Sim, é possível aguentar o isolamento sem endoidecer

(Ilustração: MG/NoticiasMagazine)

Em casa e com as saídas limitadas ao estritamente necessário. É o horizonte para os próximos tempos. Quem julgava que os grandes desafios do quotidiano passavam por cumprir horários, prazos, objetivos e níveis de produtividade, tem agora uma nova prova de fogo. Especialistas de todo o género já avisaram: estes dias longe do escritório e da escola não são férias. A verdade é que há demasiadas nuvens negras lá fora para se pensar o contrário. Teme-se agora pela saúde, pelo emprego, pela perda de rendimentos ou pelo fantasma da crise financeira que voltou a assombrar. Não, não são férias e ninguém faz ideia de quando esta clausura vai acabar.

Só se sabe que se vai passar muito tempo em família. Praticamente o tempo todo. Os que pensam estar preparados, é prudente pensarem melhor, avisam os profissionais de saúde. O que aí vem exigirá muito da paciência de todos. As crianças, sem poder sair à rua, vão ter mais birras do que é costume. Os casais terão momentos em que se vão fartar um do outro. Os avós sentir-se-ão sozinhos. Os adolescentes vão trancar-se na casa de banho para fugir dos pais. Os ansiosos vão ficar mais ansiosos. E os hipocondríacos ainda mais hipocondríacos.

Será preciso chegar a esse ponto? Não necessariamente. Mas ficar fechado em casa sem dar em doido exige alguma disciplina, advertem os especialistas. A regra número 1 é manter as rotinas, quando possível, mas também criar ou reorganizar outras para aliviar o stresse provocado por este isolamento social. “São as rotinas que diminuem a ansiedade”, assinala a psicóloga Marina Carvalho. Ter horas certas para dormir, acordar e refeições é ainda “mais importante quando há crianças envolvidas”, acrescenta a psicoterapeuta familiar Sara Semedo.

Tempos excecionais requerem também mudanças no comportamento. Começando logo por resistir à tentação de estar ligado às notícias em permanência, defende Paula Duarte, psiquiatra do Hospital Egas Moniz, em Lisboa. “Querer saber tudo e a toda a hora sobre o que se passa no país e lá fora só contribui para aumentar a ansiedade.” Como desligar-se do mundo também não é solução, há que escolher “dois ou três momentos por dia” para fazer a atualização, propõe a médica.

As notícias em pequenas doses

A informação será sempre parte central do dia a dia das famílias. Em doses controladas para adultos e, sobretudo, para os mais novos, que nem sempre sabem expressar as ansiedades. “A exposição das crianças às notícias tem um impacto maior, como é natural, e os pais assumem aqui um papel fundamental”, adverte Marina Carvalho.

São eles que têm de esclarecer as dúvidas delas, ajudando-as a gerir o medo e deixando-as mais tranquilas. “As brincadeiras são um bom meio para fazer pedagogia e alertar para os hábitos de higiene”, sugere Sara Semedo. Façam jogos, desenhos, concursos de perguntas e respostas, puxem pela criatividade, para que elas se sintam seguras dentro de casa e não fiquem desconfiadas de que os pais não estão a contar a história toda.

Mas o grande trunfo para afastar os monstros que crescem em silêncio é manter a cabeça delas ocupada. E, apesar de as escolas estarem fechadas, as aulas vão continuar a preencher boa parte do dia das crianças e adolescentes, assegura Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares: “Os agrupamentos estão a reorganizar-se para encontrarem as melhores ferramentas para apoiar os alunos”.

Haverá videoconferências, fichas de trabalho, dúvidas tiradas online, chats no WhatsApp ou plataformas eletrónicas: “Cada estabelecimento de ensino usará os recursos que tem para que as aulas aconteçam todos os dias e nos horários habituais”. Os pais que queiram ajudar os filhos nas tarefas escolares vão poder ligar aos professores ou ao diretor de turma e ainda consultar a planificação das aulas que “muitas escolas” disponibilizam através de senhas de acesso nas suas páginas de Internet.

Bem-estar dos filhos, mas também dos pais

Cuidar dos filhos é meio caminho para evitar males maiores. Mas, se os pais se esquecerem de cuidar deles próprios, a casa corre o risco de desmoronar. Equilibrar os dois pratos da balança implica reorganizar também as rotinas dos adultos. Desde logo, para quem trabalha a partir de casa, há que fixar horários para começar e acabar, alerta a psicóloga Marina Carvalho.

O tempo que sobra pode ainda dar para muito, inclusive para o tédio ou o desleixo, lembra a psiquiatra Paula Duarte. “É preciso encontrar o meio-termo entre as tarefas domésticas, o trabalho profissional e o espaço de liberdade individual que pode variar de dia para dia.” Este é o momento para redescobrir as velhas paixões: cozinha, jardinagem, bricolage, pintura, leituras, música, vale tudo, até passar um bom par de horas a arrumar os armários ou as gavetas que, durante meses a fio, nunca tiveram a nossa atenção.

