Quem são os cool hunters?

Observam tudo e toda a gente. Ao detalhe. Na internet, na rua, no Mundo. Atentos aos estilos de vida, aos comportamentos. Um caçador de tendências constata, reflete e produz um veredito. O que vai estar em voga daqui a uns tempos já eles toparam há muito. Um trabalho imparável de bichinho-da-seda que dita, continuamente, o corta e cose da moda. E não só.

As malas não estão feitas. Ainda. Há de chegar o dia. Porque na cabeça de Rafaela Couto a ideia está fixa. Em abril de 2021, “se tudo correr bem”, espera começar o curso de “Cool Hunting” em Florença, Itália, na escola Polimoda. Era para ter sido este ano. Primeiro, em abril. Depois, em setembro. Prazos que a pandemia adiou.

Não é bem um curso superior. É um master, com duração de nove meses. Ronda os 25 mil euros. “É mesmo isto que eu quero”, garante a jovem de 29 anos. Mas o sonho precisa de explicação, como comprovam os olhares interrogativos que recebe de cada vez que é chamada a falar das suas ambições profissionais. “Cool hunting, o que é isso?” É prever o que vai estar na moda daqui a uns tempos, costuma dizer Rafaela. E isso é possível? Sim.

A holandesa Lidewij Edelkoort, uma referência na área, explicou certa vez que “a previsão de tendências é muito parecida com a arqueologia, mas do futuro”. Assim, não vamos encontrar “cool hunters” (caçadores de tendências) com pincéis ou lupas na mão. Mas terão blocos de notas e uma rede alargada de contactos. Além de uma inata curiosidade, uma apurada intuição e interesse numa ampla gama de temas como arte, design, ciência, tecnologia, socioeconomia, alimentação, viagens, etc.

Serão já alguns em Portugal e muitos no Mundo. Investigadores que tanto palmilham ruas, como navegam pela Internet. Atentam aos estilos de vida. Aos comportamentos. E é nos detalhes da observação que as apanham, às tendências. Para depois avisar marcas e empresas das expectativas e desejos das pessoas e dos consumidores. Rafaela Couto acha que tem faro para a profissão, mas quer apurá-lo. “A primeira vez que ouvi falar do assunto foi nas aulas de Design de Moda na Escola Superior de Artes e Design.”

A moda, que tanto apaixona a jovem natural de Fiães, Santa Maria da Feira, vive muito dos processos criativos. Algo que não se vê, mas que é fundamental. “Percebi que tinha prazer na procura. Na descoberta de coisas novas.” Os professores instigavam. “Diziam-nos que a inspiração estava em todo o lado, ao nosso redor, na sociedade, no dia a dia.” Quando essa etapa terminou, Rafaela procurou o passo seguinte num curso intensivo de styling. Deu-se o clique. “Percebi que o que me interessava não era tanto confecionar as peças, mas a envolvente.” E percebeu também que esse gostar tinha nome e podia ser uma profissão. Ao ouvir falar em cool hunting foi pesquisar. Nem de propósito: Danilo Venturi, diretor da prestigiada escola de moda Polimoda, iria estar no Porto a falar sobre o assunto. A estudante marcou presença e tomou decisões. “Só vou para Itália porque em Portugal não há formações sobre cool hunting. Muito menos direcionado para a moda.”

Mas está na agenda. Na de Vanda Jorge, pelo menos. A diretora criativa de conteúdos da secção Ecoolhunter do jornal “Eco” traçou o seu destino há alguns anos, quando decidiu inscrever-se no curso ministrado na Central Saint Martins, em Londres. Por onde passaram símbolos como Alexander McQueen e Stella McCartney. “Era a minha escolha de sonho.” Na altura, já sabia que a profissão exigia uma curiosidade natural e árduo trabalho. Hoje, pode comprová-lo. “Não é só uma profissão cool. Investiga-se muito, reunimos peças, montamos puzzles. Há muito de invisível para se chegar às tendências.”

“Só vou para Itália porque em Portugal não há formações sobre cool hunting”, reconhece Rafaela Couto
(Foto: DR)

O cool hunting é o mesmo que “trends research” ou “trends forecasting”, feito pelos chamados futuristas ou por grandes agências como a WGSN, os reis dos reis na área. Já lá vamos. Ser cool hunter é estar em constante alerta. É procurar incessantemente informação. Pesquisar sobre o que há de novo. Em termos criativos, de inovação, seja na arte, na moda, no design, na tecnologia. “É identificar novas tendências e prever ou apontar caminhos sobre o que pode vir a moldar determinada indústria. É prever mudanças.” Perspetivas que se convertem depois em artigos, no caso de Vanda Jorge. Mas há agências especializadas na matéria cuja função é escrever relatórios.

A importância da profissão

É o que acontece na WGSN, empresa líder mundial em previsão de tendências. A quem as grandes casas de moda, como Louis Vuitton, Gucci, Balenciaga, pagam avultadas quantias para receberem as linhas mestras do que vai estar em voga, aplicando-as depois nas próprias coleções. Em termos de cores. De padrões. De tecidos. De silhuetas. De formas. De mensagem. Dados que a WGSN fornece com mais de dois anos de antecedência. “Seria um sonho trabalhar lá”, imagina a futura cool hunter de Fiães Rafaela Couto. “Se não for na gigante londrina, numa empresa parecida.” Em Portugal? “Quem sabe. Acredito que poderei viver do cool hunter no meu país daqui a cinco ou seis anos. É preciso que as empresas percebam a importância desta profissão para os mercados.”

