Tomar o controlo do parto com a meditação

A dor nas costas surge na sequência do aumento da tensão nessa zona do corpo (Foto: Freepik)

Hipnoparto é um método de dar à luz que já é praticado há décadas pelo Mundo fora. A meditação é um dos segredos desta terapia. Portugal vai dando passos de bebé na matéria.

Gisélia Pereira Machado, de 36 anos, é enfermeira e hipnoterapeuta e aconselha o hipnoparto como o veículo certo para empoderar a família “na hora de parir”. A especialista é também autora de um livro sobre esta terapia (“Hipnoparto – Princípios e técnicas para uma gravidez e parto mais positivos”) e responsável pelo blogue A Minha Enfermeira Parteira, onde escreve todas as dicas para se viver em pleno cada gravidez como única através deste método. A mãe é a âncora para o que é hoje a vida profissional de Gisélia: “Com as suas histórias de parto, inspirou-me a encontrar outra forma de ver o nascimento”.

Explorar formas de capacitar quem se prepara para dar à luz foi o que permitiu à profissional de saúde chegar ao hipnoparto, “uma forma de empoderar as mulheres e as famílias, trazer consciência do corpo e do parto, mais tranquilidade e segurança, quase uma forma de devolver à mulher o seu poder”.

Os primeiros registos do uso de hipnose na preparação para o parto datam de 1920 e pertencem ao neuropsicólogo russo Platonov. Há três décadas, a médica americana Michelle Leclaire O’Neill introduziu o termo “hypnobirthing” (hipnoparto). Gisélia Machado explica que este método nasceu da necessidade de várias mulheres “resgatarem a normalidade do que era parir”, numa época em que, nos Estados Unidos, o parto “implicava serem sedadas e o bebé ser removido por médicos usando ventosas ou fórceps”. A mãe apenas contactava com o bebé várias horas depois. “A ideia é a mulher conseguir controlar-se e assim não necessitar de qualquer medicação para poder estar acordada no momento do nascimento do bebé”, resume Gisélia.

As técnicas e as vantagens

O hipnoparto não se traduz por exercícios físicos. A técnica consiste no emprego de meditações com guiões específicos em cada fase da gravidez. A ideia é ajudar a mente a criar as condições favoráveis para experiências positivas. Ao mesmo tempo, há um quadro de visualizações e afirmações que a família deve seguir para que gravidez, trabalho de parto e parto sejam bem-sucedidos. Em conclusão: “Digamos que a mente comanda o corpo e na gravidez, trabalho de parto e parto a mulher quer estar descontraída, confiante e sentir-se segura. Os exercícios têm como propósito ajudar a mente”.

Os benefícios do hipnoparto são “imensos”, podendo ser resumidos em maior autonomia, menor necessidade de medicamentos e maior satisfação com a experiência. Além disso, “para quem acompanha a mulher existe um maior conhecimento do processo e de como pode ajudar, pelo que todos se sentem mais empoderados”, diz a enfermeira e hipnoterapeuta. “O casal cria o plano de parto mais cedo, discute-o com os profissionais de saúde mais cedo e tudo isso permite-lhe escolher o melhor local para parir.”

Esta técnica não se aplica apenas ao trabalho de parto natural. “Mesmo quando já sabemos que existe um motivo que obriga à realização de uma cesariana, estas técnicas são muito úteis”, prossegue Gisélia Machado, “pois permitem diminuir a ansiedade, aumentar a perceção do que se vai passar e explorar formas de tornar a experiência o mais especial possível para todos”.

Superar as dificuldades

Foi o Google que despertou Andreia Gomes, de 40 anos, residente em Faro, para o hipnoparto. É mãe de dois meninos, o mais velho tem seis anos, o segundo é recém-nascido e chegou após uma gravidez com sobressaltos e ensombrada pela atual crise sanitária. “Precisava de algo que me ajudasse com as dificuldades que estava a ter nesta segunda gravidez, que desde o início foi conturbada e que me trouxe muita ansiedade e stresse. A minha gravidez era de risco clínico acrescido e estávamos todos perante uma pandemia.”

