Quem tem medo de mulheres bonitas?

É um receio irracional perante a beleza, um transtorno de ansiedade, um estranho desconforto. Chama-se venustrafobia, é uma fobia social, e afeta sobretudo o sexo masculino. É muito mais do que só ficar sem palavras.

Quando William Thacker, dono de uma livraria em Londres, vê Anna Scott, uma jovem e bela atriz americana, o coração acelera e as palavras não saem. William fica paralisado e perde completamente a fala. É amor? É medo? É doença? É o quê? Anna é Julia Roberts, William é Hugh Grant, e a cena faz parte da comédia romântica “Nothing Hill” de 1999. O que acontece nos filmes também acontece na vida real. A ficção baseia-se na realidade.

Há vários anos, Naomi Campbell, famosa modelo britânica, disse com todas as letras que ser muito bonita é uma desvantagem porque assusta os homens. No auge da sua carreira, a atriz ítalo-americana Isabella Rossellini confessava que a beleza era uma maldição que só causava dor. E a atriz brasileira Rita Guedes, que tantas vezes rotularam de símbolo sexual, também admitiu essa sensação de amedrontar os homens. A beleza assusta? Em alguns casos, sim.

Há seis anos, Sara Sampaio, jovem manequim portuguesa, que desfilava e desfila pelos palcos da moda internacional, comentava que a sua imagem, sexy e bela, afastava o sexo masculino. Tinha então 23 anos e abria o coração no programa “Alta definição” da SIC. “Os homens ficam intimidados comigo, é algo que os meus amigos me dizem.”

“Ser muito bonita é uma desvantagem porque assusta os homens”, reconhece a modelo Naomi Campbell

Mas, afinal, que receio é este? Venustrafobia é um transtorno de ansiedade que envolve um medo irracional por pessoas bonitas. Sara Ferreira, psicóloga clínica, psicoterapeuta, formadora e autora de publicações técnicas e científicas, explica que se trata de um distúrbio pouco conhecido, que causa bastante desconforto, e que não se pode confundir com misoginia, desprezo pelas mulheres, nem com ginofobia, medo geral das mulheres. É um medo que ultrapassa a normal excitação perante alguém atraente, o gaguejar ocasional ou aquele nervoso miudinho. É mais do que isso. “O problema da venustrafobia surge quando estes sintomas, e mais alguns, são experienciados com muita intensidade, causando um desconforto capaz de impedir qualquer contacto com mulheres atraentes e bonitas.”

Tudo pode acontecer. Taquicardia, falta de ar, dor no estômago, boca seca, rubor repentino, dificuldade em articular frases com sentido, suores frios, medo de perder o controlo, vontade de fugir. O medo e a ansiedade são desproporcionais ao perigo real. É uma fobia, portanto. “Embora possa afetar também as mulheres, são os homens quem mais sofre com esta fobia, sendo que, muitas vezes, nem é preciso chegar a ter contacto. Os sintomas manifestam-se pela mera observação de uma fotografia ou de um filme”, destaca Sara Ferreira.

Venustrafobia é, no entanto, um conceito praticamente omisso nas bases de dados científicas. Nuno Mendes Duarte, psicólogo clínico e diretor clínico da Oficina de Psicologia, em Lisboa, chama atenção para esse aspeto e aproxima o termo, tendo até em conta os diagnósticos cientificamente válidos, à perturbação de ansiedade social, a chamada fobia social. “Tal como em qualquer outra fobia não é o objeto fóbico que é assustador, mas sim a própria fobia que, de forma irracional, estabelece esse objeto como assustador.” Assim, podemos “encontrar um contexto em que um homem com perturbação de ansiedade social se encontra romântica ou sexualmente atraído por outra pessoa que acha bonita e isso torna-se problemático para ele”, sustenta.

Timidez e vergonha, ansiedade e rejeição

Quem sofre na pele tamanho turbilhão sente timidez e vergonha. Por vezes, há sentimentos semelhantes a um ataque de ansiedade. Cláudia Faria, psicóloga clínica, aponta duas razões para esse medo: baixa autoestima e experiências traumáticas no passado. “Uma imagem interiorizada devido a comentários feitos durante o seu crescimento ou situações em que não foi bem-sucedido com o sexo oposto. Fracassos amorosos e de amores não correspondidos que foram alvo de troça por parte de quem gostavam”, especifica. “Estas situações levam a um medo irracional, evitando a circunstância que no passado causou grande sofrimento ou trauma.”

“Alguns homens têm medo, preferem mulheres mais frágeis, dependentes, choronas…”, explica a atriz Rita Guedes
(Foto: Roberto Valverde/Divulgacão)

Medo e rejeição andam de mãos dadas com a venustrafobia. “Estas pessoas vivem angustiadas por causa de um sentimento persistente e injustificado de apreensão”, comenta Sara Ferreira. E pode haver uma combinação de fatores: timidez, baixa autoestima e machismo. O que, segundo a psicóloga clínica, espoleta sensações que podem mesmo conduzir a um comportamento misógino, uma vez que há homens que olham negativamente, e com bastante apreensão, para as mulheres que se destacam por alguma característica particular, como a beleza, a inteligência, a independência. Sentem-se intimidados e sentem-se inferiores.

