Surto de covid em Reguengos de Monsaraz: “Então morrem 18 pessoas e não há ninguém responsável?”

Histórias, duras, trágicas, todas elas dor e angústia, ainda gravitam como fardo em todos os cantos de Reguengos de Monsaraz (Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Lucília Marques Botas, 92 anos. Antes de o vírus a apanhar, “estava bem”, garante o filho. Depois, começou com febre e tosse. Mas sempre que os familiares ligavam para o lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva o que ouviam era que estava bem, “estável”. Faleceu a 25 de junho, sem chegar a ser assistida no hospital. Filipa Carrapato Poupinha, 93 anos, sem problemas de saúde de maior. “Só mesmo as artroses”, conta a neta. Morreu a 2 de julho, no Hospital do Espírito Santo de Évora. A médica transmitiu a uma das filhas a surpresa pelo estado de desidratação em que a idosa lá chegou. Maria Rosa Aleixo, 71 anos. À custa da covid, esteve internada durante um mês. O neto assegura que também chegou ao hospital desidratada. Mesmo que já só tivesse um rim a funcionar. Faleceu após ter contraído uma bactéria hospitalar. Ludmila Istratuc, 42 anos, natural da Moldávia, funcionária efetiva do lar de Reguengos há oito, descrita como trabalhadora exemplar. Começou a sentir-se cansada a 16 de junho, mas só a 23 foi para o hospital, onde acabou por falecer, no primeiro dia do mês de julho. Antes disso, ainda passou o vírus ao marido e aos filhos.

Estas e outras histórias, duras, trágicas, todas elas dor e angústia, ainda gravitam como fardo em todos os cantos de Reguengos de Monsaraz, cidade de 10 mil habitantes colada ao extremo sudeste de Évora, terra habitualmente mergulhada num manto de esquecimento típico da interioridade, mas subitamente atirada aos holofotes pelos motivos que nenhuma quer. Nesta localidade morreram, entre 24 de junho e 24 de julho, 18 pessoas, 16 em apenas duas semanas. O lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), uma imponente casa de fachada senhorial instalada bem no centro da terra, está, desde então, no olho do furacão. Desde logo pelos números. Aqui, 80 utentes contraíram o vírus, 26 funcionários também. O surto irradiou daí para a comunidade, provocando um total de 162 casos de infeção.

No lar, a covid foi particularmente letal: 16 utentes morreram, mais uma funcionária. Houve ainda a registar uma 18.ª vítima, um homem de 52 anos que não tinha qualquer ligação ao lar. Mas nem só os números da tragédia têm conferido à instituição um indesejado protagonismo. Há ainda os resultados de uma auditoria da Ordem dos Médicos, divulgada este mês, onde constam acusações graves, que vão desde o incumprimento das normas impostas pela DGS à alegada falta de condições do lar. Com detalhes sórdidos e particularmente angustiantes ao barulho. O próprio Ministério Público confirmou, a 7 de agosto, a abertura de um inquérito. A instituição continua a refutar todas a acusações.

Um mês depois de a cidade se ter despedido da última vítima mortal por covid, o peso da tragédia ainda manieta a terra, qual camisa de força sem data para sumir. No cemitério, duas dezenas de sepulturas ainda em tijolo são o retrato fiel de um luto incompleto, que se vai fazendo aos repelões, sem paz nem tranquilidade, só uma imensa nuvem de polémica a encobrir à força os dias da perda. Nas ruas, o movimento regressa timidamente ao que era, as máscaras coladas ao rosto a contar a história de uma cidade que aprendeu a cuidar-se à força. No lar, as janelas continuam quase invariavelmente fechadas, qual pedido desesperado por recato em tempos de furacão. Aqui e ali, o surto de Reguengos – e em particular do lar da Fundação – continua a ser motivo de conversa entre as gentes da terra. Desde logo por culpa das notícias constantes que têm envolvido a localidade. Mas o assunto não é de trato simples. Entre os familiares das vítimas, vários recusam falar sobre o que se passou no lar. Ora porque não sabem “o que lá se passava”, ora porque já não têm “mais nada a dizer sobre isso”. Também há quem vá deixando escapar umas frases, mas não queira ser identificado ou fotografado. Já as funcionárias – as duas que conseguimos descobrir em casa – recolhem à privacidade da porta fechada assim que percebem quem somos ou qual é o assunto. Mas também há quem fure o silêncio.

