Quarentena, ao que aos nossos olhos obrigas

A questão a é transversal a todas as idades. Entre nós e o tempo que passamos em frente aos ecrãs, sejam televisores, tablets, computadores ou telemóveis, há mil problemas que podem surgir. Mas também não faltam dicas para os ultrapassar.

As contas são arredondadas. Há coisa de três semanas a vida de Ana Rocha, 38 anos, mudou. O culpado é conhecido de todos. O novo coronavírus levou o Instituto Politécnico de Viana do Castelo a fechar portas. Ana, professora de Inglês, foi para casa. Os alunos seguiram o mesmo caminho. O trabalho, esse, manteve-se, só que noutros moldes.

“As aulas de duas horas, que eram presenciais, passaram a durar entre 45 minutos e uma hora e são agora dadas através de uma plataforma de videoconferência.” Continuam a ser preparadas pela docente, mas a exigência é naturalmente diferente. “Procuro materiais e técnicas que sejam mais apelativas e isso requer outro tipo de pesquisa.”

Ou seja, entre preparar cada exposição e efetivamente apresentá-la aos alunos, são quatro a cinco horas em frente ao ecrã. Se Ana acrescentar as outras tantas que o doutoramento, que se encontra neste momento a fazer, determina, “aí é um pouco assustador”, admite. Ela e o computador passam uma média de oito horas diárias em frente um ao outro. Na melhor das hipóteses.

Poderá haver dias em que são mais. Isto sem contabilizar os extras, as distrações que Ana não nega. “Sim, o telemóvel foi amplamente utilizado nestas últimas semanas.” Para as redes sociais, sobretudo. Como o Instagram e o Facebook, por onde chegam notícias do Mundo.

Mas há outras distrações. “Como gosto de culinária não resisto”, diz, e a cada jornada lá abre aquele blogue que segue “só para espreitar a receita do dia”. As contas, mais uma vez, são arredondadas. E mesmo assim, sem as calcularmos com exatidão, é fácil perceber o motivo para a docente notar os olhos mais cansados, a cabeça mais pesada, a dificuldade de concentração e, claro, as temidas dores de costas.

O desgaste da visão acaba por se ressentir no resto do corpo. E os óculos de descanso, que até agora cumpriam a função na perfeição, talvez precisem de ser substituídos quando este período de quarentena acabar. “Já não vou ao oftalmologista há algum tempo. Portanto, provavelmente, no final do ano letivo, estarei a fazer um check up, para perceber se houve alguma evolução.”

Diana Sousa, 29 anos, não está tão preocupada. A “productivity coach” – o equivalente a uma diretora comercial –, da agência imobiliária KW Select vive a realidade do teletrabalho há pouco mais de uma semana. Até agora sem queixumes. “Eu já usava muito o computador e o telemóvel.”

A única diferença é que a proximidade física que tinha com os colegas lhe permitia poder fazer parte desse trabalho cara a cara. “Agora é impossível.” Por isso, os óculos de descanso estão quase sempre pousados no nariz. “Tenho usado todos os dias. Umas cinco ou seis horas. No mínimo.”

A televisão, ao fundo da sala, vai fazendo companhia, mas não distrai o olhar, jura. Tem muito que fazer entre “reuniões, video calls, acompanhamento a consultores e clientes, formações, etc.” O frenesim de chamadas é tal que Diana chama o telemóvel de apêndice. E o computador, “que tem um ecrã grande”, é o seu maior aliado. “Sim, passo mais de oito horas por dia nisto.”

Estando em casa, a tendência é prolongar esses afazeres no tempo. Mas, assegura, “a capacidade de concentração mantém-se”. Embora acuse algum cansaço, principalmente no que à visão diz respeito. Contudo, remata, “para já, não é nada de significativo”.

O facto de estarmos mais mais fechados em casa, confinados à mesma visão, não nos cria grandes capacidades de fuga. Viramos a atenção para o computador e telemóvel se por eles for possível fazer teletrabalho. E nas pausas damos por nós a prolongar essa dependência. Até porque é por eles que o que está fora da porta nos pode tocar. O cérebro é constantemente estimulado.