Ocupar as horas com tarefas que dão prazer e nos fazem sentir úteis é a prescrição desta psiquiatra. E para, ao fim das primeiras semanas, não andarem todos a responder torto, é preciso respeitar também o “espaço individual de cada um”, aconselha a terapeuta de família Sara Semedo. E quem diz de cada um, está a incluir igualmente os adolescentes que vão suplicar por algum tempo sozinhos no quarto, na varanda ou, em caso de extrema necessidade, na casa de banho, se não restar outro espaço livre.

Mães, pais e filhos vão necessitar de pausas da família. Não só no dia a dia como naqueles momentos mais difíceis de que ninguém está livre. Haverá alturas em que, entre o casal, um deles vai perceber que terá de ficar mais tempo com os miúdos. E dias em que a resistência do pai ou da mãe estará nos níveis mínimos. Ainda assim, é possível muscular a paciência para ela durar mais tempo, explica a psiquiatra Paula Duarte.

Exercícios de relaxamento, para quem nunca experimentou, podem ser uma revelação. Não são precisos hora ou lugar marcados. Basta sossego e cinco, seis minutos para respirar devagar. Deixar o ar entrar lentamente até ao fundo dos pulmões e sair sem pressa pelo nariz: “É ótimo para reduzir as ansiedades, não tem contraindicações e ainda vem com o bónus de ajudar a quem sofre de doenças cardiovasculares”.

Pausas, hobbies, música, leituras, serões com filmes e jogos são vitais, mas é capaz de ainda não ser suficiente. Nenhuma família resistirá à clausura se se “fechar sobre ela própria”, diz Sara Semedo. É preciso pegar no telemóvel, ligar aos amigos, ao tio, à madrinha e ao primo que nunca mais deu notícias. E manter os almoços de família, as festas de aniversário e os jantares entre amigos. Nenhum deles poderá entrar em casa, mas arranja-se sempre mais um lugar à mesa para o portátil com o Skype, o Hangouts ou o Facetime ligados. Mais do que manter e/ou retomar contactos, será urgente reforçar as visitas virtuais entre avós e netos para que ninguém se sinta excluído desta quarentena.

Largar o sofá e começar a transpirar

Não será difícil concluir, a esta altura do campeonato, que o bem-estar depende de muitas peças pequeninas. Se a saúde mental é uma parte essencial, o corpo é importante em igual proporção. Com menos saídas, o sofá ali ao lado e a net na ponta dos dedos, resistir à preguiça é o primeiro exercício para contrariar o sedentarismo.

Cinco ou dez minutos de vez em quando é o mesmo que nada, avisa Marco Reis, fisioterapeuta da clínica Estado Físico, em Lisboa. Mas não é preciso muito mais: 20 a 30 minutos no caso dos idosos e 30 a 40 minutos no dos adultos entre os 20 e os 50. Todos os dias não faz mal a ninguém – muito pelo contrário -, mas se for três vezes por semana, o corpo já agradece.

Sem passeios à beira-rio ou aparelhos de manutenção, as vassouras e as cadeiras vão ter de servir para os mais velhos fechados em casa. Um corredor para caminhar, umas escadas – quando existem – para subir e descer, o cabo da esfregona para elevar e descer os braços, um banco para sentar e levantar e uma cadeira para apoio enquanto se alonga as pernas: “Metade do esforço está feita”. Tocar nas pontas dos pés, fazer a rotação do tronco, levantar e dobrar os joelhos completam os exercícios para trabalhar os diferentes grupos musculares.

Os adultos saudáveis podem ser mais ambiciosos. Agachamentos, pranchas, abdominais, tudo isso é possível sem grande aparato. “Os que já têm uma rotina de ginásio estarão em melhores condições de saber os seus limites.” E quem tem um personal trainer, é boa altura para ligar e pedir um plano de treino diário para estes dias de cativeiro.

Não parece difícil, pelo menos em teoria. E mais divertido se torna no caso das crianças. “Elas respondem melhor às atividades lúdicas”, salienta a fisioterapeuta Joana Sanches. O complicado é gastar as pilhas dos miúdos sem pôr o pé na rua. Experimente-se soltar a imaginação delas e entrar também na brincadeira – guerras de almofadas, finais de tarde a dançar, patinagem em collants, rebolar nos corredores, afundanços no edredão da cama, voos de super-heróis, viagens em naves espaciais e tudo o que vier a seguir.

“Vamos encarar estes dias como uma oportunidade para gozar tempo de qualidade com a família”, frisa Sara Semedo. Chegará o dia em que a porta da rua se vai abrir. Mas esse será também o dia em que regressam as filas de trânsito, os transportes apinhados e as correrias de um lado para o outro: “Vai ser bom, nessa altura, sentir que se tirou o melhor partido de uma situação difícil”, remata a terapeuta.

Linhas de apoio psicológico e de emergência disponíveis

  • Dúvidas sobre comportamentos e melhores práticas durante o isolamento:
    [email protected]
  • Viajantes temporariamente no estrangeiro que precisem de regressar ao país:
    [email protected]
    217 929 755 (das 9 às 17 horas)
  • Triagem, aconselhamento e encaminhamento de casos suspeitos:
    SNS24: 808 24 24 24
  • Dúvidas e inquietações da população em geral e apoio aos técnicos de saúde em contacto com os doentes: o Governo e a Ordem dos Médicos anunciaram a criação de uma linha de apoio psicológico, que à data de publicação deste artigo estava em preparação.