dos olhos. Quem com ela trabalha já sabe. “Nas reuniões começo a coçar-me, não consigo controlar. É muito desconfortável.”

Nunca sabe como vai acordar ou como vai ficar, minutos depois, quando sair do banho. Como estará no final desse dia, ou do dia seguinte. “É ir controlando diariamente.” As crises não se fazem anunciar. Mas sabe que tudo piora quando há alterações hormonais, como na menstruação. Ou seja, uma vez por mês é garantido. “No ano passado tive uma crise tão grande na cara, a ponto de não conseguir sequer sair de casa.” E para curar uma crise são precisos uns 30 dias.

À noite é difícil não coçar, por não se dar conta dos movimentos. Todavia, no que depende dela, controla. Usa produtos específicos para a condição da sua pele. Entre cremes, champô, gel de banho, batom de cieiro, pasta de dentes (porque as “normais” secam-lhe muito os cantos da boca, causando gretas), são mais de 80 euros mensais.

Complexa e de evolução variável

Dois casos que não são muito comuns. Como explica Cristina Lopes – médica especialista em Imunoalergologia e professora da Faculdade Medicina da Universidade do Porto – “a dermatite atópica é mais frequente na idade pediátrica, podendo no entanto surgir em qualquer faixa etária”. Sendo que, “numa fase precoce da vida tende a melhorar e desaparecer até à adolescência”. Porém, quando surge na idade adulta, “tende a persistir”.

Caracterizada pela comichão na pele, a ardência, o desconforto e a dor, a condição, que afeta tanto o sexo masculino como o feminino, não tem cura. “Se a dermatite atópica for ligeira e sem outras manifestações de alergia, tende a melhorar e desaparecer.” Ao contrário, se estiver logo à partida associada rinite ou asma, ou se surgir na idade adulta, “tende a persistir durante toda a vida”. No entanto, continua a especialista, alguns doentes podem ter dermatite atópica na infância, melhorar e voltar a agravar em adulto. “É uma doença complexa e de evolução variável.”

Para melhorar os sintomas, podem ser usados cremes hidratantes, cremes de barreira, cremes e pomadas anti-inflamatórios, comprimidos específicos (derivados da cortisona e análogos), e desde há pouco tempo – unicamente para as formas graves – medicamentos injetáveis de forma subcutânea, chamados “biológicos”, que obrigam a prescrição hospitalar.