“Se aconteceu é muito triste”

Como Vítor Gomes, filho de Lucília Marques Botas, a idosa de 92 anos que antes de apanhar o vírus “estava bem”, mas que acabou por falecer a 25 de junho sem sequer chegar a estar internada no hospital. “Sempre achámos que o lar tinha todas as condições”, desabafa Vítor, a meias com a mulher, Idalina. Mas depois vieram as notícias das mortes, umas atrás das outras. E depois as conclusões da auditoria da Ordem dos Médicos. E a inquietação foi tomando conta dele. “É uma dúvida que fica sempre. Se o que aconteceu foi o que dizem é muito triste”, vai dizendo o filho de Lucília, antes de partilhar a história da mãe. Lucília, natural de Reguengos mas com quase 40 anos vividos nas redondezas de Lisboa, trabalhou a vida toda. Ora no campo, ora nas limpezas. Nos últimos tempos fora do Alentejo estava com um dos filhos, em Massamá. Mas depois ele deixou de ter condições para a albergar. E ela voltou à casa de partida. Ainda passou pelo centro de dia da Santa Casa, mas não conseguiram vaga para o lar residencial.

Foi então para o lar da Fundação. Foi há uns seis anos. “Se soubesse tinha ficado na Santa Casa”, lamenta o filho. “Parecia que tinha condições e afinal é isto. Se tinha sido logo tratada, às tantas tinha ficado bem.” E põe-se a recapitular o filme dos últimos meses. De como em março deixaram de a poder visitar. De como, desde então, iam ligando para saber dela. De como foram informados de que Lucília estava infetada, mas lhes foram dizendo que, apesar da febre e da tosse, estava bem, estável. Tanto que não precisava de ser internada. Naquele dia de 25 de junho de manhã, uma das filhas, irmã de Vítor, tornou a ligar. E voltaram a dizer que estava estável. “Depois, ao fim da tarde, ligaram a dizer que tinha morrido”, recorda Idalina, a esposa. É uma das pontas do novelo que desassossega o filho e o leva a questionar-se sobre o que fazer a seguir. “Já me estive a aconselhar com um advogado. Não é fácil fazer algo porque não temos provas. Mas acho que era importante fazer-se uma vistoria lá, para que se arranjassem pessoas competentes para lá estar e as coisas pudessem melhorar.”

“Era importante que se arranjassem pessoas competentes para lá estar e as coisas pudessem melhorar”, reconhece Vítor Gomes, filho de Lucília Marques Botas
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Já Leonardo Pereira, neto de Maria Rosa Aleixo, a idosa de 71 anos que já só tinha um rim a funcionar e que mesmo assim terá chegado ao hospital com sinais de desidratação, está determinado a tomar medidas. “Estamos só à espera do relatório do hospital para avançar”, promete à NM por telefone, a partir de Safara, localidade de Moura. Lembra que a avó tinha já uma série de complicações de saúde. As mais preocupantes relacionadas com diabetes e problemas renais – não tinha um rim e o outro não funcionava sequer a 100%. “A minha avó deu entrada no hospital desidratada, como é possível? Uma idosa que necessitava de água para o funcionamento dos órgãos…”, questiona, explicando que Maria Rosa faleceu depois um mês de internamento, após ter apanhado uma bactéria. Ressalva que o lar tinha “funcionárias muito boas, excelentes profissionais”, mas que “não eram suficientes”. Diz até que a avó teve que andar bastante a tempo a aplicar uma pomada cicatrizante, por lhe terem colocado um creme que lhe “queimou a pele”. Leonardo frisa, ainda assim, que não pretende qualquer indemnização. “Só quero que futuramente o lar seja um lugar melhor”, explica, afiançando ainda que, além dele, “há várias pessoas que vão avançar” com ações judiciais.