Sofrem todos

Chamadas, mensagens, vídeos. Muita informação. Janelas e janelas – que é como quem diz, separadores e separadores – de distrações. Toda uma nova realidade. Rotinas diárias viradas do avesso, sem grande preparação psicológica ou adaptação física. E o organismo, que não estava habituado, ressente-se da mudança brusca. Os olhos, sejam das crianças, dos adultos ou dos idosos, são os primeiros a sofrer.

Cathia Chumbo, psicóloga clínica no Hospital Arrifana de Sousa, em Penafiel, salienta isso mesmo. As novas tecnologias estão agora mais implícitas em qualquer idade, “nos adultos, através do teletrabalho, nas crianças e adolescentes, na forma como se articulam com as entidades escolares e também na gestão do restante tempo”.

E nos idosos, porque tenderão a passar ainda mais tempo em frente aos televisores. “Esta é a forma mais fácil de ocupar as pessoas.” Por tudo isso, é natural que revelem sinais de cansaço ao fim do dia, como cefaleias, alterações oculares (pestanejar constante, ardor, entre outras), irritabilidade e até alterações de humor.

No caso das crianças e adolescentes, por exemplo, “esta situação tem implicações graves”. Principalmente “quando não a conseguimos limitar temporalmente”. Uma vez que “estão a utilizar o tablet e o telemóvel e se encontram com a televisão no seu ângulo de visão, aumentando a sobrecarga”.

A especialista fala mesmo em “Síndrome da Visão do Computador”, que se reflete, por exemplo, na dificuldade que os indivíduos possuem “em focar a atenção e visão em estímulos mais distantes”, pois, ao utilizarem tablets ou computadores, os ecrãs geralmente estão localizados “a menos de um metro de distância dos olhos”.

Nesse sentido, diz serem “imperativas as atividades que impliquem o relaxamento muscular e a diminuição da estimulação ocular”, para que possamos aumentar a capacidade de integração sensorial através dos diversos sentidos e não apenas pela visão, que notoriamente “passa a ser o sentido mais estimulado nesta fase de contenção social”.

Cathia aponta alguns caminhos. As atividades de relaxamento “são uma importante ferramenta em qualquer uma das idades”, pois pressupõem a diminuição da estimulação visual, já que são realizadas geralmente de olhos fechados, e apresentam-se como “um ótimo exercício à tomada de consciência face aos outros sentidos”. Pode acontecer pelo odor, através de aromas como os dos chás; pela audição, ao escutar sons como música; e pelo toque. São pausas no trabalho que ajudarão todo o corpo e, principalmente, a aliviar os olhos, que devem permanecer cerrados durante estes exercícios.

Sara Ribeiro, oftalmologista no Hospital Lusíadas do Porto, recorda que bastam duas horas diárias em frente aos ecrãs para se sentir “dores de cabeça, visão desfocada, ardência e olhos vermelhos”. Estes sintomas são causados “pela reação diferente dos olhos e do cérebro a carateres num ecrã em comparação com carateres impressos”, já que “não apresentam o mesmo nível de contraste”.

As palavras e imagens na tela são criadas por combinações de pequenos pontos de luz a que chamamos píxeis, que são mais brilhantes no centro e diminuem de intensidade na periferia. “Isto faz com que seja mais difícil para os nossos olhos manter o foco.” Por consequência, sofrem.

Às dicas já enumeradas para minorar os efeitos nefastos da exposição ocultar acrescenta que podem ser necessários filtros antirreflexo nos ecrãs. Contudo, alerta, “esses apenas reduzem o brilho do computador, não reduzem os problemas visuais relacionados com o uso de computador”. Para tal, recomenda o uso de óculos com lentes específicas. “Por exemplo, lente antirreflexo, para tornar o trabalho mais confortável.” E para “reduzir os sintomas de olho seco”, nomeadamente olho vermelho e ardência ocular, o uso de colírios lubrificantes “é uma opção a ter em conta.”

Dicas a reter:

• Fazer uma pausa a cada 40 minutos para olhar para um objeto mais distante.
• Executar as tarefas em ambientes bem iluminados.
• Manter a distância de pelo menos 60 centímetros em relação ao ecrã. O olhar deve estar direcionado um pouco abaixo da linha do horizonte.
• Ao ver televisão, manter a distância de duas ou três vezes o valor de diagonal do ecrã.
• Ajustar o brilho do ecrã do telemóvel. Ao utilizá-lo, deve ser mantida uma distância de aproximadamente 30 centímetros dos olhos.