Quando regressar das férias é um drama

Sara Dias e Nuno Costa são viajantes “profissionais”. Sempre que voltam a casa empenham-se em novos projetos no imediato, de maneira a manter alguma novidade e dinâmica (Foto: DR)

Voltar a casa, ao trabalho e às rotinas depois de umas semanas de descanso pode não ser pacífico. Há quem se sinta abatido e com dificuldades de readaptação. A “depressão pós-férias” não vem nos manuais de diagnóstico, mas é um problema real.

Nem sempre é fácil voltar ao trabalho na segunda-feira, depois de um fim de semana de descanso, mas esse dever pode ser ainda mais sofrido quando se trata de um regresso após algumas semanas de pausa. Porque, pese embora a chamada “depressão pós-férias” não ser um diagnóstico disponível – o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM) não contempla tal definição -, a verdade é que, na prática, há quem sofra com grande abatimento e dificuldade de readaptação no fim das férias grandes.

“Não temos dados concretos, mas sabemos que é uma situação frequente. Porque ninguém se farta de férias e porque, hoje, temos muitas pessoas que não fazem aquilo que gostam – sentem-se descontentes com as suas tarefas, com as políticas da empresa, com o vencimento ou com chefias – e isso tem um peso muito significativo nesta questão”, clarifica a psicóloga clínica Raquel Ferreira.

Segundo a especialista, essa síndrome pós-férias é mais frequente entre aqueles que não repartem os dias de férias ao longo do ano. “Os que tiram um mês inteiro, quando chegam ao fim pensam: ‘Agora só para o ano’. E um ano é muito tempo para ficar à espera.” Exatamente por isso, uma das recomendações para evitar esse desânimo no regresso ao trabalho é fazer férias repartidas. “Para quem pode, o ideal é fazer uma gestão dos dias disponíveis que permita ir tirando pequenos períodos de descanso ao longo do ano. É mais fácil regressar ao trabalho, com mais alento, sabendo, por exemplo, que dali a três meses se volta a ter uns dias de folga.”

“Manter os horários das refeições e não derrapar nos do sono é uma forma de evitar essa sensação de cansaço no regresso ao trabalho”
Raquel Ferreira, psicóloga clínica

Outro conselho útil – embora talvez mais difícil de implementar – é manter algumas rotinas básicas. Apesar de ser normal fazer mudanças de horários no período de férias, o corpo acaba por pagar caro: demora algum tempo a adaptar-se a horários novos e, quando finalmente está adaptado, acabam as férias e volta a haver nova alteração. “Isto leva a uma grande sensação de cansaço. E é por esta razão que ouvimos muitas vezes as pessoas dizerem ‘Precisava de férias para descansar das férias’. Tentar manter pelo menos os horários das refeições e não derrapar muito nos do sono é uma forma de evitar essa sensação de cansaço no regresso ao trabalho”, aconselha Raquel Ferreira. Isso e ter em mente que as férias não têm de ser uma sucessão de planos e de coisas a acontecerem a todos os momentos: pode e deve haver tempo simplesmente para descansar e não fazer nada.

Esses difíceis retornos

Ir de férias, além de ser um interlúdio daquela que é a atividade mais estruturante dos ritmos diários de toda a gente – o trabalho -, pode ser também uma questão de geografia. Quando viajamos, saímos do nosso lugar habitual para outro e, no país de destino, a nossa experiência é quase sempre marcada por uma cultura e uma realidade diferentes, o que torna cada dia uma novidade e uma descoberta constante. Há quem sinta conforto no momento em que a viagem termina e se roda de novo a fechadura da porta de casa para entrar, mas também há aqueles para quem esse é um momento sofrido.

A primeira vez que Sara Dias, de 32 anos, se sentiu desfasada da realidade no regresso de uma viagem foi em 2016, após um mês na Tailândia. Ela e o namorado, Nuno Costa, de 37 anos, são proprietários de uma loja de tatuagens na Maia e mantêm o blogue e canal de YouTube “Viagens Daqui Para Ali”, onde partilham as suas experiências pelo Mundo, em modo low-budget: gastando menos em alojamento, transporte e comida, investem mais em tempo de viagem, pelo que viajam frequentemente por várias semanas ou meses seguidos.

Depois dessa primeira grande viagem, chegou e chocou de frente com a realidade. “Não se tratava apenas de uma simples insatisfação por voltar à vida ‘normal’ ou ao trabalho – até porque, na verdade, nós não viajamos para fugir da nossa vida, da qual gostamos. Era mais complexo e profundo”, explica Sara. “Quando estamos em viagem, estamos com os nossos sentidos estimulados em permanência e isso faz-nos crescer como pessoas, aumenta a adrenalina e fortalece a nossa autoestima. Todo o entusiasmo inicial de regressar e estar com os amigos e a família se transforma rapidamente em frustração por ficarmos estáticos, presos numa rotina da qual já nos tínhamos desligado. Voltamos às mesmas conversas básicas, aos mesmos hábitos semanais. Tudo volta ao normal, mas tudo parece diferente. A questão é que nós estamos diferentes e os outros à nossa volta não.” A viajante garante que regressar de uma viagem longa é como aprender a falar uma nova língua para depois aterrar de novo num sítio em que mais ninguém a fala em redor. Demorou algum tempo a sair de uma espiral de disposição negativa marcada pela ideia “Quero voltar para lá, era tão feliz e aqui ninguém nos entende”.