Certo é que há outros familiares com queixas da instituição, nalguns casos ainda anteriores ao surto que levou 16 utentes e uma funcionária. Os de Filipa Carrapato Poupinha, que tinha 93 anos e morreu a 2 de julho “com sinais de desidratação”, são um exemplo disso mesmo. José Mendes, o filho, aparece atrás da porta entreaberta, quase só de relance, para dizer… que não tem nada para dizer. A custo, lá diz que pouco visitava a mãe porque “não suportava o cheiro”. A urina. “Mesmo quando lá ia não aguentava muito.” Mas que de resto não tem que dizer. E faz questão de agradecer ao antigo presidente da Câmara [Victor Martelo] por o ter ajudado a que a mãe lá entrasse. “Senão ainda tinha morrido mais cedo.” E logo pede licença para voltar para dentro.

“A minha avó entrou no hospital desidratada, como é possível? Ela necessitava de água…”, afirma Leonardo Pereira, neto de Maria Rosa Aleixo
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

A mulher, Maria Rosa Mendes, nora de Filipa Poupinha, e a filha, Cristina Mendes, neta da idosa falecida, vão dando mais pormenores. “O asseio não era muito, foi sempre assim. Volta e meia havia sujidade no chão e cheirava a urina, por causa das fraldas. Mas ela gostava, no geral”, salienta Maria Rosa, que também tem lá um irmão, de 64 anos. Cristina, a filha, realça o desabafo que a médica do hospital teve com a tia, quando lhe deu a notícia de que Filipa tinha falecido. “Disse que não sabia que condições eles tinham no lar, que estavam a chegar todos desidratados, morriam todos do mesmo. A minha avó tinha os rins parados. Não tem jeito, não é? Deixar assim as pessoas a morrer à fome e à sede. A minha avó estava bem. Só tinha umas artroses. Se não fosse isto ainda estava viva.” E a mãe toma-lhe o desalento, estão ambas cabisbaixas, um misto de tristeza e incredulidade. “Isto agora todos os dias vemos notícias na televisão. É complicado ver certas coisas. Diz-se que os velhotes estavam ali sem medicação, sem nada. Olhe, coitado de quem morre.” E a última frase sai-lhe numa espécie de suspiro conformado.

“Cheiro horrível, lixo no chão, vestígios de urina”

Os relatos encontram paralelo no retrato traçado no relatório da comissão de inquérito da Ordem dos Médicos, cujas conclusões foram conhecidas durante este mês. Numa longa lista de problemas, destaca-se o alegado incumprimento das orientações da DGS, como “o isolamento diferenciado para os infetados ou sequer o distanciamento social para os casos suspeitos”. “Não existia, por exemplo, definição de circuitos de limpos e de sujos, o que foi feito apenas a 26 de junho, nove dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso”, sublinha o relatório da auditoria. A referida comissão aponta ainda o dedo à falta de recursos humanos necessários para assegurar a “prestação de cuidados adequados no lar, mesmo antes da crise de covid-19, uma situação que se agravou com os testes positivos entre os funcionários, que os impediram de trabalhar”. Ainda segundo o documento, em consequência dessa falta de recursos humanos, “vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse”.

Entre vários problemas detetados, que vão desde a falta de equipamento de proteção necessário ao facto de, durante dias, os utentes terem continuado a circular sem máscara, surge ainda a alegada falta de condições do lar. “Quartos de quatro ou cinco camas numa parte do edifício antigo, degradado, com calor extremo, cheiro horrível, lixo no chão, vestígios de urina seca no pavimento”, descreve a equipa de dois médicos e de três enfermeiros que foi à instituição fazer testes de rastreio. “A maioria das mortes não ocorreu por pneumonia covid-19, mas sim por outras causas, nomeadamente falência renal, provavelmente por impossibilidade de uma monitorização contínua clínica e laboratorial adequada”, concluem os médicos que assinam o relatório, com perto de meia centena de páginas.