Há seis anos, quando deu à luz pela primeira vez, Andreia não percebeu o excesso da dose de epidural administrada, atravessou um trabalho de parto longo e deparou-se com um pós-parto “horrível. Não há outra palavra para o descrever”. Na segunda gravidez, muniu-se do trabalho da Gisélia para tentar acautelar processos penosos, até porque já se deparava com problemas: “No rastreio do primeiro trimestre, uma médica disse-me que quase de certeza que o meu bebé teria trissomia 21. Chorei durante duas semanas. Mas após a amniocentese isso não se confirmou”, conta Andreia Gomes. Depois foram a tensão arterial elevada, os diabetes gestacionais e, entretanto, chegou a pandemia. “Uma gravidez durante uma pandemia nunca será igual a nenhuma outra. Ainda por cima, no último trimestre de gravidez, houve uma suspeita de um problema cardíaco no bebé”, salienta Andreia. Contudo, e apesar da “necessidade de um parto induzido devido ao risco clínico”, o trabalho de parto “foi muito rápido, e o pós-parto foi fantástico”.

Andreia descreve o processo de hipnoparto como “a consciencialização da mulher para a gravidez, bebé e parto”. Aumenta a segurança e tranquilidade da mulher. “São vantagens que ficam e que me deixaram predisposta para experimentar outras vertentes da hipnoterapia.”

Conexão entre mãe, pai e bebé

Adriana e Al, de 43 e 42 anos respetivamente, vivem em Lisboa. Ela lisboeta, ele de Southport, Inglaterra. Têm um bebé de sete meses e Adriana tem um filho mais velho, de sete anos. Uma vez mais, dois filhos, duas gravidezes e episódios de dar à luz totalmente diferentes. O primeiro com epidural. “Com muita pena”, nem sentiu o bebé nascer, nem contou com uma presença ativa do outro progenitor. Com o hipnoparto, Adriana é sucinta na descrição da experiência: “O parto do meu segundo filho foi a experiência mais extraordinária e ‘empoderante’ que tive na vida”.

O método do hipnoparto inclui ambos os progenitores na gravidez e no nascimento. “Foi, do principio ao fim, uma aventura a dois. O apoio dele, emocional e físico, foi fundamental. Ouvimos juntos e fizemos juntos as práticas das meditações orientadas, da respiração e do relaxamento.” No dia da chegada da criança, Adriana estava tranquila e relaxada. “Com a ajuda do Al e das faixas de meditação orientada com que tinha praticado, senti-me verdadeiramente em transe, embora sempre totalmente ciente do que se passava dentro do meu corpo, do aumento da contração da barriga, da pressão cada vez maior do bebé sobre a pélvis, do meu corpo que fervia”, relembra, continuando: “O Al segurou-me as mãos e guiou-me no relaxamento, sustentou-me durante contrações, massajou-me as costas, refrescou-me o rosto e o corpo”.

E como foi para o homem? “Nunca me senti mais ligado a outra pessoa, e os momentos após o nascimento, depois de ter cortado o cordão, são os mais marcantes da minha vida”, atira Al.

Pouco conhecido em Portugal

Foi uma amiga inglesa de Adriana que lhe recomendou o método, mais enraizado em Inglaterra. Por cá, ainda se dão passos de bebé na implementação da técnica nos hospitais públicos. Gisélia Machado acredita que se vivem tempos de mudança, afirmando que muitos colegas enfermeiros têm feito formação na área a expensas próprias. “Não existe ainda algo estruturado nesse sentido, varia muito de instituição para instituição. Mas sabendo que quem é responsável pela preparação para a parentalidade e nascimento são os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia, a Ordem dos Enfermeiros, através do Colégio da especialidade, emitiu um livro de bolso sobre essa temática, onde inclui a possibilidade de uso de várias técnicas, incluindo hipnose”, assinala a enfermeira e hipnoterapeuta. “Vejo cada vez mais mulheres a procurarem estas técnicas e essa procura traz a vontade das instituições investirem”, remata Gisélia Machado.