Para já, os cool hunters vão vivendo entre os empregos estabelecidos. Mas não lhes dão esse nome. Estão nas empresas de consultoria, de marketing, de assessoria. Nos departamentos de desenvolvimento de produto. Estão nas agências de publicidade de estudo de mercado. Estão até na antropologia. Um cool hunter acaba por ter um pouco de todas essas áreas numa só pessoa. Que observa, reflete e expõe um resultado. Que inspira, mas sobretudo possibilita tomar decisões de negócios certas, por exemplo, em empresas que vivem cenários extremamente competitivos e de rápida mudança. Como aconteceu com a indústria têxtil, que recentemente se viu obrigada a voltar-se para a criação de máscaras.

“Dada a pandemia, acho que as empresas e marcas vão estar mais permeáveis para perceber que é uma área que pode fazer sentido”, deduz Vanda Jorge. A covid veio mostrar a urgência da adaptação às situações. “Coisas que se esperava que acontecessem em cinco anos aconteceram em três meses. A importância do cool hunting vê-se na necessidade que temos de perceber quais serão as ferramentas e as ideias que nos vão ajudar a ir ao encontro do que vai na cabeça das pessoas. E cada vez mais se fala em pessoas e menos em consumidores.” Porque as suas necessidades mudaram, os seus modos de estar mudaram. Os comportamentos são outros. “É urgente investir no que nos vai permitir entender as pessoas e futuro”, frisa a especialista.

“Não é só uma profissão cool. Investiga-se muito, reunimos peças, montamos puzzles”, assegura Vanda Jorge
(Foto: DR)

Não é só no setor da moda que o cool hunting pode ajudar. “Pode estar ao serviço de outros setores. Vanda aponta um exemplo prático. “A cerveja.” Isto porque as novas gerações “têm mais sensibilidade para os estilos de vida saudáveis”. Para beberem menos álcool. “Saem menos à noite, gostam de ficar em casa a ver Netflix. Compram mais pela internet. As marcas e empresas têm de se adaptar a estas realidades se querem sobreviver.”

A moda passou por um processo idêntico. Ainda está a passar. A Shanghai Fashion Week, que aconteceu em março, foi a primeira semana da moda realizada online. O evento reuniu 150 marcas designers que apresentaram as novas coleções em live-streaming, oferecendo um experiência de compra online “see now, buy now” (veja agora, compre agora). A Maison Margiela, em França, apresentou uma coleção através de um documentário, feito em Londres. Houve conversas de zoom e drones a entrar no ateliê do estilista John Galliano. Há dias, a Moschino apresentou a sua coleção com um show de marionetas.

“A moda mostrou que é capaz de se adaptar à nova realidade e às novas formas de consumo”, constata. “O que era impensável tornou-se real.” Real é também a loja digital holandesa “The Fabricant”, que permite comprar roupa virtual. “Para tirar fotos. São mais baratas e adequam-se a este nosso estilo sustentável e de personagens digitais.” A cool hunter não tem dúvidas: “Mais do que saber o padrão que se vai usar, temos de começar a pensar qual será o futuro da moda. Na sua sustentabilidade. No que fará com que uma marca seja forte”.

Presente, mas ao de leve

Rafaela Norogrando, diretora da Licenciatura de Design de Moda da Universidade da Beira Interior (UBI), diz que o cool hunting sempre esteve presente nas academias de moda, embora de forma ténue. “É da formação do designer fazer observação e investigação. Para se desenvolver um produto para um utilizador é preciso percebê-lo por dentro, perceber o universo em que está inserido. As suas necessidades físicas e emocionais.” Mas disciplinas debruçadas só e apenas em cool hunting é difícil. Agora, que a pesquisa e o conhecimento enfrentam novos desafios, talvez seja a hora do cool hunting marcar mais presença nas escolas e universidades. Na UBI, há um foco definido há já muitos anos. “Trabalhamos para formar profissionais ativos numa sociedade que precisa de consciência e responsabilidade.” É que o sistema propagou-se além do vestuário. “A moda reflete os fenómenos do Mundo. É ela própria um fenómeno. Espelha o bem e o mal que há na sociedade. Se antes um designer já olhava reflexivamente para o seu trabalho, agora tem de o fazer com mais seriedade”, afirma a docente.

“A moda reflete os fenómenos do Mundo. É ela própria um fenómeno. Espelha o bem e o mal que há na sociedade”, afirma Rafaela Norogrando
(Foto: DR)

Vanda Jorge quer ir mais longe. Quer cadeiras, um curso inteiro, se possível, de cool hunting no país. “A minha vontade em levar o tema para a academia é porque sinto que tanto se podem formar jovens como trabalhar os profissionais já ativos noutras profissões.”Acicatando-lhes a curiosidade, trabalhando-lhes a intuição. Para já, enquanto o projeto que tem no forno não fica pronto, gere, entre outros projetos na área, a agência que criou: Cool Hunting Society. Uma plataforma com caráter internacional aberta a membros que queiram conhecer, explorar e refletir sobre novas tendências de mercado, abordar pensamento futuro e especulativo. Vanda está na chefia com uma missão: “Fazer do cool hunting uma ferramenta estratégica para Portugal”.