As conclusões do documento elaborado pela Ordem dos Médicos mereceram contestação por parte da FMIVPS. Num comunicado publicado a 11 de agosto, a instituição assevera ter feito “tudo o que estava ao seu alcance e dentro das suas competências, com a ajuda de várias dezenas de instituições e pessoas para salvar vidas humanas, numa crise de saúde pública que assumiu contornos absolutamente dramáticos”. O lar garante ainda cumprir “nos termos da lei todos os requisitos de prestação de cuidados de saúde ao nível de cuidados clínicos (através dos respetivos médicos de família), cuidados de enfermagem” e outros, além de possuir “um quadro de pessoal composto por mais de 50 trabalhadores, respeitando integralmente os indicadores definidos (…)”.

“O asseio não era muito, foi sempre assim. Volta e meia havia sujidade no chão e cheirava a urina, por causa das fraldas. Mas ela gostava, no geral”, conta Maria Rosa Mendes, nora de Filipa Carrapato Poupinha
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Confrontada pela “Notícias Magazine” com as queixas de familiares de utentes do lar, relativas à falta de asseio e ao forte odor a urina na instituição, mesmo antes do surto de covid, a Fundação também repudiou as acusações. “Esta oferta social da FMIVPS é tutelada pela Segurança Social que verifica com regularidade o funcionamento desta ERPI”, fez saber, via email, o presidente do Conselho de Administração da instituição, José Calixto, também presidente da Câmara. Quanto às queixas relativas à desidratação dos idosos e às promessas de processos judiciais, o líder da instituição também refuta qualquer responsabilidade. “Na história desta ERPI [Estrutura Residencial para Pessoas Idosas] não conhecemos qualquer situação desta natureza”, remetendo qualquer questão sobre o assunto para a Autoridade de Saúde Pública. “Nessa altura [após a eclosão do surto, em 18 de junho], o lar deixou de ser lar e passou a ser um alojamento sanitário sob a responsabilidade da Saúde”, refere. Oficialmente, o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, José Robalo, remeteu a investigação do surto de covid-19 em Reguengos de Monsaraz para as entidades competentes.

De resto, entre os familiares dos utentes do lar em questão, também há quem garanta que nunca teve nada a apontar. É o caso de Balbina Fevereiro, 65 anos. Tinha ambos os pais nas instalações da Fundação há 12 anos. O pai ainda lá está. A mãe faleceu a 6 de julho, infetada com covid. A sogra também está no lar. Foi a primeira utente a quem foi detetado o vírus, mas sobreviveu. E o balanço de todos estes anos é positivo, atesta. “Nunca tive razões de queixa. Se eu achasse que o lar não tinha condições tinha tirado os meus pais de lá. E mesmo eles sempre disseram que só queriam sair dali quando morressem. Estavam confortáveis.” Balbina ia visitá-los duas vezes por semana, mais coisa, menos coisa, e diz que “a única coisa que notava, volta e meia, era o cheiro a urina, por causa das fraldas dos velhotes”. “Mas os meus pais sempre estiveram muito asseados e sempre foram bem tratados.” Entre elogios às funcionárias, que “eram poucas mas faziam o melhor possível”, admite apenas que, “nos últimos dois anos, as coisas se estavam a degradar um bocadinho”. Mais ao nível da comida, pormenoriza, que “estava a ficar mais ruim”. Apesar de ainda estar “muito triste” com a morte da mãe, não culpa o lar, que sempre a foi pondo ao corrente da evolução do estado de saúde da progenitora. E sublinha que o pai, com quem continua a falar por videochamada, continua a ser bem tratado.

A morte de Mila, a revolta de Adrian

O caso de Reguengos veio novamente colocar os lares no epicentro das preocupações relacionadas com a covid. A 19 de agosto, a ministra da Saúde revelou que havia à data 69 lares com casos positivos, num total de 563 utentes e 225 funcionários infetados. A governante falou, no entanto, numa evolução positiva, lembrando que houve alturas, desde o início da pandemia, em que foram contabilizados cerca de 2 500 idosos infetados e mais de mil funcionários em 365 instituições. Marta Temido referiu ainda que das 1 786 mortes registadas até àquele momento em Portugal associadas à covid-19, 688 – mais de um terço, portanto – tinham sido de pessoas que residiam em lares.