Como noutro tipo de aversões obsessivas, as causas da venustrafobia podem ser encontradas em experiências traumáticas. “Por exemplo, ter vivido uma situação de rejeição em que se sentiu humilhado por uma mulher bonita. Isso pode levar a pessoa a generalizar a sua experiência e acabar por associar beleza a situações de risco, passando a rejeitar circunstâncias semelhantes para não sentir a dor dessa experiência novamente”, diz Sara Ferreira. E isto é um problema. Esse medo irracional pode condicionar relacionamentos profissionais, sociais, sexuais.

“A beleza é uma maldição. Só me causou dor”, garante a atriz Isabella Rossellini

As relações de amor saudáveis e recíprocas são essenciais e fazem parte da vida. As crenças negativas, as dificuldades em termos de competências sociais, em exprimir livremente sentimentos e estabelecer relações causam interferências. Seja como for, a equação não é assim tão simples e, por vezes, envolve perturbações depressivas, perceções negativas sobre si mesmo, aprendizagens traumáticas. “E se vão experienciando rejeição ao longo da vida devido a conflitos internos, é maior a probabilidade de, a cada ocasião em que estão com alguém que desejem, sentirem medo e ansiedade relativamente ao desfecho da interação”, observa Nuno Mendes Duarte. Quem assim se sente foge de encontros com pessoas por quem está atraído de forma a evitar o desconforto da experiência.

Um trauma desencadeia conflitos psíquicos inconscientes. No caso da venustrafobia, as situações vividas como embaraçosas ou ameaçadoras, mesmo na infância ou na adolescência, ajudam a entender esse medo. As causas podem ter várias raízes. “Pode advir da experiência de um relacionamento difícil e fracassado”, adianta Sara Ferreira. Ou de um doloroso processo de uma relação que terminou.

Abrir os porões da mente

“Para ultrapassar esta fobia, como qualquer outra, é preciso perceber quando é que surgiu e tentar desmistificar cada uma das razões que provoca a fobia ou ansiedade. E, depois, tentar fazer dessensibilização sistemática e ir aproximando a pessoa do objeto ou da situação que está na origem dos sentimentos de ansiedade”, sublinha a psicóloga Cláudia Faria.

Porque é que se foge do medo? A pergunta tem de ser feita para entender e tentar resolver esses medos difíceis de explicar e complexos de ultrapassar. Sara Ferreira deixa o alerta: “O alívio que uma pessoa sente por ter evitado o encontro com uma mulher bonita contribui ainda mais para a manutenção e possível perpetuação da fobia, contribuindo apenas para aumentar o seu medo de uma próxima vez”. Vencer o medo implica um trabalho psicoterapêutico, avaliar distorções cognitivas que possam estar a galopar no sistema mental. “As distorções cognitivas, na verdade, também colaboram muitíssimo para a manutenção da fobia e podem incluir pensamentos ruminantes, autocrítica exagerada, crenças catastróficas, antecipação de cenários adversos que – bem lá no fundo dos porões da nossa mente – ‘dão de comer ao monstro’”, revela a psicoterapeuta.

“Os homens ficam intimidados comigo, é algo que os meus amigos me dizem”, confirma a modelo Sara Sampaio
(Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Técnicas cognitivas e comportamentais, técnicas de relaxamento para manter a calma, técnicas de exposição gradual ao que provoca medo, são caminhos possíveis. “Outras técnicas, mais relacionadas com o tratamento dos transtornos do espetro da ansiedade social (da qual a venustrafobia é uma variante), incluem o treino de habilidade sociais.” Ou seja, ganhar ferramentas para lidar com a situação.

Ter consciência dos impactos é meio caminho andado. Se a angústia se instala, se há contactos que se evitam, se as relações afetivas ficam em suspenso, é preciso marcar consulta médica. Nuno Mendes Duarte refere que é necessário enfrentar o medo de uma maneira gradual, sistemática e à medida de cada um. Para controlar os sintomas físicos de ansiedade, há técnicas de relaxamento e exercícios respiratórios. É preciso aprender a modificar os pensamentos negativos que provocam ansiedade e, além disso, transformar crenças pouco recomendáveis para encontrar formas mais saudáveis de regular a parte psicológica. Tudo conta para vencer esse medo que não se explica e que é difícil abafar.

Com que nos devemos preocupar

Sintomas
Palpitações, taquicardia, falta de ar, calafrios, boca seca, medo de perder o controlo, dificuldade em articular frases com sentido, dor no estômago.

Causas
Baixa autoestima, baixa autoconfiança, experiências traumáticas, medo da rejeição, pensamentos negativos, dificuldade em expressar sentimentos.

Tratamentos
Enfrentar o medo de forma gradual e sistemática, controlar sintomas físicos com técnicas de relaxamento, aprender a modificar crenças negativas, evitar pensamentos ruminantes, deixar de antecipar cenários adversos.