
João Silva tem 92 anos, é alfaiate, mora em Esposende. Aos 89, um turbilhão no peito, teve de substituir a válvula à entrada do coração. O filho cardiologista equipou-se e assistiu a tudo. Hoje é o Dia Mundial da Terceira Idade.
João Silva tem 92 anos, é alfaiate desde os oito, agora sem porta aberta, apenas para amigos e família, roupa de homem e senhora à medida e feita pelas próprias mãos. “Tenho uma grande família e faço roupa para toda a gente. É mais um gosto do que uma profissão”, conta. Nascido e criado em Esposende, filho de pai alfaiate, nasceu na arte, continua na arte.
Aos 20 anos, passou seis meses em Lisboa a aperfeiçoar o corte. Voltou, abriu a sua loja de roupa, começou a pensar noutras possibilidades, a mudar os pontos de vista. Avançou para uma sociedade de pronto-a-vestir. Correu bem. Entretanto, abriu uma oficina para fazer saias plissadas, fez milhares, vendeu milhares, criou postos de trabalho. E começou a projetar uma fábrica de confeção. “Comprámos um edifício antigo em Esposende, o antigo cinema, com dois andares. Fizemos muita roupa, exportámos para Espanha, França, Suécia, Alemanha, Inglaterra.” Há cerca de 15 anos, apareceu um comprador, ele e o sócio venderam o negócio.
Foi numa habitual caminhada de sábado de manhã, de casa ao centro de Esposende, 1,5 quilómetros a pé, para tomar café e colocar a conversa em dia com os amigos, que o corpo deu o sinal. “Senti um turbilhão no peito que desceu para a cintura, não percebi o que era. Não era uma dor, era um sentimento tão intenso, uma coisa em movimento, em espiral”, recorda. Foi há três anos, tinha 89. Depois daquela sensação, não sentiu mais nada, seguiu caminho e dias depois conversou com o filho, cardiologista, sobre aquele aperto no peito.
João Silva tem 92 anos, faz 93 em abril do próximo ano, é o alfaiate da família e dos amigos
“Fiquei a pensar naquilo e disse ao meu filho.” Exames no hospital e o diagnóstico de estenose valvular aórtica. O filho explicou-lhe que era necessário mudar a válvula à entrada do coração. “Correu muito bem, é muito simples, não há costuras, não há nada.” Dias depois, estava novamente à volta dos tecidos, dos moldes, das roupas. “Continuou tudo como dantes, não custou nada, continuo a minha vida.” Um diagnóstico atempado, um tratamento minimamente invasivo, e uma rápida recuperação. Não foi uma operação de peito aberto.
Sempre foi um homem calmo, sem vícios, nunca fumou, nunca bebeu e foi desportista. Dos 16 aos 22, praticou remo no Rio Cávado, pelo meio, dos 18 aos 22, jogou futebol. Nunca teve problemas maiores de saúde, a não ser aquele aperto no peito. Hoje é Dia Mundial da Terceira Idade e João Silva, com os seus 92 anos, garante que não tem conselhos a dar aos mais velhos, confessa que não sabe o segredo de como aqui chegar. E, hoje, refere que não está assustado com a pandemia. “Mas tenho cuidados.”
João Carlos Silva, filho de João Silva, cardiologista, assistiu à operação, por razões sentimentais foi aconselhado a não mexer nas ferramentas médicas nessa cirurgia em particular. Equipou-se e ficou ao lado do colega para o que fosse necessário. Correu tudo bem, com ansiedade à mistura e o coração nas mãos.
Cansaço, a dor no peito e desmaios são alguns dos sintomas da estenose valvular aórtica
Ao longo dos anos, João Carlos Silva assistiu à mudança de paradigma da doença que não tem tratamento médico. “A medicação não resolve o problema”, refere. A ciência pula e avança a agora a intervenção não é feita de peito aberto. “É feita pela virilha, sem precisarmos de abrir o peito.” E o seu pai é um bom exemplo de que tudo pode correr bem. “A maioria dos doentes melhora muito com a intervenção.”
A substituição da válvula aórtica através de uma técnica minimamente invasiva é a única esperança de vida para os doentes cardíacos inoperáveis e também a melhor solução médica capaz de garantir uma boa qualidade de vida.
Se não diagnosticada a tempo, a estenose valvular aórtica pode ser fatal. A válvula aórtica fica progressivamente mais rígida, mais dura, concentra mais cálcio com o tempo. A aorta, a principal artéria do corpo, transporta sangue para fora do coração, quando o sangue sai, flui da válvula aórtica para a artéria aorta.
A função da válvula aórtica é evitar que o sangue bombeado pelo coração volte para trás. Quando há uma estenose, a válvula aórtica não abre completamente, fica cada vez mais estreita e impede o fluxo sanguíneo para fora do coração. É uma doença cada vez mais frequente devido ao aumento da esperança média de vida.