Entre as 18 mortes que varreram Reguengos, uma, a de Ludmila Istratuc, funcionária do lar de apenas 42 anos, causou particular choque e revolta. Efetiva no lar há oito anos, acarinhada por todos, acentua o marido, começou a sentir-se muito cansada a 16 de junho, teve febre a 17, fez o teste a 18. O resultado confirmou a presença do vírus e ela foi piorando desde então, mas só a 23 foi hospitalizada. A cronologia dos acontecimentos é traçada pelo marido enlutado, Adrian Istratuc, agora encarregue de cuidar sozinho dos três filhos do casal. “Eu ligava para a Saúde 24 e diziam para lhe dar ben-u-ron. Depois, à medida que ela foi piorando, ia ligando para os bombeiros para a irem buscar, mas diziam-me que era preciso um papel do centro de saúde. Só com a ajuda do antigo presidente da Câmara é que consegui que a levassem.” Mas as coisas não melhoraram. A 25 de junho, Ludmila, Mila como era carinhosamente chamada, foi ligada às máquinas. Antes, ainda falou com o marido e os meninos. “Força para vocês todos”, atirou.

Entretanto, também Adrian e os filhos tinham ficado infetados e confinados. Mesmo que, no caso deles, os sintomas nunca tenham sido graves. Mila não teve essa sorte. Nos dias seguintes, o feedback era o mesmo. “Diziam que estava mal, mas que estava controlado.” Até que a 1 de julho o telefonema trouxe a pior das notícias. O rosto de Adrian, que se mudou para Portugal em 2005 em busca da uma vida melhor, é todo dor. Indignação também. “Então morrem 18 pessoas e não há ninguém responsável?” Tanto que promete processar o lar por negligência. Embora saiba que a missão se antevê difícil. “É como lutar contra um furacão”, acrescenta a prima, Cornélia Cojocaru, que também se mudou da Moldávia para Portugal. Adrian lamenta ainda que, em Reguengos, todos comentem o sucedido nos cafés, mas depois ninguém queira dar a cara. “Têm medo”, diz.

“Da Saúde 24 diziam para lhe dar ben-u-ron. Depois, à medida que ela foi piorando, ia ligando para os bombeiros para a irem buscar, mas diziam-me que era preciso um papel do centro de saúde”, reconhece Adrian Istratuc, marido de Ludmila
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Na terra, há quem diga que a resistência se deve a um certo “ambiente autocrático”. Que uma boa parte dos empregos locais depende da Autarquia e que há, por isso, quem tema represálias. Mas ninguém ousa dar a cara por estas afirmações. Há também quem avance com uma explicação mais simples, sempre sem rosto e sem nome: a de que alguns familiares dos utentes falecidos no lar se estão a preparar para avançar com processos contra a Fundação e já foram, por isso, aconselhados pelos advogados a não fazer declarações públicas sobre o assunto.

Entretanto, o PSD vai denunciando uma “teia de relações partidárias” entre Administração de Saúde e Segurança Social no Alentejo, exigindo o apuramento de responsabilidades pela morte de 18 doentes com covid-19 em Reguengos de Monsaraz. Já a única vereadora da oposição a integrar o Executivo da Câmara, Marta Prates, anuncia não estar disponível para “fazer aproveitamento político da situação”. “O PSD já se pronunciou sobre o assunto mas localmente não o vamos fazer. Considero que a questão é sobretudo humanitária. A serem provados os factos em causa estamos perante um crime humanitário grave. Não queria levar isto para o campo do conflito extra-luto, porque acho que isso não é bom para a comunidade”, disse à “Notícias Magazine”.

Também o padre de Reguengos de Monsaraz, Manuel José, a quem coube a realização de praticamente todos os funerais das vidas de reguenguenses que o vírus levou – e que fez questão de telefonar a todos os infetados -, fala num “surto avassalador”, na preocupação do povo, no “peso emocional muito grande”, na dor que se abateu sobre a terra. E Adrian insiste na pergunta, determinado a não deixar esmorecer a indignação: “Então morrem 18 pessoas e não há ninguém responsável?”