
Chama-se frotteurismo - ou frotismo - e envolve roçar os genitais em terceiros, sem o consentimento destes. Há tratamento, mas poucos doentes procuram ajuda.
Cathia Chumbo, hoje com 34 anos, recorda-se de andar na escola e ouvir a história de um indivíduo, na faixa etária dos 20 anos, que se aproveitava das viagens dos estudantes para a escola para se encostar de forma duvidosa às jovens que lá seguiam. “Lembro-me que as minhas amigas até evitavam andar de autocarro para não correrem o risco de se cruzarem com ele”, refere, em conversa com a “Notícias Magazine”. Dizia-se na altura que o indivíduo em causa procurava sempre as horas de maior fluxo no autocarro. Cathia diz que o sujeito chegou até a ser conhecido em várias escolas do concelho de Penafiel. “Na altura as referências eram de que ele andava sempre sozinho a vaguear pela cidade, que era sempre o último a entrar nos autocarros, aproveitando-se das situações para tocar nas estudantes do Ensino Secundário, dizia-se que quando as pessoas se apercebiam quem era ele fugia. Lembro-me de ouvir falar no tarado das escolas e de os pais chegarem mesmo a ser alertados.”
Só não sabia que, anos mais tarde, já como psicóloga, se depararia com casos semelhantes e perceberia, por fim, o porquê de tão inquietante comportamento. O indivíduo em causa sofria, deduz-se, de frotteurismo (do francês “frotteurisme”, que por sua vez provém de “frotter”, que significa esfregar). O frotteurismo, ou frotismo, é pois a excitação sexual resultante da fricção dos órgãos genitais ou do toque no corpo de uma pessoa desconhecida e geralmente vestida.
Cathia recorre à quinta edição do “Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais” (DSM-5) para aprofundar o conceito. Segundo esta publicação, um doente deve ser diagnosticado com transtorno frotteurista quando preencha dois critérios: excitação sexual recorrente e intensa resultante de tocar ou esfregar-se em pessoa que não consentiu, excitação essa por um período de pelo menos seis meses; ter colocado em prática esses impulsos sexuais com pessoa que não consentiu ou ter prejuízo no funcionamento social e profissional decorrente dessas mesmas fantasias sexuais.
De referir também que o frotismo entra na lista de outras parafilias sexuais, como o exibicionismo (exposição dos órgãos sexuais com a finalidade de obter excitação sexual), o voyeurismo (excitação decorrente da visão de alguém nu ou a praticar um ato sexual) ou o travestismo (excitação sexual recorrente e intensa ao usar vestimentas do sexo oposto). Nuno Trovão, psiquiatra especialista em medicina sexual, frisa, no entanto, que é preciso distinguir entre parafilia e transtorno parafílico. “Uma parafilia sexual é simplesmente uma variante da norma de preferências sexuais, que pode não causar transtorno à vida pessoal do indivíduo. Para entrarmos no campo da perturbação o comportamento já tem de ter atingido uma proporção que implique um impacto grande na vida do indivíduo ou de terceiros.”
Transportes, concertos, elevadores
No caso do transtorno frotteurista, traduz-se num comportamento geralmente apresentado no meio de grandes aglomerados, como os que se formam em transportes públicos, festas, concertos e manifestações. A explicação é simples. “O indivíduo procura esse tipo de situações com o objetivo de passar despercebido, uma vez que se trata de um comportamento extremamente invasivo e não consentido face ao outro”, salienta Cathia Chumbo.
Paulo Costa, psicólogo clínico, psicoterapeuta e psicoanalista, chama no entanto a atenção para outras situações, bem menos faladas, em que estes comportamentos podem ocorrer. “Em contexto de trabalho, por exemplo. Seja de um superior hierárquico que procura roçar-se numa funcionária ou do colega que numa festa dá um abraço com a intenção de sentir os peitos da colega e encostar o pénis aos genitais da mesma. Contactos que ativam a excitação que o sujeito procura. Há até quem no elevador coloque os sacos propositadamente para sobrar pouco espaço, de forma a facilitar o contacto.”
O especialista, que ao longo de quase 30 anos de experiência profissional se tem deparado com vários casos envolvendo transtorno frotteurista, ressalva que raramente o paciente vai à consulta com o intuito de pedir ajuda para esse efeito (até por existir frequentemente “uma espécie de negação da realidade”), mas esclarece que, ao fim de uns meses de consultas, alguns vão admitindo problemas do género. Segundo o DSM-5, 30% dos homens adultos podem já ter revelado, em algum momento da sua vida, este comportamento.
