Ressonar, acordar cansado, adormecer em qualquer lugar. A privação do sono é grave

Viver todos os dias com o cansaço extremo de noites mal dormidas? Deixar de respirar por alguns segundos durante o sono? Atenção, muita atenção. Dormir bem é vital para o organismo.

Armando Jerónimo tem 68 anos, está reformado, e ressonou durante muitos anos. “Era um ressonar suportável, a certa altura, passou a ser insuportável”, conta. Adormecia facilmente, em qualquer lugar, em reuniões, em convívios familiares. “Sentava-me e estava a dormir.” Um dia, ao volante do carro na autoestrada, fechou os olhos por momentos, valeu-lhe o aviso sonoro das linhas da estrada, e uma estação de serviço por perto.

A mulher de Armando começou a notar que alguma coisa não estava bem. O marido adormecia, ressonava, estava um instante sem respirar e estremunhava para sair dessa espécie de letargia. Não era normal. “Quando adormecia, estava muito tempo sem respirar.” Decidiu procurar ajuda médica, fez exames, os resultados chegaram. “Era um quadro um bocadinho preocupante, assustador”, refere. Ao juntar todos os segundos numa hora no sono, eram 18 minutos em que não respirava. “Andava muito cansado, adormecia em qualquer circunstância.”

Três cirurgias ao nariz e à garganta não melhoraram essa condição. Fez o estudo do sono, iniciou o tratamento para a apneia do sono, começou a usar uma máscara facial para dormir. Há sete anos que dorme tranquilamente. “Durmo bem, aquela sensação de cansaço foi-se embora. Sinto-me bem porque durmo bem”, afirma. E entende o que se passou. “Se não oxigenava durante a noite, todos os dias matava células. O sono era tudo menos reparador.”

O sono é essencial para manter o equilíbrio do organismo. É um processo complexo com múltiplas funções que são benéficas para corpo e mente. “A capacidade de memória, aprendizagem e de decisão lógica dependem de um sono de qualidade. Por outro lado, o sono influencia o nosso sistema de defesa (sistema imunitário), tornando-o mais forte perante a ameaça de infeções”, adianta Susana Sousa, pneumologista no Centro Hospitalar de Setúbal/Hospitais CUF Lisboa, coordenadora da Comissão de Trabalho de Patologia do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

Na apneia, o sono pode ser interrompido de cinco a 50 vezes ou mais por hora, devido a pausas na respiração que podem durar entre dez segundos e um minuto

Sexta-feira, 13 de março, é Dia Mundial do Sono, iniciativa promovida pela World Sleep Society que neste ano tem como mote “Melhor sono, melhor vida, melhor planeta”. E o sono, explica a pneumologista, “ajuda na regulação do metabolismo, quer pelo equilíbrio da glicose e da insulina, quer pelo balanço entre hormonas da saciedade e do apetite e influencia o sistema cardiovascular. De facto, podemos estar mais tempo em jejum do que sem dormir, pelo que o sono, a par da nutrição e do exercício, deve ser encarado como um dos pilares para uma vida saudável.” “Infelizmente alguns doentes continuam a procurar-nos depois de um enfarte agudo do miocárdio ou de uma hipertensão de difícil controlo e no fundo existe uma apneia de sono não tratada desde há vários anos”, acrescenta.

A privação do sono e suas perturbações podem ter consequências graves. Os sinais normalmente são detetados pelos parceiros. Ressonar, paragens respiratórias durante o sono, engasgamentos ou sono agitado com vários despertares. Sono pouco repousante, cansaço ou fadiga, alterações na atenção e concentração, dores de cabeça ao acordar e levantar. Susana Sousa refere que “a sonolência diurna excessiva e a diminuição da atenção podem alterar a produtividade e aumentar os erros ou acidentes laborais.”

“A sonolência durante a condução é também causa frequente de acidentes de viação. Frequentemente as doenças do sono atingem o casal e a própria família. A ansiedade e depressão são verificadas, muitas vezes, nos parceiros, causadas por consecutivas noites sem qualidade de sono, pelo ruído causado pelo ressonar ou pelas pausas respiratórias durante a noite. A irritabilidade e o isolamento social levam frequentemente ao conflito e é responsável por muitas separações”, sublinha a especialista.

Há estudos que mostram que a apneia obstrutiva do sono aumenta o risco de pressão arterial elevada, que, por sua vez, aumenta o risco de incidência de ataque cardíaco ou AVC

A apneia do sono tem um impacto negativo na qualidade de vida que vai para além do próprio doente. Há dezenas de perturbações do sono descritas na classificação internacional de doenças do sono. A Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono é a principal doença respiratória do sono e caracteriza-se por paragens na respiração durante o sono. Estudos mostram que pode atingir até 50% dos homens e 25% das mulheres. Estas interrupções na respiração levam à redução do nível de oxigénio no sangue, o que desencadeia uma resposta do organismo que leva à libertação de moléculas inflamatórias, provoca micro despertares, aumenta a pulsação cardíaca e por vezes a pressão arterial durante o sono.

“Na apneia do sono os doentes relatam, muitas vezes, que adormecem rapidamente quando se deitam, embora apresentem um sono fragmentado, com múltiplos despertares por vezes causando insónia (sobretudo a dificuldade em manter o sono) e que acaba por culminar num despertar sem sensação de sono reparador. A frase ‘estou mais cansado do que quando me deitei’ é das mais ouvidas em consulta de sono.”

Apesar da elevada prevalência, é uma doença tratável. Nos casos de apneia obstrutiva do sono moderada a grave, o tratamento de primeira linha recomendado é o CPAP (continuous positive airway pressure), ou seja, a aplicação de uma pressão positiva de ar através de um pequeno equipamento gerador de pressão e de uma máscara que impede o encerramento da via aérea superior durante o sono, evitando as interrupções na respiração. “Este tratamento melhora a sonolência diurna, reduz os acidentes de viação e reduz o risco de doença cardíaca”, garante Susana Sousa.

Em alguns casos, o ressonar deve-se a alterações da via aérea superior e a otorrinolaringologia pode oferecer uma solução cirúrgica adequada e decidida caso a caso. Em casos ligeiros a moderados ou em que os doentes recusem outras alternativas de tratamento, a medicina dentária pode ser a solução através da utilização de dispositivos orais de avanço mandibular, confortáveis, usados durante o período de sono que permitem reduzir ou eliminar o ressonar e a apneia de sono.