A sensação repete-se cada vez que há uma viagem longa. Na mais recente viagem à Ásia, durante três meses, ajudaram uma família vietnamita pintando as sacolas que eles produziam e vendiam, aceleraram de mota pelo meio dos arrozais, mergulharam numa lagoa azul-turquesa com monges no Myanmar e fizeram uma viagem noturna inesquecível num autocarro infestado de baratas no Vietname. “São todas estas aventuras divertidas e todas as pessoas incríveis que conhecemos pelo caminho que nos marcam e deixam saudades. Mas tenho lido sobre a temática da ‘depressão pós-viagem’ e isso ajudou-me bastante a perceber o que sentia. E quanto mais experiência se vai ganhando, mais fácil é lidar com o regresso.”

Ao longo do tempo, o casal encontrou uma solução para combater esse desafio do regresso a Portugal: sempre que voltam a casa devem empenhar-se em novos projetos de imediato, de maneira a manter alguma novidade e dinâmica. “Pode ser começar um novo projeto profissional, redescobrir a cidade onde sempre vivemos com um novo olhar, criar novos hobbies ou atividades. A ideia é definir pequenas metas diárias para estar com a mente ocupada e não cair em nenhuma rotina negativa.” Tem resultado.

Estratégias para voltar sem stresse

As férias têm imensos benefícios e a maioria das pessoas regressa a casa e à vida profissional com melhor disposição e a sentir-se revigorada. Aliás, as férias são importantes não só para o trabalhador. “Influenciam o bem-estar do colaborador, mas também o rendimento da organização. O trabalho leva a desgaste físico, psicológico e emocional que provoca o aumento de stresse e dos efeitos de burnout. As férias permitem que as pessoas se desliguem das suas responsabilidades profissionais e recuperem”, considera Marisa Simão, psicóloga organizacional e coach de carreiras. E isso também é importante para as empresas.

“É importante deixar uma lista de ‘pendentes’ com os colegas, para, no regresso, conhecer os desenvolvimentos ocorridos na nossa ausência”
Marisa Simão, psicóloga organizacional

Além de serem um período de descanso, são também uma forma de passar mais tempo em família. Marisa Simão recorda que essa harmonia entre o tempo de trabalho e o tempo em família é essencial para evitar “tensões e dificuldades por não se conseguirem satisfazer as obrigações nos dois domínios”, razão pela qual, hoje, muitas empresas tentam investir nessa harmonização com soluções como creches da empresa, folgas nos dias de aniversário dos filhos e não agendar reuniões perto da hora de saída. “A conciliação entre os papéis é fulcral para os trabalhadores permanecerem no local onde trabalham e reduzirem o nível de stresse.”

De forma a aproveitar as férias, a primeira regra é ‘desligar’ desde logo das funções profissionais. “Muitas pessoas acabam por passar os primeiros dias de férias a pensar nas tarefas laborais e preocupados com a sua ausência, pelo que primeira estratégia a adotar é confiar nos colegas e parceiros de equipa que ficam durante a nossa ausência”, sugere Marisa Simão. E, de certa forma, o retorno prepara-se logo antes da partida: “É importante deixar uma lista de ‘pendentes’ feita e com os colegas, para, no regresso, conhecer os desenvolvimentos ocorridos na nossa ausência”, recomenda a psicóloga organizacional.

O que também pode ajudar é não voltar a casa na véspera de ir trabalhar, mas um dia ou dois mais cedo, para fazer uma transição mais suave, ter tempo de organizar o que há a organizar e restabelecer algumas rotinas. “Quem tem filhos tem tendência para fazer isto, para que as crianças possam retomar as rotinas de sono e tenham tempo de organizar as coisas para a escola, mas, por vezes, os adultos esquecem-se de fazer isso por si próprios”, alerta Raquel Ferreira.

Contas feitas, a psicóloga clínica reconhece ser natural que surja uma certa tristeza com o fim das férias e com o regresso ao trabalho mas diz que, numa situação normal, isso se resolve espontaneamente em cerca de uma semana. “Se passados 15 dias a pessoa continuar a sentir-se desmotivada, com apatia, falta de interesse por coisas que habitualmente gosta e alterações nos padrões de apetite ou sono, convém marcar uma consulta de psicologia para fazer um despiste e perceber se é só um pós-férias complicado ou algo mais do que isso.”