Por sua vez, Nuno Trovão, psiquiatra que, até hoje, só tratou um caso de transtorno frotteurista, lembra estudos internacionais que apontam para que 10% da população sofra de transtornos parafílicos. Dentro desta fatia, 10 a 20% dos doentes sofrerão de frotismo. O especialista sublinha ainda que este transtorno raramente aparece como um comportamento isolado. “Muitas vezes são pessoas com alguma debilidade intelectual, que não conseguem obter afetos de outras formas, que também têm perturbação de controlo de outros impulsos.”
Certo é que o problema é mais recorrente no sexo masculino. A sexóloga espanhola Georgina Burgos avança com uma estimativa: “Por cada oito homens [com este distúrbio], há uma mulher”. Cathia Chumbo, que tem acompanhado vários doentes que sofrem deste transtorno, todos homens entre os 25 e os 35 anos, acrescenta que o frotteurismo surge frequentemente associado a outros transtornos parafílicos.
E há explicações para o problema? A especialista observa que as causas “permanecem de alguma forma uma incógnita”, mas enumera algumas explicações que têm vindo a ser apontadas por diferentes autores: desde o princípio da modelagem – ou seja, o facto de os doentes terem assistido a este tipo de comportamentos nas suas figuras de referência primárias – a situações de abuso, que possam levar estes indivíduos a assumir a prática como um comportamento “aprendido”. “A possibilidade de se tornar um mecanismo compulsivo é outra das teorias explicativas, em que, como em qualquer outra compulsão, surge uma crença associada a um elevado grau de ansiedade que apenas é suprimida através da conduta compulsiva. Há ainda quem faça referência a uma alteração do ponto de vista cerebral, defendendo que a patologia poderia ter origem orgânica”, explica a psicóloga.
Tratamento, estigma e… covid
Cathia Chumbo realça que este tipo de comportamento surge geralmente na adolescência, em indivíduos com elevados traços de timidez, baixas competências sociais, sentimentos de inferioridade e uma elevada tendência para a frustração. “Verificamos que o indivíduo demonstra uma hipersexualidade acompanhada por um elevado desconforto no que concerne aos desejos e fantasias associadas.”
E o impacto na vida pessoal, social, relacional ou mesmo profissional é significativo. Desde logo porque o facto de esta se apresentar, muitas vezes, como a única forma de satisfação sexual expõe o indivíduo “a situações de elevado stresse”, até pelo planeamento minucioso a que este comportamento pode obrigar. A especialista considera igualmente que há indivíduos que, à custa do frotteurismo, não conseguem manter relações amorosas ditas normais. Noutros casos podem tê-las, mas vivem “sob elevada pressão”, acabando muitas vezes por ser descobertos ou por se ver obrigados a confessar aos companheiros. Acrescente-se que, tratando-se de uma conduta não consentida, que resulta num abuso contra a integridade física e psicológica das vítimas, termina muitas vezes na condenação por crime sexual.
Mas existe solução. Antes de mais, é importante que o paciente assuma a “patologia da conduta”. Ou seja, que tome consciência do dano que provoca na vítima. Para isso, é preciso trabalhar no sentido de “aumentar a empatia face ao outro”. Quanto a tratamento, a corrente psicológica maioritariamente utilizada é a cognitivo-comportamental, em que “é realizada uma intervenção sobre as crenças que conduzem o indivíduo a adotar este tipo de comportamentos face a determinados estímulos”. Já nos casos em que há uma disfunção biológica de controlo dos impulsos, que já não responde aos tratamentos da psicologia, a solução deverá passar por uma intervenção psiquiátrica, com recurso a fármacos que visam controlar os impulsos e os desejos. “Pode recorrer-se a fármacos que ajudem a reduzir o desejo ou a excitação física, como os antidepressivos, que são potenciadores da serotonina, ou a antipsicóticos, que ajudam a reduzir a dopamina, o neurotransmissor que regula comportamentos impulsivos e de prazer”, distingue Nuno Trovão, que faz questão de deixar um apelo: “É preciso que as pessoas se sintam menos estigmatizadas para levar o assunto aos profissionais”.
Já o psicólogo Paulo Costa sublinha que o distanciamento social a que estamos obrigados em tempos de covid obriga a redobrar atenções face a doentes que sofrem de transtornos deste género, lembrando os riscos que podem estar iminentes. “Com estas pessoas numa espécie de processo de ressaca, por terem estado durante muito tempo impedidas de satisfazer a necessidade patológica do toque, há condições para que se gere uma escalada perversa gritante, que pode levar a um aumento deste tipo de crime. Acho que é fundamental falar publicamente de problemas como este, até para estarmos todos mais atentos ao que poderemos chamar de ‘perversões subterrâneas’.”